a chuva bugada

O céu estava errado.

Desde que chegaram ali, o céu sempre fora o mesmo: azul claro, cubos brancos como nuvens, um sol amarelo perfeitamente parado no topo. Um looping visual reconfortante, quase infantil.

Mas naquela manhã, ele mudou.

Samuel foi o primeiro a notar. Estava de pé antes de todos, como sempre, reorganizando blocos do abrigo improvisado.

— O céu... ele se mexeu.

Isaac se virou com lentidão. Ainda mastigava uma fruta estranha coletada no dia anterior.

— Mexeu tipo... bug visual ou evento programado?

Samuel apontou. No horizonte, blocos escuros se aproximavam, fundindo-se num borrão pixelado. Como uma nuvem que renderizava aos pedaços.

— Não é bug — disse Samuel. — Isso é *evento forçado*. Roteiro puro.

Koraku, já em alerta, escalou o telhado para ver melhor.

O que ela viu a fez apertar os punhos.

— Tempestade. Do tipo... que destrói tudo.

A primeira gota caiu como um cubo de sangue digital.

Fez um *ploc* no chão. O solo brilhou em vermelho, distorcendo e desaparecendo.

Isaac arregalou os olhos.

— Isso não é água. Isso são... dados corrompidos. Tá deletando o chão.

Ricardo entrou correndo, segurando a cabeça.

— Tá chovendo glitch! Eu tentei pegar uma flor ali fora e ela EXPLODIU!

— Recolham tudo que der. Armas, comida, qualquer ferramenta. Vamos perder tudo — gritou Koraku.

Gustavo já carregava o estranho nos ombros. O homem — ou o que quer que fosse — estava mais pálido, mais fraco.

— Não podemos deixar ele — disse Gustavo, ofegante.

— E nem vamos! — respondeu Isaac, travando o inventário. — Mas temos que correr **agora**.

A base começou a tremer. Blocos do teto se dissolviam. Parte da parede caiu num borrão de zeros e uns.

— Caverna! — gritou Samuel. — A do dia dois! Rápido!

O chão pixelado estalava sob os pés enquanto o grupo corria.

Isaac carregava o estranho junto com Gustavo. Koraku ia à frente, abrindo caminho com uma pá de pedra. Samuel guiava com instruções rápidas, usando um minimapa mental. Ricardo, desesperado, cuspia piadas entre os gritos.

— Isso aqui é tipo quando tua mãe desliga o videogame sem salvar, só que em tempo real!

Um trovão explodiu no céu. Blocos negros começaram a cair em espiral, como meteoros, abrindo crateras no solo.

Eles quase não chegaram.

A entrada da caverna já começava a desaparecer quando Koraku saltou e enfiou a pá entre dois blocos soltos, criando uma brecha.

Samuel entrou primeiro. Ricardo se jogou por cima dele. Isaac e Gustavo arrastaram o estranho. Koraku foi a última a entrar — segundos antes do teto do mundo desabar.

Escuridão total.

Silêncio.

A tempestade rugia lá fora como uma fera com fome de vida

Lá dentro, o calor aumentava. A respiração de todos pesava.

— Estamos seguros? — sussurrou Ricardo.

Koraku assentiu, de costas contra a parede.

— Por enquanto.

Samuel passou a mão na testa.

— Perdemos tudo... abrigo, armadilhas, a comida extra.

— A IA fez isso de propósito — disse Isaac. — Ela tá testando até onde vai nossa resiliência.

— Ou nossa paciência — retrucou Ricardo.

Ninguém riu.

Gustavo olhava pro estranho, que tremia ainda mais. Quase não falava. Como se sentisse culpa por estar ali.

— Ele não é culpado disso — disse Gustavo. — A gente ia perder tudo de qualquer jeito.

— Talvez — murmurou Samuel. — Mas agora... estamos no escuro. Sem abrigo. Sem recursos. E com mais um pra alimentar.

— A gente deu um passo de confiança ontem — disse Gustavo. — Não dá pra voltar atrás no primeiro aperto.

Silêncio de novo.

Dessa vez, de respeito.

Eles dormiram encostados nas paredes. Um de cada lado da caverna. Só o som da chuva de dados lá fora preenchia o ambiente.

Ninguém disse, mas todos pensaram:

E se essa IA quiser nos quebrar por dentro?

> [DIA 3 COMPLETO]

> Abrigo destruído. Recursos perdidos.

> Confiança mantida.

> Grupo unido, mas vulnerável.

> Dias restantes: 2