Os olhos de Hiro estavam vazios.
Ele desceu as escadas ao lado de Mio, mas sua mente não estava ali. Cada passo era calculado, cada movimento, estratégico. Suas pupilas dilatadas varriam o ambiente como um general inspecionando um campo de batalha:
A escada rangia no terceiro degrau—ponto fraco. Pode ser usado como alarme caseiro.
Corredor estreito—fácil de defender, difícil de avançar em grupo.
Janelas baixas—rota de fuga secundária.
Era tudo instinto. O instinto de um homem que sobreviveu ao fim do mundo.
Mio olhou para ele, hesitante.
— Hiro… você está bem?
Ele não respondeu.
A cozinha cheirava a café fresco e pão quente. Sua mãe, Ayame, estava de costas, mexendo em uma panela no fogão. Seu pai Hayato, —estava sentado à mesa, folheando um jornal com os dedos manchados de tinta.
Dois rostos que ele não via há mais de uma década.
Dois rostos que haviam morrido gritando seu nome.
— Ah, bom dia, dorminhoco! — Hayato ergueu os olhos do jornal, sorrindo. — Quase pensei que ia perder minha famosa omelete de cogumelos por sua causa.
Hiro não sorriu.
Sua mãe se virou, colher de pau ainda na mão.
— Hiro? Quer café com leite ou—
Ela parou.
Porque os olhos dele a fitavam como os de um estranho.
Um silêncio pesado caiu sobre a cozinha.
Mio apertou a ponta do vestido, desconfortável.
— Ele… teve um pesadelo.
Ayame franziu a testa, preocupação nítida em seu rosto.
— Filho, você está pálido. Quer deitar um pouco mais?
Hiro olhou para o café fumegante na mesa.
Envenenado?
Não. Não faz sentido. Ninguém quer me matar.
Ainda.
Ele puxou a cadeira e sentou, as mãos pousadas sobre a mesa
— Café. Puro.
Sua voz soou rouca, estranhamente adulta.
Hayato ergueu uma sobrancelha.
— Desde quando você bebe café puro?
Hiro não respondeu.
Bebeu.
Queimou a língua.
Bom.
A dor o lembrava que ele estava vivo.
Que isso não era um sonho.
Ayame trocou um olhar com Hayato antes de colocar um prato de omelete na frente dele.
— Filho, se você quiser falar sobre o pesadelo…
Hiro cortou um pedaço com o garfo.
Movimento preciso.
— Não foi um pesadelo. — Ele mastigou, devagar. — Foi uma lembrança.
O silêncio voltou.
Mio olhava para ele como se ele tivesse crescido chifres.
Hayato fechou o jornal, sério pela primeira vez.
— Que tipo de lembrança deixa um garoto de doze anos com olhos de veterano de guerra?
Hiro ergueu o rosto.
E pela primeira vez, eles viram.
Viram o que estava por trás daquela máscara de criança.
O vazio. A escuridão. O ódio.
— O tipo que ainda não aconteceu.
Ele terminou o café em um gole.
E então, levantou-se.
— Eu tenho treinamento.
E antes que alguém pudesse responder, ele já havia desaparecido pela porta dos fundos.
Deixando para trás uma família confusa.
E um silêncio que gritava.