Capítulo 2 – O General no Corpo de uma Criança

Os olhos de Hiro estavam vazios.

Ele desceu as escadas ao lado de Mio, mas sua mente não estava ali. Cada passo era calculado, cada movimento, estratégico. Suas pupilas dilatadas varriam o ambiente como um general inspecionando um campo de batalha:

A escada rangia no terceiro degrau—ponto fraco. Pode ser usado como alarme caseiro.

Corredor estreito—fácil de defender, difícil de avançar em grupo.

Janelas baixas—rota de fuga secundária.

Era tudo instinto. O instinto de um homem que sobreviveu ao fim do mundo.

Mio olhou para ele, hesitante.

— Hiro… você está bem?

Ele não respondeu.

A cozinha cheirava a café fresco e pão quente. Sua mãe, Ayame, estava de costas, mexendo em uma panela no fogão. Seu pai Hayato, —estava sentado à mesa, folheando um jornal com os dedos manchados de tinta.

Dois rostos que ele não via há mais de uma década.

Dois rostos que haviam morrido gritando seu nome.

— Ah, bom dia, dorminhoco! — Hayato ergueu os olhos do jornal, sorrindo. — Quase pensei que ia perder minha famosa omelete de cogumelos por sua causa.

Hiro não sorriu.

Sua mãe se virou, colher de pau ainda na mão.

— Hiro? Quer café com leite ou—

Ela parou.

Porque os olhos dele a fitavam como os de um estranho.

Um silêncio pesado caiu sobre a cozinha.

Mio apertou a ponta do vestido, desconfortável.

— Ele… teve um pesadelo.

Ayame franziu a testa, preocupação nítida em seu rosto.

— Filho, você está pálido. Quer deitar um pouco mais?

Hiro olhou para o café fumegante na mesa.

Envenenado?

Não. Não faz sentido. Ninguém quer me matar.

Ainda.

Ele puxou a cadeira e sentou, as mãos pousadas sobre a mesa

— Café. Puro.

Sua voz soou rouca, estranhamente adulta.

Hayato ergueu uma sobrancelha.

— Desde quando você bebe café puro?

Hiro não respondeu.

Bebeu.

Queimou a língua.

Bom.

A dor o lembrava que ele estava vivo.

Que isso não era um sonho.

Ayame trocou um olhar com Hayato antes de colocar um prato de omelete na frente dele.

— Filho, se você quiser falar sobre o pesadelo…

Hiro cortou um pedaço com o garfo.

Movimento preciso.

— Não foi um pesadelo. — Ele mastigou, devagar. — Foi uma lembrança.

O silêncio voltou.

Mio olhava para ele como se ele tivesse crescido chifres.

Hayato fechou o jornal, sério pela primeira vez.

— Que tipo de lembrança deixa um garoto de doze anos com olhos de veterano de guerra?

Hiro ergueu o rosto.

E pela primeira vez, eles viram.

Viram o que estava por trás daquela máscara de criança.

O vazio. A escuridão. O ódio.

— O tipo que ainda não aconteceu.

Ele terminou o café em um gole.

E então, levantou-se.

— Eu tenho treinamento.

E antes que alguém pudesse responder, ele já havia desaparecido pela porta dos fundos.

Deixando para trás uma família confusa.

E um silêncio que gritava.