O motor da van preta vibrava como um coração acelerado enquanto Clarisse dirigia por ruas secundárias, seus olhos saltando entre o caminho e as câmeras de segurança que ela havia hackeado. O cheiro de queimado ainda impregnava as roupas de Leon, misturando-se ao aroma do café barato que Isabella bebia em goladas rápidas.
"Meu pai foi o primeiro anfitrião voluntário do sistema."
A voz de Isabella quebrou o silêncio de forma tão abrupta que Leon estremeceu. Ela enrolava o cordão do roupão (o único pedaço de roupa que conseguira levar) em seus dedos, apertando até as pontas ficarem brancas.
"Ele chamava de *Prometeu* - um presente para revolucionar a economia global." Seus olhos verdes perderam o foco, fixando-se em algo além do veículo. "Até o dia em que o sistema começou a... *modificar* seus usuários."
Leon trocou olhares com Clarisse, que pela primeira vez parecia sem palavras. O tablet em seu colo mostrava imagens de arquivo: **Edward Whitford**, décadas mais jovem, discursando na Bolsa de Valores de Lumenford com olhos brilhantes de fervor quase religioso.
[*Ding!*]
[ARQUIVO CORROMPIDO DETECTADO]
[RECUPERANDO GRAVAÇÃO 0471-X...]
A tela piscou, mostrando um vídeo granulado. Edward em uma sala branca, amarrado a uma cadeira enquanto seu braço direito se contorcia de forma não humana, a pele se esticando sobre algo metálico que se movia por baixo.
"*Ele está nos transformando em máquinas!*" Edward gritava, os olhos cheios de terror. "*O sistema não é uma ferramenta, é um parasita que-*"
A gravação terminou abruptamente. Isabella fechou os olhos, mas não antes que Leon visse o brilho úmido neles.
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**Flashback - Mansão Whitford, 5 anos atrás**
Isabella adolescente espiou pela fresta da biblioteca enquanto seu pai discutia com três figuras de terno. Seu vestido de seda azul colou-se às suas pernas tremulas quando ela viu o símbolo do Consórcio nos relógios de bolso dos homens.
"Você quebrou o contrato, Edward." O líder falou com a voz suave de um professor decepcionado. "Prometeu foi criado para controle, não para filantropia."
Quando os homens se foram, Isabella correu para o pai - só para recuar ao ver o horror em seus olhos.
"Meu anjinho..." Edward segurou seu rosto com mãos que cheiravam a óleo de máquina. "Se um dia eles te oferecerem um presente brilhante, corre. Corre e não olhes para trás."
Naquela noite, o grito de seu pai a acordou. Quando chegou ao escritório, encontrou Edward convulsionando no chão, seu peito marcado pelo mesmo símbolo que agora queimava na pele de Isabella.
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O sol da manhã filtrou-se pelas janelas sujas da van quando Isabella terminou sua história. Seus dedos traçavam a cicatriz em forma de olho quase inconscientemente.
"Eles usam os hosts como cobaias," ela sussurrou. "Testando versões cada vez mais... *intrusivas* do sistema."
Leon sentiu um frio percorrer sua espinha. Seu pulso direito doía subitamente - havia dias que ele ignorava a pequena protuberância sob a pele.
[*Alerta: Sincronização do Sistema - 68%*]
[Efeitos Colaterais Detectados: Memórias Emprestadas, Habilidades Inconscientes]
Clarisse quebrou o silêncio pesado ao jogar um pacote de roupas no colo de Isabella. "Vestimentas de disfarce. E..." Ela hesitou, algo raro para a hacker. "Um presente."
Era um canivete gravado com as iniciais I.W. - idêntico ao que seu pai carregava. Isabella segurou-o como uma relíquia sagrada.
"Por quê?" Ela perguntou, desconfiada.
Clarisse apenas apontou para o tablet, onde uma nova mensagem piscava:
[TERMINAL 0471-X - ATIVO POR 1H12MIN]
[LOCAL: ANTIGA ESTAÇÃO TELEFÔNICA PRINCIPAL]
Leon engoliu seco. O prédio na foto era guardado por pelo menos vinte homens do Consórcio - e um símbolo familiar piscava em todos os seus relógios.
O mesmo olho triângular que agora aparecia em seus próprios sonhos.