Cap. 2 - Pacto de Sobrevivência

No hospital, a claridade atravessava as persianas e desenhava retângulos pálidos no chão.

Sophie, deitada na maca, esfregava as mãos uma na outra, como se pudesse apagar o frio que sentia por dentro.

As escoriações do asfalto ardiam, mas era o medo que mais doía.

Emily entrou apressada, jaleco sobre a roupa simples, olhar de quem já viu muita coisa; mas que nunca se acostumaria, em cenário nenhum, com o sofrimento da própria irmã.

Ela se sentou ao lado de Sophie e passou o braço pelos ombros dela, analisando os machucados com olhos técnicos.

— Sophie, o que aconteceu foi grave. — O tom era de médica, mas o olhar era de irmã. — Eu preciso saber se ele pode te procurar, se você acha que você e o bebê correm perigo de verdade.

— Depois do que aconteceu hoje, eu não sei mais do que ele é capaz… — Sophie engoliu em seco. — Ele me jogou do carro, Emily… Eu estou tão assustada! E se ele quiser… Eu pensei em ir à polícia… Mas lembra da Janet, minha ex-colega de faculdade? O ex dela invadiu a casa dela mesmo depois da medida protetiva. A polícia só apareceu quando já era tarde demais.

— Sophie… Eu sou médica… Mesmo trabalhando no setor de pesquisa clínica, eu vejo isso o tempo todo: mulher denuncia, a polícia até faz um boletim, mas depois? O agressor sempre acha um jeito. E o Daniel não é qualquer um, ele tem dinheiro, conhece gente importante, pode pagar para sumir com qualquer prova, pra mudar depoimento de testemunha.

Sophie assentiu, segurando firme as mãos de Emily, totalmente assustada.

— Então é o seguinte — Emily continou, agora, numa objetividade delicada: — Você vai sair daqui comigo e vai pra minha casa, no Queens. Lá ninguém vai te encontrar.

— E se ele procurar? Ou se descobrir?

— Ele não vai saber que você ainda está grávida, se ele te procurar, diz que você perdeu o bebê depois que caiu do carro… Você vai ficar dentro de casa, sem se expor. Nada de sair na rua, nada de contato com conhecidos… a gente vai ter que esconder você até essa criança nascer. Eu tenho uma amiga obstetra, ela me ajuda com o parto caseiro.

Sophie respirou fundo, tentando assimilar. Emily continuou, com tom decidido:

— Eu vou assumir essa gravidez como se fosse minha. Brian está trabalhando embarcado no cruzeiro, só volta daqui a um ano. Vou mandar uma mensagem dizendo que, depois que ele embarcou, descobri que estava grávida e a criança já vai ter nascido quando ele voltar. Quando o bebê nascer, registro como nosso. Ele vai entender, e até lá, ninguém desconfiará de nada.

— Você tem certeza que isso vai dar certo?

— É a única saída pra manter você e seu filho a salvo. Sophie, eu faço um atestado, sumo com o prontuário se for preciso. Ninguém vai saber que você ainda está grávida. Você fica na minha casa, eu invento o que for necessário. — Emily olhou nos olhos da irmã, séria: — Mas você tem que prometer que vai ficar longe das ruas, sem contato com ninguém, até tudo passar.

Sophie assentiu, resignada.

— Eu ia fazer o teste pro musical semana que vem… Era meu sonho.

— Outras oportunidades virão. Agora, seu sonho é sobreviver — disse Emily, firme. — Eu não vou arriscar. Se ele teve coragem de te jogar pra fora de um carro, grávida, pode fazer ainda pior.

Sophie segurou forte as mãos da irmã, os olhos brilhando de gratidão.

— Obrigada, Emily. Eu não teria ninguém sem você.

Emily a abraçou, selando o pacto entre irmãs, o pacto da sobrevivência.