Cap. 3 - Medidas Desesperadas

O tempo passou na casa de Emily como quem atravessa uma ponte no nevoeiro: os dias se encadearam silenciosos, as rotinas pequenas e as tarefas diárias se transformaram no abrigo possível. No papel, Lucas era o filho de Emily e Brian, irmão da pequena Lily. Na prática, era o legado mais frágil de Sophie, um pedaço de esperança cuidadosamente escondido do mundo e, principalmente, do olhar de Daniel.

Brian, sempre bondoso, nunca desconfiou da verdade — tratou Lucas como sangue do próprio sangue, embalando o menino nas madrugadas de febre e nos aniversários improvisados, lado a lado com Lily, que assumiu desde cedo o papel de irmã mais velha. Emily manipulou todos os papéis com a precisão de quem faz ciência e magia: o registro, o prontuário, a história que contava aos vizinhos. O segredo da adoção pairava sobre a casa como uma segunda pele, silenciosa e protetora.

Desde pequeno, Lucas se mostrou uma criança diferente. Havia algo de inquieto no olhar, mas principalmente uma fragilidade nos ossos, uma palidez que não cedia ao tempo nem aos cuidados. As gripes vinham e iam como tempestades fora de época; as febres surgiam do nada e demoravam a ir embora, arrancando noites de sono e esperança.

Quando Lucas completou quatro anos, Emily e Sam o levaram ao hospital para mais uma bateria de exames. O diagnóstico veio como um raio limpo na escuridão: imunodeficiência primária, uma dessas doenças raras que tornam qualquer resfriado uma ameaça, cada febre, um abismo. Emily ouviu as explicações da médica, as estatísticas, os protocolos de tratamento. Sam ficou calado, apenas segurando a mão do menino e tentando sorrir.

Do lado de fora do consultório, o hospital parecia um lugar ainda mais frio — e Sam, por um instante, sentiu o peso de todas as escolhas, das mentiras, do luto que nunca foi digerido. Emily prometeu tentar inscrever Lucas em algum estudo experimental do hospital, mas até lá seriam necessários remédios caros, internações constantes, exames sem fim. “Vamos dar um jeito”, disse, mas o cansaço em seus olhos denunciava a dimensão do desafio.

À noite, sozinho, Sam atravessou a cidade até a agência de Victor DeLuca. O prédio cheirava a perfume caro e ambição sombria. Ele se sentou diante do empresário, exausto mas decidido.

— Eu aceito — disse, sem rodeios. — Só como acompanhante mesmo. Pode me vender como personal friend, filho, noivo de fachada. Para festas, eventos, viagens. Nada de sexo. Só fachada. Pode anunciar do jeito que achar melhor, Victor, eu estou disponível para tudo.

Victor sorriu, avaliando-o com um misto de cinismo e respeito, o tipo de olhar que pesa segredos e oportunidades. Sam sustentou o olhar, deixando para trás o último resto de orgulho: agora era a saúde de Lucas que importava, só isso.

Durante as semanas seguintes, Sam vestiu uma máscara diferente a cada evento. Roupas elegantes, sorrisos ensaiados, o nome falsificado nos convites. Cada noite, um papel diferente. E no fim, um depósito na conta, um remédio novo na gaveta de Lucas, uma semana a mais de segurança em casa.