ALGUNS MESES DEPOIS…
O hospital, àquela hora, parecia suspenso num silêncio frio, que só os corredores iluminados por luz branca conseguem inventar. Era fim de madrugada; as horas em que, se olhadas de lado, parecem sempre prometer alguma coisa irremediável. O cheiro de desinfetante e café velho pairava no ar, misturando-se ao som esparso de um elevador distante, a uma tosse solitária, aos suspiros de quem aguarda notícias que nunca são boas.
Emily encontrou Sam no corredor, sentado, os cotovelos apoiados nas pernas, com o rosto escondido nas mãos. Parecia pequeno, menino ainda, embora já fosse um homem feito, no auge dos seus 24 anos, seu corpo musculoso se encolhia em sofrimento. O choro era mudo, mas inundava tudo ao redor, como água transbordando sob uma porta fechada.
— Sam… — Emily pousou a mão no ombro dele, firme, mas com uma delicadeza que só a experiência do luto ensina. Ele ergueu o rosto devagar, olhos vermelhos, as pálpebras grossas, o ar de quem, por horas, esqueceu de respirar.
— Você já sabe, não é? — A voz de Sam saiu entrecortada, quase infantil. — Sophie… ela…
Emily se sentou ao lado dele, o jaleco de pesquisadora jogado sobre a roupa sóbria, a caneta presa no bolso, os cabelos presos às pressas.
— Eu estava no laboratório quando soube. Vim assim que pude. Sinto muito, Sam, muito mesmo.
O silêncio entre eles ficou denso, feito lençol úmido. Sam se permitiu chorar um pouco mais, o rosto afundado nas mãos.
— Eu tinha todos os motivos do mundo para odiar a Sophie, sabe? — A voz dele era baixa, afogada. — Ela ia me fazer assumir a paternidade do filho do Daniel, do meu… namorado, com quem ela me traiu. E, mesmo assim, agora… não sobra espaço para ódio nenhum. Só dói. Só dói de um jeito que eu não consigo nem nomear.
Emily respirou fundo, buscando a pragmática dentro de si.
— Falando em Daniel… Você tem tido notícias dele?
Sam soltou um riso rouco, sem humor.
— De vez em quando ele me manda mensagens. Coisas horríveis. Diz que, se eu ou Sophie fôssemos atrás dele, seria o fim pra nós dois. Agora, com a Sophie morta, eu fico pensando… Se ele descobre que tem um filho, do que ele seria capaz?
— Por que você não procura a polícia, Sam?
— E adiantaria? — O olhar dele era o de quem já sabia as respostas. — Daniel é rico, poderoso. Lembra da Janet, minha colega da faculdade? Ela pediu medida protetiva, e negaram. O namorado era de família grande, cheia de contatos. O caso dela acabou do pior jeito possível.
Emily ficou em silêncio, absorta, olhando o chão por um momento. Depois, ergueu o olhar e falou com a precisão de quem tomou uma decisão há muito tempo:
— Brian está trabalhando embarcado em um cruzeiro pela Europa, vai voltar só daqui a meses. O que você acha de deixarmos que o mundo acredite que o bebê é meu? Digo a Brian que descobri a gravidez logo depois que ele embarcou, quando ele voltar, a criança já vai estar aqui, como se fosse minha! Eu faço a papelada, ajusto o prontuário, ninguém vai desconfiar. O Daniel não vai saber que o filho dele está vivo… Faço parecer que a criança morreu junto com a Sophie.
Sam ficou imóvel, tentando entender se aquilo era mesmo possível. A esperança é uma coisa silenciosa, vai chegando de mansinho, quase sempre depois da tragédia. Ele enxugou o rosto com as costas da mão, os olhos de quem já viu demais.
— Você faria isso… por mim? Por ele?
Emily sorriu, cansada, o rosto iluminado por uma ternura antiga.
— Por vocês dois, por nós. Porque agora, mais do que nunca, a gente precisa um do outro. E porque, se não formos nós, ninguém vai proteger esta criança.
Eles se abraçaram ali mesmo, no corredor deserto, cúmplices do pacto de sobrevivência. O luto se alargou entre eles, mas, naquela madrugada sem consolo, restava a promessa de não desistir. O resto era só silêncio e o rumor baixo dos passos do hospital.