A manhã seguinte trouxe um céu nublado e um vento frio.
Na sala da Classe Elite, Hiro Tanaka estava sentado em seu lugar, tão imperturbável quanto sempre. Como se o que acontecera na noite anterior — a chuva, o sangue nos punhos, as lágrimas silenciosas — tivesse sido um delírio coletivo.
Mas Yumi sabia que não fora.
Ela estava ali, do outro lado da sala, segurando seu grimório com as mãos trêmulas.
— Vai lá, sussurrou Mari, quase séria. — Ele pode não parecer, mas... ele precisa ouvir alguém.
Yumi assentiu, engolindo em seco. E caminhou.
Os passos dela pareceram ecoar em câmera lenta no chão de mármore.
Hiro não a olhou.
Ela parou ao lado da mesa dele, hesitante, depois se forçou a falar:
— H-Hiro...
Nada.
— Ontem... na chuva... você estava...
Ela sentiu a garganta apertar, mas não desistiu.
— Se... se estiver doendo ainda... se tiver algo que eu possa fazer... mesmo que seja só ouvir... eu... eu tô aqui, tá?
Hiro lentamente ergueu os olhos.
E por um instante, apenas um instante, ele a olhou como alguém quebrado olha para a luz que não consegue alcançar.
— ...Nem a sua cura conseguiria me curar, Yumi Kazehara.
A voz era calma.
Baixa.
Mas carregada de um peso sufocante.
Yumi ficou sem ar.
As palavras ecoaram na cabeça dela como um trovão silencioso.
"Nem a sua cura..."
— I-isso... não é verdade... ela tentou dizer, com a voz falhando.
— Sim, é, ele respondeu, simplesmente, voltando o olhar para o grimório.
— Então... o que sobrou de você...? sussurrou ela, quase inaudível.
Hiro não respondeu.
Mas aquele silêncio... era a resposta.
E Yumi chorou.
Sem escândalo. Sem drama.
Apenas lágrimas caindo, discretas, puras. De quem só queria poder tocar a dor de alguém e fazê-la desaparecer.
Mas essa dor... não se deixava tocar.
Saori, que estava observando, sentiu o peito doer.
Mais tarde, no dojo, Sakura treinava com sua odachi com a disciplina de sempre — mas o coração, esse estava inquieto.
Hiro apareceu, pegando uma espada de madeira.
Ela hesitou.
— Quer treinar comigo?
Ele assentiu.
Os golpes começaram. Técnicos. Mas sem alma.
Sakura observou os olhos dele.
Vazios.
Como na noite anterior.
— H-hiro, ela disse, entre uma troca de golpes, —você não precisa carregar tudo sozinho.
Ele bloqueou, contra-atacou.
Silêncio.
— Eu vi. Ontem.
Silêncio.
Ela arriscou mais uma pergunta:
— Foi... alguém? Você perdeu alguém?
Hiro respondeu num sussurro:
— Todo mundo.
Ela parou. O golpe dela vacilou.
Ele aproveitou, mas não atacou.
— Não sobrou ninguém, Sakura. Só eu.
Sakura apertou o cabo da espada com força.
— Então... deixa alguém ficar com você agora.
Hiro não respondeu.
Mas, pela primeira vez, ele hesitou.
Na biblioteca, Saori fingia ler.
As páginas passavam, mas ela não enxergava palavra alguma.
Tudo o que via era o rosto dele, imóvel na chuva.
As lágrimas.
O silêncio.
A frase.
"Nem a sua cura conseguiria me curar."
A respiração dela oscilava.
"Que tipo de dor... faz alguém falar assim?"
Ela fechou o livro com força e o empurrou para longe, irritada.
Mas a mana nas mãos dela tremia.
Instável.
Sensível.
Idiota...
— Por que você tem que carregar isso sozinho?
— Por que eu me importo tanto, caramba?
Ela levantou, saiu da biblioteca.
E não percebeu que estava... com vontade de ver ele.
Apenas ver.
Nem que fosse em silêncio.
Porque, pela primeira vez...
Ela também queria estar por perto.