Capítulo 77 – O Peso Que Ninguém Vê

A manhã seguinte trouxe um céu nublado e um vento frio.

Na sala da Classe Elite, Hiro Tanaka estava sentado em seu lugar, tão imperturbável quanto sempre. Como se o que acontecera na noite anterior — a chuva, o sangue nos punhos, as lágrimas silenciosas — tivesse sido um delírio coletivo.

Mas Yumi sabia que não fora.

Ela estava ali, do outro lado da sala, segurando seu grimório com as mãos trêmulas.

— Vai lá, sussurrou Mari, quase séria. — Ele pode não parecer, mas... ele precisa ouvir alguém.

Yumi assentiu, engolindo em seco. E caminhou.

Os passos dela pareceram ecoar em câmera lenta no chão de mármore.

Hiro não a olhou.

Ela parou ao lado da mesa dele, hesitante, depois se forçou a falar:

— H-Hiro...

Nada.

— Ontem... na chuva... você estava...

Ela sentiu a garganta apertar, mas não desistiu.

— Se... se estiver doendo ainda... se tiver algo que eu possa fazer... mesmo que seja só ouvir... eu... eu tô aqui, tá?

Hiro lentamente ergueu os olhos.

E por um instante, apenas um instante, ele a olhou como alguém quebrado olha para a luz que não consegue alcançar.

— ...Nem a sua cura conseguiria me curar, Yumi Kazehara.

A voz era calma.

Baixa.

Mas carregada de um peso sufocante.

Yumi ficou sem ar.

As palavras ecoaram na cabeça dela como um trovão silencioso.

"Nem a sua cura..."

— I-isso... não é verdade... ela tentou dizer, com a voz falhando.

— Sim, é, ele respondeu, simplesmente, voltando o olhar para o grimório.

— Então... o que sobrou de você...? sussurrou ela, quase inaudível.

Hiro não respondeu.

Mas aquele silêncio... era a resposta.

E Yumi chorou.

Sem escândalo. Sem drama.

Apenas lágrimas caindo, discretas, puras. De quem só queria poder tocar a dor de alguém e fazê-la desaparecer.

Mas essa dor... não se deixava tocar.

Saori, que estava observando, sentiu o peito doer.

Mais tarde, no dojo, Sakura treinava com sua odachi com a disciplina de sempre — mas o coração, esse estava inquieto.

Hiro apareceu, pegando uma espada de madeira.

Ela hesitou.

— Quer treinar comigo?

Ele assentiu.

Os golpes começaram. Técnicos. Mas sem alma.

Sakura observou os olhos dele.

Vazios.

Como na noite anterior.

— H-hiro, ela disse, entre uma troca de golpes, —você não precisa carregar tudo sozinho.

Ele bloqueou, contra-atacou.

Silêncio.

— Eu vi. Ontem.

Silêncio.

Ela arriscou mais uma pergunta:

— Foi... alguém? Você perdeu alguém?

Hiro respondeu num sussurro:

— Todo mundo.

Ela parou. O golpe dela vacilou.

Ele aproveitou, mas não atacou.

— Não sobrou ninguém, Sakura. Só eu.

Sakura apertou o cabo da espada com força.

— Então... deixa alguém ficar com você agora.

Hiro não respondeu.

Mas, pela primeira vez, ele hesitou.

Na biblioteca, Saori fingia ler.

As páginas passavam, mas ela não enxergava palavra alguma.

Tudo o que via era o rosto dele, imóvel na chuva.

As lágrimas.

O silêncio.

A frase.

"Nem a sua cura conseguiria me curar."

A respiração dela oscilava.

"Que tipo de dor... faz alguém falar assim?"

Ela fechou o livro com força e o empurrou para longe, irritada.

Mas a mana nas mãos dela tremia.

Instável.

Sensível.

Idiota...

— Por que você tem que carregar isso sozinho?

— Por que eu me importo tanto, caramba?

Ela levantou, saiu da biblioteca.

E não percebeu que estava... com vontade de ver ele.

Apenas ver.

Nem que fosse em silêncio.

Porque, pela primeira vez...

Ela também queria estar por perto.