Cap. 1 - O Término

A noite recortava as fachadas elegantes das casas, faróis alisando a pele da rua úmida.

O vento passeava rápido pelo opulento carro conversível de Daniel, mas Sophie, no banco do passageiro, mal sentia o ar.

Segurava a bolsa apertada contra o ventre, como quem carrega um segredo frágil ou um pedaço de esperança tentando não desmanchar.

Tinha passado o dia todo ensaiando a melhor maneira para contar aquilo.

No entanto, chegada a hora, ela falhou…

Faltava ar, faltavam palavras, tudo!

— Daniel... — hesitou, buscando a coragem que parecia escorregar a cada palavra.

Ele dirigia devagar, distraído, a boca meio contraída numa linha que já fora sorriso.

Ela olhou de lado, os olhos molhados antes mesmo do anúncio.

— Eu preciso que você escute, só escutar, não precisa dizer nada agora.

Ele continuou com o olhar preso à estrada, os dedos batucando distraídos no volante, impassível.

— Eu... — Sophie respirou fundo, tateando cada sílaba — Eu estou grávida.

O carro pareceu desacelerar ainda mais.

Por um instante, Daniel não respondeu.

O rádio, baixinho, tocava alguma coisa sem importância, mas o silêncio engoliu tudo.

Ele puxou o canto da boca, quase um riso, mas não era humor.

— Grávida? — Daniel repetiu, como se experimentasse a palavra na língua. — Isso acontece, você sabe como é, quando você não toma pílula direito… — falou, suave, sem olhar para ela.

— É seu, Daniel. Só pode ser seu…

Ele finalmente se voltou para Sophie. Os olhos, frios, demoraram-se no rosto dela como quem avalia um objeto antes de devolver à prateleira.

— Achei que você entendesse como as coisas funcionam por aqui, gata — disse, a voz baixa, mas cortante. — Não faz sentido complicar uma coisa tão simples, você sabe não é? Não é o tipo de lembrança que eu gostaria de guardar deste caso que estamos tendo.

Caso que estavam tendo? Então para Daniel, todas as noites juntos, as conversas até alta madrugada, os fins de semana na praia… tudo isso não valia nada? Poderia ser resumido a somente um caso qualquer?

Não, não era possível. Sophie não queria acreditar, não queria aceitar que ele estivesse agindo assim.

Estendeu a mão, trêmula, encostando de leve no braço dele, buscando uma reação mais humana.

— Eu não quero te prender, não quero nada de você... só achei que devia saber.

— Então, beleza, agora eu já sei — ele cortou, afastando-se do toque. — E acho que é melhor você manter esta história de gravidez em segredo, porque eu não estou em condições de me complicar agora, ainda mais por isso…

Sophie respirou fundo, o peito ardendo. Sentiu a raiva subir, quente, quase um impulso cego.

Com a mão trêmula, tentou segurar o braço dele de novo, mas dessa vez não pediu nada; quis apenas forçá-lo a encará-la.

— Você é um covarde, Daniel — disse com a voz rouca presa na garganta. — Eu não sou lixo, não sou descartável como você está pensando! Olha pra mim! Olha pra mim!

Daniel riu de leve, um som breve, enjoado.

— Não faz cena, Sophie. Você não vai conseguir nada com isso, nem pena e muito menos que eu assuma seu erro. Cresce!

Ela sentiu o gosto amargo da decepção subir até a boca.

O impulso veio: o braço levantado, um tapa rápido, quase automático, atingindo o rosto dele de leve. Não era força, era desespero, uma tentativa de acordá-lo do papel que ele insistia em vestir.

— Você não vai fugir assim. — As palavras saíram num sussurro tenso, quase uma súplica, quase uma ameaça.

Ele parou o carro bruscamente. O cinto puxou o corpo dela para trás. Daniel virou-se, olhos gelados, sem nem disfarçar o desprezo.

— Você enlouqueceu? — Agora sim, o tom endureceu. — Quer bancar a doida aqui, na rua, com gente passando?

— Eu quero que você escute, só isso! Eu não vou sumir, Daniel! Não vou desaparecer só porque você quer. E não vou…

Antes que terminasse, ele segurou o braço dela com força, os dedos machucando.

— Chega — disse, entredentes. — Desce do carro.

Ela resistiu, tentou puxar o braço, os olhos marejados de orgulho e medo.

— Não, você não vai me deixar assim, Daniel. Você não pode…

— Não posso? — Ele abriu a porta do lado dela com um empurrão seco. — Vê se aprende, Sophie. — E tem mais uma coisa: se você vier atrás de mim pra me cobrar algo, eu te mato e mato essa criança, tá me ouvindo? EU MATO VOCÊS DOIS!

Daniel a empurrou e Sophie caiu. Com o impacto, ela sentiu o asfalto frio mordendo sua pele, a bolsa escorregando, espalhando carteira, estojo de maquiagem, celular e tudo que tinha dentro pela rua.

Ela ouviu, entre o barulho do próprio corpo no chão, o motor arrancando, os pneus cantando na arrancada brusca do conversível e o mundo à sua volta engolindo impiedosamente.

Era isso. O começo do fim.