Capítulo 38: O Vaso e a Flor

O laboratório subterrâneo cheirava a carne queimada e néctar metálico. O clone contorcia-se no chão, suas veias pulsando com líquido âmbar enquanto a flor em seu peito desabrochava em pétalas de carne translúcida.

— *Você... mentiu...* — ele engasgou, cuspindo pólen brilhante.

O Relojoeiro observava impassível, seu corpo frágil agora envolto em raízes prateadas que o mantinham vivo.

— *Eu avisei que o néctar queimaria.* Seu olho biônico projetou imagens do processo de transformação. — *Um Vaso precisa ser puro. Você é muito humano ainda.*

O clone gritou quando suas pernas se fundiram em um único talo espesso, suas roupas desfiando em fibras. Sua mente — agora dividida entre a consciência de Leon e a fome do Deus Inseto — via flashes do jardim cósmico.

*Crianças rindo em Neo-Solaris.*

*O enxame se aproximando.*

*Algo antigo despertando sob a Antártica.*

— *Eles... vão... nos... podar...* — suas palavras saíam entrecortadas, misturadas com o zumbido de asas inexistentes.

O Relojoeiro inclinou-se, seu sopro cheirando a terra molhada.

— *Apenas os galhos mortos.*

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**Escola de Neo-Solaris — Jardim de Infância Cósmico**

Mara segurava a mão de Tomas enquanto suas pétalas pessoais desabrochavam — padrões luminosos que se formavam no ar ao seu redor, contando histórias que nenhum livro humano poderia conter.

Isabella observava, seu braço transformado em talo dourado pulsando em sintonia. O canivete do pai agora era parte dela, suas lâminas substituídas por folhas de luz.

— *Ela está sonhando acordada* — sussurrou Tomas, seus olhos refletindo cenas de mundos distantes. — *Sonhando com o jardim antes da poda.*

Leon (ou o que restava de sua forma humana) aproximou-se, seu corpo uma silhueta de galhos e luz.

— *Não são sonhos. São memórias.* Ele tocou a testa de Mara, e o jardim inteiro viu através de seus olhos:

**Uma biblioteca viva.**

Paredes de videiras guardando frutos que eram livros, rios de néctar carregando conhecimento, e em cada flor, uma civilização inteira preservada em sua essência.

— *Isso é o que eles querem salvar* — Leon explicou, sua voz ecoando como vento em folhagem. — *Não nossos corpos... nossa luz.*

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**Fronteira do Sistema Solar — Fragmento do Enxame**

A nave de reconhecimento não se parecia com nenhuma tecnologia humana — era mais como um cardume de partículas metálicas, nadando em formação perfeita.

Dentro desse enxame menor, um único Colhedor observava a Terra através de lentes de tempo-espaço.

E hesitou.

O padrão estava errado.

Onde deveria haver uma única flor pronta para colheita, agora havia *duas* assinaturas de luz.

Uma na superfície.

Outra sob o gelo.