O relógio marcava pouco mais de dez horas da manhã, horário do recreio, quando Johan, Damian, Greg e Jorn saíram da sala em direção ao pátio da escola. O sol de outono iluminava fracamente o céu cinzento, e o barulho das conversas e risadas preenchia o ar, criando um contraste estranho com o peso que os quatro sentiam nos ombros.
— Cara, mal posso esperar pra chegar em casa e desligar do mundo — resmungou Johan, ajeitando os cabelos loiros que insistiam em cair sobre os olhos.
Damian, caminhando ao lado dele, mexia distraidamente no caderno cheio de poemas rabiscados, tentando encontrar alguma inspiração, embora a mente estivesse longe dali.
— Eu só queria que esse ano acabasse logo… tudo parece tão inútil. Não sei se tem algum sentido nisso tudo — murmurou ele, a voz quase perdida no vento.
Greg, que vinha um pouco atrás, segurava o estojo com força, tentando disfarçar a ansiedade que lhe apertava o peito. Jorn, sempre o mais extrovertido do grupo, ria alto, fazendo piadas sem graça para aliviar a tensão.
— Relaxa, mano! Depois a gente joga umas partidas online e esquece essa merda.
Perto dali, Lucas, um amigo de infância dos quatro, estava sentado num banco, comendo um sanduíche e rindo com um grupo de colegas. Ele era o tipo de pessoa que tentava manter o clima leve, mesmo nos dias mais difíceis.
— Ei, Lucas! Vem aqui! — chamou Jorn, acenando.
— Já vou, já vou — respondeu Lucas, levantando-se.
O pátio era uma pequena ilha de normalidade num dia que estava prestes a mudar para sempre.
De repente, passos pesados ecoaram pelo corredor que levava ao pátio. O som carregava uma intenção pesada, quase ameaçadora.
— É hora do acerto de contas! — gritou uma voz rouca.
Três ex-alunos surgiram, rompendo o fluxo natural daquele recreio. Carlos, o líder, avançava com um revólver na mão e olhos frios. Felipe, magro e nervoso, segurava uma faca com força trêmula. Ricardo, robusto e imponente, carregava um taco de beisebol cravejado de pregos.
O pátio mergulhou num caos imediato. Alunos gritaram e correram em todas as direções, alguns tropeçando e caindo.
Johan sentiu o coração disparar, a adrenalina dominando cada fibra do seu corpo.
— Corre! — gritou Jorn, puxando os amigos.
Mas a fuga era uma miragem.
O primeiro tiro foi um trovão que partiu o céu azul em pedaços. No instante seguinte, o mundo inteiro pareceu parar.
Lucas caiu com um som surdo, como se o tempo tivesse desacelerado só para que todos vissem o sangue escorrer devagar, manchando o concreto, com uma marca vermelha que ninguém poderia apagar. Seu corpo tremeu uma vez. Depois, ficou imóvel. Morto.
Ali, naquele instante congelado, Johan, Damian, Greg e Jorn entenderam que nada seria igual depois daquele dia.
Damian foi o primeiro a gritar.
— L-Lucas?! — sua voz se partiu no meio, arranhando a garganta. — LUCAS!
As pessoas correram em todas as direções. O caos se instalou como uma praga. Mesas viradas, gritos cortando o ar, os sons dos passos desesperados e os disparos ritmados enchendo os ouvidos como punhais invisíveis.
Carlos, Felipe e Ricardo avançavam com olhos sem vida. Eles não gritavam, não corriam. Andavam, frios e objetivos. A matança era metódica. Não era loucura. Era propósito.
Johan puxou Greg com força pelo braço.
— Vem, PORRA! — Ele suava, os dentes cerrados. Sua voz era raiva e medo, misturados.
Damian tropeçou e quase caiu, mas Jorn o ergueu sem pensar duas vezes. Eles correram para dentro da escola, tentando cortar caminho por um corredor lateral que dava para os fundos.
Mas Ricardo os viu.
— AQUI, Ó! — gritou, apontando.
O trio se separou. Carlos seguiu por fora. Felipe cortou caminho por dentro. Ricardo avançou direto.
Eles estavam cercados.
Na escada dos fundos, o ombro de Greg sangrava após ter sido arranhado pela faca de Felipe. Johan tentava pressionar o ferimento com o pano da própria camiseta.
— Isso não tá acontecendo... — Greg repetia, sem parar, com a voz trêmula. — Isso não tá acontecendo...
Felipe apareceu pela escada de baixo. A faca em punho. Greg travou.
— CORRE! — gritou Johan, mas Greg não se mexeu.
Felipe não correu. Subiu cada degrau como se tivesse todo o tempo do mundo.
Johan tentou puxar Greg, mas o amigo o empurrou levemente.
— Vai… — disse Greg, com a voz quase infantil. — Se esconde.
Johan hesitou por meio segundo, até ouvir passos vindo do outro lado também. Ele correu.
Greg encarou Felipe nos olhos até o último instante. Quando a lâmina desceu, ele não gritou.
Damian, Jorn e Johan estavam agora dentro de uma sala de aula vazia, encostados atrás da porta. O som da faca rasgando carne ainda parecia ecoar dentro da cabeça deles.
— Greg… — sussurrou Jorn, com a testa encostada nos joelhos.
Damian tremia. Ele batia os dentes, os olhos arregalados. E então começou a murmurar, como se rezasse.
— Isso é um pesadelo… Isso é um pesadelo…
Carlos apareceu na janela da sala. Bateu no vidro com a arma, sorrindo. Eles correram de novo.
Damian foi o mais lento. O corredor estava cheio de sangue, papéis no chão, mochilas abandonadas. Alguém estava deitado logo adiante — uma menina da turma deles, com o rosto aberto por um tiro.
Felipe surgiu por trás de Damian. O rapaz ainda tentou correr, mas tropeçou em uma carteira caída. Johan gritou.
— DAMIAN!
O amigo virou, com os olhos cheios d’água, e sorriu.
— Desculpa, mano…
Felipe o pegou pelo pescoço, e a faca brilhou.
Johan e Jorn viraram o rosto, mas o grito veio mesmo assim — um grito engasgado, profundo, desesperado.
Agora só restavam dois.
Jorn estava sangrando na lateral da cabeça. Um estilhaço o tinha atingido de raspão. Johan o apoiava enquanto atravessavam a cantina vazia, o chão escorregadio de sangue. Passos ecoavam por todos os lados.
— A gente vai sair dessa — disse Johan, mesmo sem acreditar.
Ricardo entrou pela porta da cozinha, arfando. Jorn virou na hora, empurrando Johan.
— Vai! Vai!
— NÃO!
Mas não houve tempo. O taco de beisebol atingiu Jorn no estômago com um impacto surdo. O garoto gemeu, caiu de joelhos. O segundo golpe veio no ombro. O terceiro, na cabeça.
Johan gritou, mas não tinha mais como ajudar. Correu.
Cada passo era um desespero. O mundo girava. O ar queimava nos pulmões. Os corredores agora pareciam infinitos, o som de seus próprios passos abafado pelo zunido constante nos ouvidos.
Ele alcançou a biblioteca. Escondeu-se entre estantes. O silêncio era absoluto.
Até que Carlos entrou.
— Achei você — disse.
Johan se virou. Olhou o inimigo nos olhos. Sabia que era o fim.
Mas mesmo com o medo paralisando os músculos, ele levantou o queixo.
— Vai se foder.
Carlos atirou. Uma. Duas. Três vezes.
A dor veio como uma onda quente. Johan caiu de costas, encarando o teto.
As luzes piscavam. A vida escapava.
E no fundo da mente… uma sensação estranha.
Como se algo estivesse esperando.
Como se a história ainda não tivesse terminado...