Episódio 1

EPISÓDIO 1 — O DIA EM QUE ME VI NA TELEVISÃO

Narrado por Luna Vasconcellos

Me chamo Luna Vasconcellos. Nasci num hospital público do subúrbio, cresci num orfanato onde as paredes falavam mais do que as pessoas e, aos 17 anos, o mundo ainda não sabe que eu existo. Mas isso vai mudar. E tudo começou num sábado de sol queimando o chão, quando me vi pela primeira vez… na televisão.

O dia começou como qualquer outro. O despertador não tocou, porque eu não tenho um. Acordei com o barulho da feira sendo montada do lado de fora da minha janela. O cheiro de pastel e fumaça invadiu meu quartinho de parede rachada. Me levantei devagar, com o corpo ainda dolorido da noite anterior — eu tinha trabalhado lavando pratos num barzinho até quase meia-noite.

Coloquei meu vestido azul, o único que ainda serve. Prendi o cabelo num coque apressado, joguei meu violão remendado nas costas e desci as escadas correndo. A pensão onde eu moro é pequena, compartilhada com sete outras pessoas, mas todos sabem: sábado é o dia da Luna cantar na feira.

Me instalei perto da barraca da Dona Celina, como sempre. Ela me cumprimentou com um sorriso e me ofereceu um pastel, que aceitei com gratidão. Sentei no caixote de madeira que sempre uso de banco, respirei fundo e toquei os primeiros acordes da minha música mais especial: "Lua de Papel". A melodia encheu o ar, e as pessoas começaram a parar.

— Canta mais, Luna! — gritou Paulinho, o menino que vende água do outro lado.

— Essa música parece que veio do céu! — disse uma senhora com os olhos marejados.

Sorri, feliz por ver que a minha voz ainda tinha poder sobre os corações. Quando terminei, agradeci com um aceno de cabeça e juntei algumas moedas que jogaram no estojo aberto ao lado.

Foi aí que tudo mudou.

Paulinho veio correndo e me puxou pelo braço.

— Luna, olha lá! Rápido!

Segui seu dedo até a televisão enorme da loja de eletrônicos na esquina. E então vi… ela.

Uma garota estava saindo de uma limusine preta. Cabelo castanho claro igual ao meu, olhos do mesmo tom, o mesmo formato de rosto, o mesmo nariz. Ela era… eu. Ou, pelo menos, uma cópia perfeita.

“Melody Vasconcellos, a nova estrela da música teen!” dizia a manchete. A garota sorria para os fotógrafos, acenava para os fãs, usava um vestido branco de grife e joias que pareciam ter sido feitas para princesas.

Minhas pernas fraquejaram. O violão escorregou do meu colo e caiu no chão com um estrondo. Todos ao redor ficaram me olhando. Senti as bochechas queimarem. Meu coração batia tão rápido que parecia querer fugir de mim.

— Paulinho… — sussurrei — Essa menina…

— Ela é igualzinha a você, Luna.

Corri. Corri como se minhas perguntas pudessem me alcançar. Entrei na pensão, subi as escadas e me tranquei no meu quarto. Meu peito arfava. Peguei o celular velho que ganhei da Dona Celina no Natal e digitei o nome dela: “Melody Vasconcellos”.

Fotos, vídeos, capas de revista… ela era famosa. Rica. Linda. Aplaudida. Um fenômeno. E, o mais assustador, ela era igual a mim. Como isso é possível? Gêmeas? Impossível… ou seria?

Olhei para o espelho trincado na parede e repeti o nome dela:

— Melody Vasconcellos…

Meu sobrenome também é Vasconcellos. Será coincidência? Será que alguém me escondeu alguma verdade?

Comecei a vasculhar sites, matérias, entrevistas. Descobri que ela se apresentaria no Teatro São Valentim no dia seguinte, num show exclusivo. As entradas estavam quase esgotadas, mas eu daria um jeito. Nem que tivesse que lavar cem pratos em uma noite. Eu precisava vê-la com meus próprios olhos.

Antes de dormir, sentei no chão, abracei meu violão e comecei a escrever no meu caderno:

“Se eu tenho uma irmã, eu vou descobrir. Se me esconderam, eu vou gritar. Se ela for meu reflexo, então quero saber quem sou.”

Deitei no colchão fino, cobri-me com o lençol furado e encarei o teto escuro. Pela primeira vez, o silêncio me pareceu cheio de promessas. Lá fora, a lua brilhava. Aqui dentro, uma nova Luna estava nascendo.

Fechei os olhos, sussurrando para mim mesma:

— Amanhã eu vou descobrir a verdade. Nem que ela mude tudo.