Capítulo 84 – Dívidas e Feridas

O sol ainda nem havia nascido, mas Sakura Minazuki já estava de pé. O dojo da ala de combate estava vazio, exceto por ela.

A Nozarashi cortava o ar. Cada golpe, uma lembrança. Cada movimento, uma ferida que não cicatrizava.

Ela já havia perdido para Hikari duas vezes.

A primeira foi pública.

“Você não tem honra.”

Essa frase ainda queimava sua garganta. Maldita impulsividade. O que ela esperava dizer?

Hikari não respondeu com palavras. Ela respondeu com movimento.

A lâmina fria encostando na garganta.

A ausência completa de som. A explosão de velocidade.

A certeza de que, se Hikari quisesse, Sakura estaria morta.

A segunda derrota foi ainda pior.

Mais íntima. Numa noite silenciosa. Um duelo não oficial.

E mesmo ali, mesmo com aura e foco total… Hikari a leu como um livro aberto.

"Você pensa demais."

Ela ainda sentia a dor do golpe na lateral do corpo. De forma imaginária claro.

Mas pior que isso era a frustração. A humilhação.

E mesmo assim…

“Kazehara me curou sem fazer perguntas.”

Sakura baixou a espada, sentando no tatame.

Yumi havia sentido a dor por ela. Mesmo sem saber por quê Sakura estava ferida. Mesmo sem receber nada em troca.

"Ela sente a dor de tudo que cura..."

Sakura fechou os olhos.

— Que tipo de garota aceita isso? E sorri depois?

Mesmo que ambas estivessem apaixonadas pelo mesmo garoto, Sakura sentia uma dívida.

“Yumi Kazehara... você é gentil demais. Forte demais. E isso me enfraquece só de olhar.”

Ela ergueu a espada mais uma vez.

— …Mas da próxima vez, Hikari, não será tão fácil.

Do lado de fora da academia, Hiro Tanaka parou de andar abruptamente.

Seus olhos fixaram-se no vazio.

Um tremor sutil. Uma vibração imperceptível. Mas ele a reconhecia.

“Mana… voidborn.”

Ele fechou os olhos.

“Esses miseráveis… estão aqui?”

O vento soprou forte, como se quisesse levar a dúvida embora. Mas Hiro não esqueceu. O cheiro da desgraça era inconfundível.

Ele não viu nada. Não ouviu nada.

Mas sentiu.

E isso era o suficiente.

Do outro lado do campus, Saori Kurosawa parou diante de três figuras vestidas em trajes nobres.

Renji, Kaito e Ayaka Kurosawa — seus meio-irmãos.

Todos do terceiro círculo mágico. Todos com sorrisos tortos.

— Olha só… a bastarda da família resolveu aparecer.

Saori congelou.

Kaito se aproximou.

— Ainda fingindo que é uma de nós?

— A academia deve estar com critérios muito baixos ultimamente. — disse Renji, rindo.

Ayaka, com um olhar frio, completou:

— Espero que ao menos você saiba se ajoelhar quando perdemos a paciência.

Saori não respondeu. Mas suas mãos tremiam.

Foi então que uma voz masculina soou às costas do grupo.

— Chega.

Os irmãos viraram.

Hiro Tanaka caminhava em passos calmos, com as mãos nos bolsos e o olhar impassível.

— Parem de mexer com ela.

Renji arqueou a sobrancelha.

— E você é quem? De qual família nobre?

Kaito riu:

— Porque pra mim… parece só um plebeu.

Hiro encarou os três.

— Eu sou mesmo.

Silêncio.

Ayaka zombou:

— E ainda assim tem coragem de se meter?

Renji ergueu a mão, conjurou, e lançou ignis.

Hiro desviou sem esforço. Em um segundo, estava atrás dele.

Um chute seco na perna.

Um soco na costela.

Um giro com o antebraço — e Renji caiu no chão, sem ar, completamente desacordado.

Kaito e Ayaka congelaram.

— Levem ele. — disse Hiro, sem emoção.

Eles obedeceram, furiosos, mas silenciosos.

— Isso não vai ficar assim! — disse Ayaka, antes de sumir com os outros.

Hiro virou-se para Saori.

— Você está bem?

Ela ainda tremia. Mas seus olhos estavam fixos nele.

O mesmo garoto que matou um Raksha.

O mesmo garoto que enfrentou os filhos do duque como se fosse nada.

— E-eu… — ela começou, sem saber o que dizer.

O coração dela disparava.

Por quê?

Ela odiava plebeus. Não era isso que ela sempre dizia?

Então por que, vendo ele ali, protegendo-a… ela queria que ele ficasse?

— Obrigada, murmurou. — Idiota.

Hiro apenas assentiu.

— Se precisar… eu estarei por perto.

E foi embora, como se nada tivesse acontecido.

Saori tocou o próprio peito, irritada.

— Droga… por que meu coração está batendo assim…?

Ela olhou para o chão. E pensou em voz alta:

— Eu não… eu não gosto dele.

Mas o rosto dela dizia outra coisa.