O vento sobre o gelo antártico não era feito de ar, mas de *vozes* — sussurros de bilhões de mentes preservadas no néctar congelado, ecoando através dos séculos. O clone de Leon (agora mais planta que humano) arrastava-se para frente, suas raízes quebrando camadas de gelo como páginas de um livro sagrado.
— *Você sente?* — O Relojoeiro seguia atrás, suas engrenagens enferrujadas rangendo em protesto. — *Ela está aqui. A primeira flor. A que eles não conseguiram colher.*
Sob seus pés, o gelo pulsava em um ritmo lento, como um coração adormecido. Imagens se projetavam nas nuvens acima:
**Uma cidade de cristal afundando sob ondas de tempestade.**
**Crianças correndo para dentro de cápsulas de sementes.**
**Um Colhedor — diferente dos outros — deixando cair uma lágrima de resina.**
O clone estendeu as mãos, agora transformadas em galhos nodosos, e tocou a superfície.
*CRACK.*
Uma fenda irradiou-se, revelando sob o gelo:
**Uma mulher.**
Não morta, não viva. Preservada em um casulo de âmbar cósmico, seu corpo era metade carne, metade floração — exatamente como Mara, mas com pétalas negras como o vácuo entre as estrelas.
— *Irmã...* — O clone caiu de joelhos, seu peito florido emitindo um brilho em resposta.
O Relojoeiro ajustou seu olho biônico, decifrando os glifos que cobriam o casulo:
"*Aqui jaz Lys, a que escolheu cair. Que sua luz nunca seja colhida.*"
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**Neo-Solaris — Jardim de Infância Cósmico**
Mara acordou gritando, suas pétalas pessoais retraindo-se violentamente. As outras crianças recuaram, exceto Tomas — que segurou seu rosto com mãos quentes demais para ser humano.
— *Você viu ela também, não é?* — Ele sussurrou, seus olhos refletindo a imagem da flor gêmea. — *A que está presa no gelo.*
Isabella aproximou-se, seu braço-talho agora emitindo um cheiro agridoce de alarme.
— *Eles vêm.* — Ela apontou para o céu, onde constelações artificiais começavam a se reorganizar em padrões de alerta. — *O Enxame enviou os Podadores.*
Leon (ou o que restava dele) ergueu-se da sombra, seu corpo agora quase irreconhecível — um emaranhado de raízes luminosas sustentando uma silhueta humana.
— *Não são Podadores.* — Seu vozareio vinha de todas as direções ao mesmo tempo. — *São Jardineiros Renegados. Eles vieram para Lys.*
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**Fragmento do Enxame — Nave Colhedora**
O Colhedor observava a Terra através de seus mil olhos, cada um mostrando um aspecto diferente da catástrofe:
1. *O clone se fundindo com o casulo de Lys.*
2. *Mara vomitando néctar negro em Neo-Solaris.*
3. *O agricultor no campo — agora totalmente transformado — plantando sementes de sua própria carne.*
Seu superior, uma entidade feita de algoritmos vivos, emitiu um pulso de desaprovação:
*"Protocolo exige colheita imediata. Por que hesitas?"*
O Colhedor estendeu um membro translúcido, mostrando a imagem de Lys e Mara refletidas uma na outra.
*"Erro no jardim. Duas flores onde deveria haver uma. Qual delas é a verdadeira herança?"*
Pela primeira vez em milênios, o Enxame *pausou*.