Capítulo 9: A Cicatriz que Conta Histórias

O motor da van preta vibrava como um coração acelerado enquanto Clarisse dirigia por ruas secundárias, seus olhos saltando entre o caminho e as câmeras de segurança que ela havia hackeado. O cheiro de queimado ainda impregnava as roupas de Leon, misturando-se ao aroma do café barato que Isabella bebia em goladas rápidas.

"Meu pai foi o primeiro anfitrião voluntário do sistema."

A voz de Isabella quebrou o silêncio de forma tão abrupta que Leon estremeceu. Ela enrolava o cordão do roupão (o único pedaço de roupa que conseguira levar) em seus dedos, apertando até as pontas ficarem brancas.

"Ele chamava de *Prometeu* - um presente para revolucionar a economia global." Seus olhos verdes perderam o foco, fixando-se em algo além do veículo. "Até o dia em que o sistema começou a... *modificar* seus usuários."

Leon trocou olhares com Clarisse, que pela primeira vez parecia sem palavras. O tablet em seu colo mostrava imagens de arquivo: **Edward Whitford**, décadas mais jovem, discursando na Bolsa de Valores de Lumenford com olhos brilhantes de fervor quase religioso.

[*Ding!*]

[ARQUIVO CORROMPIDO DETECTADO]

[RECUPERANDO GRAVAÇÃO 0471-X...]

A tela piscou, mostrando um vídeo granulado. Edward em uma sala branca, amarrado a uma cadeira enquanto seu braço direito se contorcia de forma não humana, a pele se esticando sobre algo metálico que se movia por baixo.

"*Ele está nos transformando em máquinas!*" Edward gritava, os olhos cheios de terror. "*O sistema não é uma ferramenta, é um parasita que-*"

A gravação terminou abruptamente. Isabella fechou os olhos, mas não antes que Leon visse o brilho úmido neles.

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**Flashback - Mansão Whitford, 5 anos atrás**

Isabella adolescente espiou pela fresta da biblioteca enquanto seu pai discutia com três figuras de terno. Seu vestido de seda azul colou-se às suas pernas tremulas quando ela viu o símbolo do Consórcio nos relógios de bolso dos homens.

"Você quebrou o contrato, Edward." O líder falou com a voz suave de um professor decepcionado. "Prometeu foi criado para controle, não para filantropia."

Quando os homens se foram, Isabella correu para o pai - só para recuar ao ver o horror em seus olhos.

"Meu anjinho..." Edward segurou seu rosto com mãos que cheiravam a óleo de máquina. "Se um dia eles te oferecerem um presente brilhante, corre. Corre e não olhes para trás."

Naquela noite, o grito de seu pai a acordou. Quando chegou ao escritório, encontrou Edward convulsionando no chão, seu peito marcado pelo mesmo símbolo que agora queimava na pele de Isabella.

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O sol da manhã filtrou-se pelas janelas sujas da van quando Isabella terminou sua história. Seus dedos traçavam a cicatriz em forma de olho quase inconscientemente.

"Eles usam os hosts como cobaias," ela sussurrou. "Testando versões cada vez mais... *intrusivas* do sistema."

Leon sentiu um frio percorrer sua espinha. Seu pulso direito doía subitamente - havia dias que ele ignorava a pequena protuberância sob a pele.

[*Alerta: Sincronização do Sistema - 68%*]

[Efeitos Colaterais Detectados: Memórias Emprestadas, Habilidades Inconscientes]

Clarisse quebrou o silêncio pesado ao jogar um pacote de roupas no colo de Isabella. "Vestimentas de disfarce. E..." Ela hesitou, algo raro para a hacker. "Um presente."

Era um canivete gravado com as iniciais I.W. - idêntico ao que seu pai carregava. Isabella segurou-o como uma relíquia sagrada.

"Por quê?" Ela perguntou, desconfiada.

Clarisse apenas apontou para o tablet, onde uma nova mensagem piscava:

[TERMINAL 0471-X - ATIVO POR 1H12MIN]

[LOCAL: ANTIGA ESTAÇÃO TELEFÔNICA PRINCIPAL]

Leon engoliu seco. O prédio na foto era guardado por pelo menos vinte homens do Consórcio - e um símbolo familiar piscava em todos os seus relógios.

O mesmo olho triângular que agora aparecia em seus próprios sonhos.