A Caverna Que Não Está em Mapa Nenhum

O silêncio após a morte do Oremon sintético pairava como poeira fina nas narinas de todos. Ninguém falava. Ferromir flutuava baixo, oscilando em um ritmo lento, como se tentasse se recompor das vibrações que o haviam ferido. O grupo precisava se mover, mas algo invisível os prendia ao chão. Um tipo de peso que não vinha de cima — vinha de dentro.

Solva foi a primeira a se erguer. Passou os dedos pela rocha onde o Oremon havia colapsado e sussurrou algo em uma língua que nenhum deles conhecia. Era como uma oração para uma pedra que não devia ter nascido. Nara segurava o mapa, mas estava em branco. Não queimava. Não pulsava. Não indicava nada.

— O próximo ponto… — murmurou, ainda tentando compreender — …não está aqui.

Kael caminhou até ela.

— O que você quer dizer?

— Digo que não está em lugar algum. Ou… não está em lugar algum que os mapas reconheçam.

Tragg estalou os dedos cobertos por musgo mineral. — Há uma lenda entre os seladores antigos. Falava-se de uma caverna que só pode ser encontrada por quem não a procura.

— Uma metáfora? — perguntou Mirkon.

— Ou uma maldição. — respondeu Solva. — Alguns chamavam de Berço Sem Eixo.

As palavras ficaram no ar, e, ao serem pronunciadas, algo pareceu acontecer. O mapa queimou em pontos aleatórios. Linhas cruzaram a pele de Nara. Uma espiral, uma runa, um nome que Kael nunca tinha visto, mas sentia que era dele.

— Essa caverna… — murmurou Kael — ela está chamando?

Solva tocou o chão. — Não. Ela está ouvindo.

E sem mais uma palavra, começou a andar. Como se seguisse um som subterrâneo que apenas ela escutava. O grupo hesitou, mas a seguiram. Mirkon resmungou, mas manteve-se perto. Nara ainda consultava o mapa sem rumo, e Tragg caminhava atrás, olhos atentos às sombras.

Caminharam por túneis que não constavam em registros. A rocha era diferente — escura, não por ausência de luz, mas por uma recusa de refletir qualquer coisa. O ar mudava de densidade a cada curva. As pedras se apertavam nas laterais como costelas em um corpo que respirava.

— Estamos dentro de algo… vivo? — Kael perguntou em voz baixa.

— Sim. — disse Solva sem hesitar. — Isso não é uma caverna. É uma memória geológica que decidiu não ser esquecida.

Ao dizer isso, a trilha se abriu. Um salão oculto, de teto tão alto que se perdia na escuridão líquida, surgiu diante deles. No centro, um lago mineral negro como obsidiana fervente — mas não exalava calor. Era frio como morte antiga. Havia plataformas flutuando. Sobre cada uma, pedaços de armaduras, mapas fossilizados, núcleos partidos. Um altar central continha um único objeto: uma máscara quebrada, feita de rocha translúcida e viva.

Kael sentiu o peso daquela máscara no próprio rosto, mesmo sem tocá-la.

— Aqui… foi onde eles decidiram que selar era melhor do que dialogar. — disse Tragg.

Nara se aproximou do altar. Seus dedos tremiam.

— Eu conheço essa máscara. Meu pai desenhava ela nas margens dos mapas. Ele dizia que era a face da culpa.

— Era usada pelos primeiros seladores. — completou Tragg. — Eles vestiam-na quando iam para as câmaras finais. Quando selavam os Heroicos.

Kael sentiu uma vertigem. O âmbar em sua mochila reaqueceu. Sentiu algo em sua mente queimar — um nome, uma lembrança que não era sua, mas pulsava forte demais para ser ignorada.

— Eu já estive aqui. — murmurou.

— Não. — disse Solva, com a voz trêmula. — Você nasceu aqui.

Todos se voltaram para ela. Kael ficou imóvel. O silêncio da caverna intensificou-se como um vácuo.

Solva andou até o altar. Colocou a mão sobre a máscara.

— Isso aqui não é apenas um santuário… é um útero. Aqui, onde o mundo tentou parir algo que não devia existir. Algo entre memória e carne. Um elo que não se alinhou… e então foi deixado.

Ela olhou para Kael.

— Você não foi apenas encontrado. Você foi deixado. Porque não havia mapa para te levar de volta.

Kael caiu de joelhos. As pedras ao redor começaram a vibrar levemente. O lago negro brilhou por um instante com um tom âmbar. Era como se o mundo, por um breve momento, respirasse com ele.

Nara se aproximou e colocou uma mão em seu ombro.

— Nós estamos aqui agora. E se não houver mapa, a gente escreve um.

Kael não respondeu. Mas, pela primeira vez, as marcas em seu rosto ficaram em silêncio. E talvez, naquele instante, isso fosse tudo o que ele precisava.