A notícia da nova missão caiu sobre os alunos da Classe Elite como um raio num dia claro:
— Duplas? — murmurou Saori Kurosawa, franzindo o cenho ao ouvir os nomes.
— Exato, confirmou o instrutor. Trabalho tático em campo. Nada como ver como vocês se comportam ao lado de alguém que não escolheram.
E então a frase que causaria a maior dor de cabeça do dia:
— Tanaka e Kurosawa.
Saori quase grunhiu.
— Com esse cara?!
Hiro Tanaka já estava à frente da sala, braços cruzados, como se a revelação não significasse absolutamente nada. E, para ele, não significava mesmo.
— Estou pronto, foi tudo o que disse.
O local da missão era uma ruína de templo antigo em uma clareira da floresta de Fehr. Segundo relatos, fluxos de mana instável estavam interferindo em bússolas arcanas da região. O trabalho era simples: avaliar a origem do distúrbio.
Mas simples... nunca era simples com aqueles dois.
Caminhando lado a lado, Saori lançava olhares impacientes, e Hiro seguia em seu silêncio usual.
— Você sempre anda assim? Em silêncio? Parece um espírito amaldiçoado, soltou ela.
— Faz você falar o bastante por nós dois.
Ela bufou.
— Olha, Tanaka… ainda não engoli aquele dia na Floresta Elmar. Eu travo de medo, e você aparece e mata um Raksha como se estivesse colhendo flores.
Silêncio.
— Esses monstros não aparecem há séculos no continente. E você? Um plebeu sem linhagem, sem nobreza, com olhar de defunto... e mata aquilo com três golpes.
— Dois. O terceiro foi só para garantir.
Ela rosnou.
— Você é um... robô. Um robô cheio de segredos. E eu não confio em você.
— Então fique atrás de mim. Assim você não precisa.
A resposta seca travou Saori por dois segundos.
Mas o pior foi o que veio depois: ela lembrou. A imagem dele diante do Raksha. Os círculos mágicos girando ao redor do corpo. A espada envolta em mana. Os olhos ardendo com uma fúria que ela nunca tinha visto em ninguém. A precisão. O controle. O poder.
E o silêncio. Sempre o maldito silêncio.
Por que... aquilo foi tão legal?
Não. Não foi legal. Foi assustador. Foi... perigoso. E—
— Você tem sorte, ela disparou de repente. Nasceu com um talento absurdo.
— Não. Eu nasci sem nada. Eu construí tudo isso.
Ela riu, cínica.
— Ah, claro. O plebeu humilde e superpoderoso. Isso é coisa de novela.
Hiro parou. Se virou.
— Você pode continuar investigando. Ou pode tentar entender. Mas pare de projetar sua insegurança em mim.
Ela piscou.
— Insegurança?!
— Você travou. Eu finalizei. É só isso. Isso te incomoda mais do que deveria.
Silêncio.
Saori apertou os punhos.
Mas, no fundo... sabia que ele estava certo.
Do outro lado da Academia, no campo de treinos secundário, Sakura Minazuki finalizava uma sequência de iaijutsu quando ouviu a voz.
— Bonito golpe. Mas você ainda hesita antes de puxar. É quase poético.
Hikari von Richter.
Encostada na sombra de uma coluna, olhos negros como breu, braços cruzados. Observando como sempre. Julgando como sempre.
Sakura nem disfarçou a irritação.
— E você ainda aparece sem ser chamada. Como um veneno lento!
Hikari caminhou, com passos suaves e ameaçadores.
— Pensei que sua obsessão por superação te impediria de manter uma execução tão... imprecisa.
— E eu pensei que uma sem honra não teria tempo pra observar quem realmente treina.
Hikari sorriu, devagar. Um sorriso sem humor, apenas gélido.
— Você treina para que seu pai finalmente diga que está orgulhoso.
Sakura travou por meio segundo.
A lâmina tremeu em sua mão.
— Você não sabe nada sobre mim.
— Sei o suficiente.
As duas ficaram frente a frente, e o ar ao redor parecia prestes a estourar.
Sakura ativou uma fina camada de aura. Hikari respondeu com a própria — roxa, quase invisível, como névoa venenosa.
Um passo a mais e a luta começaria.
Mas então Hikari se afastou.
— Ainda não. Quero ver você quebrar um pouco mais.
E sumiu na sombra.
Sakura ficou ali. Sozinha.
Mas com os punhos cerrados e o coração fervendo.
Na floresta, Hiro e Saori chegavam ao centro das ruínas. Os cristais de mana estavam distorcendo o ar em ondas visuais.
Saori olhou para ele, mais uma vez.
Mas dessa vez, sem tanto veneno.
— ...Você nunca sorri, né?
— Não tenho motivo.
Ela desviou o olhar.
"Talvez um dia... eu faça você ter um."