O estacionamento estava coberto por uma luz oblíqua de fim de noite, dessas que parecem lamber o cimento com dedos longos e indiferentes. Entre carros de luxo e uma fileira de árvores jovens, Sam parou diante de Daniel, o sangue se agitando debaixo da pele, aquela urgência que só quem já amou em segredo entende. O ar era frio e úmido, um cheiro de gasolina e pinheiros cortando os pensamentos, misturando-se à tensão de tudo o que ainda precisava ser dito.
Sam vinha de dias sem dormir, os olhos abertos na madrugada, repassando cenas, diálogos, futuros possíveis. Por fim, ali estava ele, segurando o próprio corpo como se pudesse evitar o tremor. Daniel o esperava, encostado no próprio carro, exibindo aquela arrogância tão bem polida quanto a lataria do esportivo alemão.
— Então é isso? — Sam falou primeiro, a voz arranhando a garganta. — Vai fingir que não sabe de nada? Vai seguir sua vida enquanto a Sophie se vira sozinha?
Daniel estalou a língua, jogando as chaves do carro de uma mão pra outra. Nem se dignou a encarar Sam de imediato.
— Você tá mesmo me dizendo que veio aqui pra bancar o justiceiro? — A risada foi seca, um sopro de escárnio. — Vai dizer que agora resolveu assumir o filho da sua amiguinha? Ou vai dizer que quer assumir como seu porque agora sabe que eu sou o pai e quer ter uma lembrança minha sempre perto de você?
O rosto de Sam se acendeu de raiva, mas era um fogo úmido, alimentado mais por mágoa do que por coragem. Ele aproximou-se mais, sentindo a própria sombra tremer no chão.
— Eu só quero que você faça o mínimo, que não seja covarde, que não fuja do que você fez. Não tô aqui por mim — a voz saiu trêmula, mas firme —, tô aqui pelo bebê que vai nascer. Que é seu, você querendo ou não!
Daniel soltou uma gargalhada breve, o sorriso rasgando a noite. Por um momento, os olhos dele dançaram de um jeito cruel, como se tentassem encontrar o ponto exato para ferir.
— Você é mesmo muito ingênuo, cara. Achou que a gente tava vivendo o quê? Um romance secreto? Que eu ia largar tudo, minha vida, por causa de você? Olha pra você. Você nunca passou de diversão, uma brotheragem quando eu estava entediado.
Sam sentiu o golpe, mas não recuou e prosseguiu:
— Eu nunca te cobrei nada e nem te pedi nada! Eu fiquei em choque quando eu soube que você é o pai do filho dela, mas...
— Meu filho, coisa nenhuma! — Daniel avançou, de repente, o rosto próximo demais, o hálito quente e ácido. — Para de repetir essa história! Você deve estar doido achando que eu sou igual a você, que eu vou assumir alguma coisa — fez um gesto vago com a mão, os olhos queimando —, eu não sou viado igual você! O que aconteceu entre a gente morreu. Aliás, era isso que você queria ouvir? Que você não significa nada pra mim? Então pronto, ouviu.
O silêncio caiu entre os dois, apenas o ronco distante de outro motor preenchendo o vazio.
— Só espero — Sam recomeçou, agora mais baixo, a voz quase se partindo —, só espero que, pelo menos, você tenha coragem de não fugir quando a verdade aparecer…
Foi então que o soco veio. Rápido, certeiro, o punho de Daniel abrindo caminho no rosto de Sam, que cambaleou, caiu de joelhos, o asfalto rasgando a pele da palma. O gosto metálico de sangue escorreu pela boca. Daniel nem hesitou, a voz agora um sussurro selvagem:
— Se você ou aquela vaca vierem atrás de mim, se me expuserem, eu mato vocês dois. E mato essa criança também, entendeu? Some daqui, viadinho de merda. Some da minha vida.
Daniel girou nos próprios calcanhares, a respiração arfando entre dentes, e entrou no carro. O motor despertou num sobressalto, um rugido grosso rasgando o silêncio da noite vazia. Sam, ainda de joelhos, mal teve tempo de limpar o sangue que escorria do lábio, só conseguiu assistir, impotente, enquanto Daniel fugia cantando pneus.