Marcha de Silício

As pedras não ecoavam mais como antes. O chão parecia conter o som, absorver os passos como se quisesse proteger quem caminhava sobre ele. Mas o silêncio era ilusório. O perigo vinha não do barulho — e sim da ausência dele.

Eles avançavam por uma galeria antiga, aberta por mineradores há gerações. Trilhos abandonados riscavam o solo, e as paredes estavam marcadas com sinais de extração primitiva. Havia restos de barris, cabos corroídos, e inscrições feitas à mão — despedidas escritas a carvão, rabiscos desesperados deixados por aqueles que sabiam que não voltariam.

Mirkon seguia à frente, com Ferromir levitando ao seu lado, os olhos rubros girando como bússolas nervosas. Nara vinha logo atrás, mapa parcialmente iluminado por um dos núcleos que Solva havia despertado. Kael sentia o âmbar pesar mais do que antes — não por seu volume, mas pela vibração constante. Aquilo que havia despertado dentro dele não voltara a dormir.

— Está vindo. — sussurrou Solva, parando abruptamente.

Kael virou-se. — Quem?

Ela não respondeu. Apenas apontou para o chão.

Fendas começaram a se abrir. Primeiro como rachaduras tímidas. Depois, como cicatrizes em carne viva. Um zumbido preencheu o ambiente, agudo e quase imperceptível, mas presente o suficiente para fazer o estômago revirar. Ferromir parou. Suas placas começaram a girar de forma errática.

Do fundo da galeria, algo emergiu. Primeiro vieram as pernas — finas, segmentadas, feitas de um silício negro opaco que lembrava vidro prestes a estilhaçar. Depois, o corpo, composto por placas sobrepostas, cada uma com uma runa da Corporação incinerada em sua superfície.

Era um Oremon.

Mas não como os outros.

— É… sintético. — murmurou Mirkon, sacando seu bastão magnético.

Tragg deu um passo à frente. — Isso não é só sintético. Isso foi fabricado para matar.

O Oremon de silício avançou com movimentos deslizantes, emitindo sons de arranhar lâminas. Ele não rugia. Não ameaçava. Apenas se aproximava como uma sentença inevitável.

Ferromir atacou primeiro, mas foi repelido com um único giro do adversário, que emitiu uma onda vibracional invisível. Mirkon gritou, caiu de joelhos, sangrando pelo nariz. O som… não era som. Era frequência bruta.

Nara correu para protegê-lo. Solva recitou frases fragmentadas, tentando acalmar as pedras, mas elas estavam mudas. O Oremon avançava sobre Kael agora, o foco de sua energia.

Kael ficou parado. Não por medo. Mas porque algo nele se alinhava.

O Oremon parou a um passo dele. O núcleo que carregava — um prisma escuro dentro da cavidade do peito — pulsava em agonia. Era um núcleo Heroico… corrompido até a medula.

— Você sente, não sente? — sussurrou Kael.

E naquele instante, sua marca brilhou. Os diamantes em seu rosto queimaram com uma luz opaca, e o âmbar explodiu em calor.

O Oremon recuou, os movimentos travados. Ele não atacava. Tremia. Como se reconhecesse algo.

Kael estendeu a mão.

— Você… era algo antes, não era?

Por um segundo, só um, os olhos de silício tremeram. Uma imagem piscou na mente de Kael: uma formação antiga, um guardião mineral, muito antes da Corporação. A criatura à sua frente não nascera de fábrica — fora transformada à força.

— Eles te quebraram. — murmurou Kael. — E você… ainda lembra.

O núcleo do Oremon brilhou. Depois, partiu-se. Em silêncio. Como quem escolhe morrer.

A criatura colapsou sem ruído, desfeita em poeira de vidro. Kael caiu de joelhos. O âmbar em sua mochila estava morno agora — mas uma nova memória havia sido impressa nele.

Solva o alcançou, ofegante.

— O que você fez?

Kael não respondeu de imediato. Ele encarava o chão.

— Eu não fiz nada. Ele se viu em mim… e se recusou a continuar.

Tragg abaixou-se ao lado dele.

— Você emitiu energia Heroica. Instável… mas pura.

Kael fechou os olhos. Seu corpo ainda tremia. Mas agora, não era medo. Era peso.

Pela primeira vez, ele compreendia o que havia dentro dele.

Não era força. Não era poder.

Era a memória de todos os que foram quebrados… e não quiseram quebrar mais ninguém.