Capítulo 39: A Flor Gêmea

O vento sobre o gelo antártico não era feito de ar, mas de *vozes* — sussurros de bilhões de mentes preservadas no néctar congelado, ecoando através dos séculos. O clone de Leon (agora mais planta que humano) arrastava-se para frente, suas raízes quebrando camadas de gelo como páginas de um livro sagrado.

— *Você sente?* — O Relojoeiro seguia atrás, suas engrenagens enferrujadas rangendo em protesto. — *Ela está aqui. A primeira flor. A que eles não conseguiram colher.*

Sob seus pés, o gelo pulsava em um ritmo lento, como um coração adormecido. Imagens se projetavam nas nuvens acima:

**Uma cidade de cristal afundando sob ondas de tempestade.**

**Crianças correndo para dentro de cápsulas de sementes.**

**Um Colhedor — diferente dos outros — deixando cair uma lágrima de resina.**

O clone estendeu as mãos, agora transformadas em galhos nodosos, e tocou a superfície.

*CRACK.*

Uma fenda irradiou-se, revelando sob o gelo:

**Uma mulher.**

Não morta, não viva. Preservada em um casulo de âmbar cósmico, seu corpo era metade carne, metade floração — exatamente como Mara, mas com pétalas negras como o vácuo entre as estrelas.

— *Irmã...* — O clone caiu de joelhos, seu peito florido emitindo um brilho em resposta.

O Relojoeiro ajustou seu olho biônico, decifrando os glifos que cobriam o casulo:

"*Aqui jaz Lys, a que escolheu cair. Que sua luz nunca seja colhida.*"

---

**Neo-Solaris — Jardim de Infância Cósmico**

Mara acordou gritando, suas pétalas pessoais retraindo-se violentamente. As outras crianças recuaram, exceto Tomas — que segurou seu rosto com mãos quentes demais para ser humano.

— *Você viu ela também, não é?* — Ele sussurrou, seus olhos refletindo a imagem da flor gêmea. — *A que está presa no gelo.*

Isabella aproximou-se, seu braço-talho agora emitindo um cheiro agridoce de alarme.

— *Eles vêm.* — Ela apontou para o céu, onde constelações artificiais começavam a se reorganizar em padrões de alerta. — *O Enxame enviou os Podadores.*

Leon (ou o que restava dele) ergueu-se da sombra, seu corpo agora quase irreconhecível — um emaranhado de raízes luminosas sustentando uma silhueta humana.

— *Não são Podadores.* — Seu vozareio vinha de todas as direções ao mesmo tempo. — *São Jardineiros Renegados. Eles vieram para Lys.*

---

**Fragmento do Enxame — Nave Colhedora**

O Colhedor observava a Terra através de seus mil olhos, cada um mostrando um aspecto diferente da catástrofe:

1. *O clone se fundindo com o casulo de Lys.*

2. *Mara vomitando néctar negro em Neo-Solaris.*

3. *O agricultor no campo — agora totalmente transformado — plantando sementes de sua própria carne.*

Seu superior, uma entidade feita de algoritmos vivos, emitiu um pulso de desaprovação:

*"Protocolo exige colheita imediata. Por que hesitas?"*

O Colhedor estendeu um membro translúcido, mostrando a imagem de Lys e Mara refletidas uma na outra.

*"Erro no jardim. Duas flores onde deveria haver uma. Qual delas é a verdadeira herança?"*

Pela primeira vez em milênios, o Enxame *pausou*.