O grito agudo de uma senhora cortou o burburinho do iate. Um garçom deixou cair uma bandeja; taças se estilhaçaram. Sam, no impulso, correu até a amurada com o coração disparando, o blazer salpicado por gotas de suor frio. Só viu o redemoinho fechando onde, segundos antes, Alex Grant tinha caído em um baque molhado.
No convés, o mundo pareceu congelar: os convidados saíram da cabine, se amontoando ao longo da amurada, o vento prendendo a respiração coletiva do iate, todos pegos de surpresa, todos sem saber o que fazer.
Sem pensar, Sam tirou o balzer e pulou na água, rasgando a superfície fria com um choque de adrenalina. Nadou com força, sentindo os músculos cada vez mais tensos, as roupas pesando e colando ao corpo, mas nada disso importava quando havia uma vida em jogo. Lá embaixo, entre reflexos distorcidos de luz e sombra, encontrou Alex submerso, braços abertos, os cabelos negros flutuando como algas.
Sam agarrou Alex, puxando-o para cima, exatamente no instante em que duas boias salva-vidas caíram ao lado deles, lançadas por mãos apressadas no barco. O salva-vidas profissional já mergulhava, alcançando-os enquanto Sam mantinha Alex à tona; os dois boiando precariamente, segurando-se entre o cheiro de gasolina, o sal e o pânico.
Sam, Alex e o salva-vidas foram içados de volta ao deck. O rosto de Alex era uma máscara débil e pálida, A multidão murmurava, alguns filmavam, outros se torciam em silêncio, o pânico e o constrangimento estampados em cada expressão.
Sam, sem hesitar, ajoelhou-se ao lado de Alex. Com os cabelos grudados na testa e a respiração ofegante, ele iniciou a reanimação boca a boca. O tempo pareceu dobrar sobre si mesmo — o jazz agora emudecido, só o som do mar ao redor — até que Alex tossiu forte, cuspindo a água que tinha engolido, engasgando, sua vida voltando aos espasmos. Um alívio difuso percorreu todo o iate.
Antes mesmo que o silêncio coletivo se dissipasse, Alex, ainda ofegante, empurrou Sam de lado e tentou se ficar em pé, com o peito ainda arfando. Levantou-se devagar, com o auxílio de um tripulante, e lançou o olhar gelado sobre o grupo de convidados.
Alex fixou o olhar em um dos homens que guardava discretamente o celular, como se cada palavra pesasse toneladas.
— Se alguém abrir a boca sobre isso, especialmente para Verônica, ou para a imprensa, se uma vírgula sequer desse episódio vazar, eu mesmo vou resolver. E garanto que não vai ser agradável pra ninguém.
O comando da sua voz fez calar até o barulho do vento.
— Vocês foram convidados para um evento privado, em águas privadas. O que aconteceu aqui morre aqui.
Houve um suspiro coletivo. Os celulares sumiram discretamente nos bolsos e bolsas.
Ninguém mais arriscou sequer um olhar para Sam, que ajudava Alex a se erguer por completo, o braço dele pesado sobre seus ombros.
Um tripulante abriu caminho, e juntos — Sophie, Alex e o marinheiro — seguiram rumo à suíte principal do iate, os passos ecoando no piso de madeira encerada, enquanto, atrás deles, os convidados se olhavam, mudos, presos entre o medo, o fascínio e o constrangimento de terem presenciado o naufrágio de uma reputação.
Na porta da suíte, Alex hesitou, voltando-se para Sam:
— Obrigado.
Sam, enxugando a testa com o lenço de papel, não respondeu à gentileza.
— O que foi aquilo, hein? — disparou, a voz baixa, carregada de raiva e medo. — Você não pensou em mais ninguém além de você? Se eu não soubesse nadar, você me teria me arrastado junto! E se não tivessem testemunhas? Você tem noção de que eu seria acusado de ter empurrado você, um ricaço, no mar?
Alex tentou sorrir, mas a boca tremeu.
— Eu... Me desculpa. Eu só... Eu estou sofrendo demais, cara. Não sabia mais como continuar...
— Sofrendo? — ela riu, mas era um som amargo. — Você é milionário, Alex. Não sabe o que é sofrer. Sabe o que é precisar se vender, se humilhar, fazer de tudo para conseguir pagar o tratamento do próprio filho? Não sabe o que é ver seu menino sendo criado pela própria irmã porque você não pode nem assumir a paternidade, com medo do pai dele, um homem perigoso, fazer alguma coisa horrível com a criança. Isso é sofrer, Alex.
O silêncio se alongou, o iate balançando levemente, a respiração ofegante dos dois preenchendo o espaço.
Alex fechou os olhos, assimilando as palavras. Depois, respondeu quase num sussurro:
— Sua irmã está fingindo que seu filho é dela?
Sam assentiu, exausto.
Ele permaneceu alguns segundos quieto, os olhos fixos no teto, como se pensasse em algo a respeito daquela conversa. Sam preencheu o silêncio parado próximo à janela da suíte, observando o mar anoitecendo do lado de fora, sentindo-se cansado e irritado com tudo aquilo.
Finalmente, Alex cortou o silêncio, como se um pensamento repentino o puxasse de volta ao presente.
— E se... E se você fingisse que é meu filho fora do casamento? Um filho de algum caso meu, uma relação extraconjugal… Só para eu me vingar da minha mulher, devolver a ela um pouco do sofrimento que me causou. Eu pago muito bem, Sam. O suficiente para você bancar o tratamento do seu filho — a voz agora sóbria, carregada de promessa —, e você apenas se faz passar por meu filho bastante. Um filho de aluguel, vamos chamar assim.
Sam voltou-se novamente para Alex, permanecendo imóvel por um instante enquanto o peso da proposta pairava sobre os dois ali naquela suíte luxuosa.
Aceitar aquela proposta significava vender não só sua presença, mas sua identidade. E o preço do sacrifício era impossível de prever.