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Capítulo 2 – Poder de Escolha

Os dois homens se analisavam. Os olhos de Ezkiel se moviam com a incredulidade de quão realista o homem à sua frente parecia. A forma como ele se movia, o jeito que seu punho se unia ao cabo da espada — tudo era muito real. Real ao ponto de Ezkiel nunca imaginar que tais fatores poderiam ser reproduzidos em seu sonho, afinal, nem ele mesmo sabia desses trejeitos.

O homem também o analisava. Sua postura, contrária à de Ezkiel, era mais agressiva, como se estudasse o alvo, procurando brechas e falhas em sua máscara. Seu semblante se movia em desconfiança, cada vez que segurava com mais força o punho gasto de sua espada.

O confronto visual dos dois homens foi interrompido por um som alto e distante que ecoou pelos corredores de pedra, acordando ambos de seu estado pensativo. A urgência com que o homem chegara retornou em seus movimentos.

Mantendo-se em pé, o homem colocou sua espada na bainha, encarando o prisioneiro desconhecido de cima para baixo. Puxou da parte de trás do seu cinto uma adaga curta, com punho remendado por faixas de couro quase soltas. A lâmina sem brilho se posicionou à frente do seu corpo quando ele estendeu a mão para dentro das celas.

— Não tenho muito tempo. Nem você terá. — O homem fez uma pausa leve enquanto respirava vagarosamente. — Os Outros estão chegando e você será um fardo para carregar. Não vou conseguir sair daqui com você, mas te deixarei uma escolha.

Ezkiel encarou, incrédulo, as palavras à sua frente. Sua mente, que cogitava no subconsciente que estaria salvo por outro humano, não conseguia pensar corretamente no que deveria fazer. Encarou a adaga, ainda sem reação, ao vê-la cair em direção ao solo, à sua frente.

— É uma lâmina velha, mas ainda tem fio. — O homem o encarou no fundo dos olhos. Ezkiel notou o castanho imaculado no olho esquerdo, enquanto o direito era preenchido pelo branco leitoso da cegueira. — Você não terá muito tempo até os Outros chegarem. A lâmina conseguirá cortar seu pescoço com facilidade, mas, se não tiver coragem, pode se jogar sobre ela. É o melhor que posso fazer por você, prisioneiro.

O homem voltou a encarar Ezkiel. A lâmina de sua espada era curta demais para conseguir enfiá-la no prisioneiro. Entregar-lhe a chance de conceder a si próprio misericórdia era a única coisa que poderia fazer.

Ezkiel encarou a lâmina no solo. Sua expressão estava completamente destruída por pavor e medo. A ideia de utilizar a lâmina contra si mesmo nunca havia passado por sua mente. Retirar sua própria vida? Como ele poderia pensar em tal coisa?

Outros? Me matar? Não... Não... Por que ele simplesmente não me salva? Ele tem uma espada. Pode quebrar as correntes! Talvez dar um chute nas grades para entortá-las... Por que não me salvar? O que está vindo? Por que eu estou com tanto medo dessa merda de pesadelo? Ele poderia apenas acabar...

Assim que conseguiu voltar a pensar funcionalmente, entendeu a escolha. Poderia acabar com esse sonho fúnebre agora. Apenas precisava de coragem para finalizar aquilo. Se morresse no sonho, acordaria no mundo real. Era lógico, parecia ser um fato lógico. Apenas precisava de coragem para fazer isso.

Ezkiel segurou a lâmina velha com as duas mãos. O brilho fosco não refletia luz. O cabo era manchado pelo couro velho e surrado, que granulava ao leve toque. As poucas faixas de couro escorriam para baixo, se soltando e mostrando o cabo metálico abaixo, completamente arranhado, demonstrando que já haviam sido trocadas anteriormente dezenas de vezes.

A lâmina demonstrava um caminho que ele poderia seguir.

O prisioneiro aproximou a lâmina contra a própria garganta. As correntes roçaram o solo, ecoando o barulho de seu movimento. Ezkiel engolia devagar a saliva, enquanto suas mãos tremiam ao aproximarem cada vez mais da pele branca e machucada. Sentiu a lâmina encostar na coleira metálica em seu pescoço, posicionando-se abaixo dela para efetuar o golpe.

Ele respirou fundo, puxou toda a força que tinha dentro de si para fazer a ação seguinte. Seus lábios rachados romperam em mais gotículas de sangue. Se tivesse água suficiente em seu corpo, lágrimas escorreriam de seus olhos. As mãos pequenas apertaram com mais força o punho da lâmina.

CLINC!

O som do metal contra a pedra ecoou pelo ambiente. A lâmina se soltou de suas mãos.

Eu... não quero morrer!

Ezkiel pensou alto. Suas mãos tremiam de desespero apenas na hipótese de completar tal feito — mesmo em seus sonhos. Talvez fosse sua fraqueza, ou uma coragem escondida de continuar tentando lutar contra esse sonho horrível, mas ele não queria desistir. Ele não conseguia desistir.

Um novo som alto ecoou pelo ambiente, agora mais próximo. Os Outros estavam chegando.

Desesperado e com medo, o prisioneiro pegou a adaga do solo e começou a bater contra a corrente em seu pescoço, tentando soltá-la. Mas o metal parecia ser resistente e ele não tinha força, naquele corpo desnutrido, para quebrá-la. Então, uma ideia veio à sua mente enquanto encarava seus braços ainda presos por correntes, mas soltos no outro hemisfério.

A pedra! Preciso quebrar essa maldita pedra!

Seus pés rangeram contra a pedra áspera. As correntes simbolizavam sua prisão a cada passo. Ao chegar à parede, começou a enfiar a adaga loucamente — como um escultor sem habilidade. Em alguns minutos árduos de trabalho, a pedra cedeu e a corrente que ficava em seu centro caiu contra o solo. Mesmo preso aos grilhões, Ezkiel estava livre para se mover.

Ouvindo o barulho dos passos aumentando em sua direção, com grandes baques estridentes, ele correu até a grade metálica que lhe impossibilitava de sair da cela. Desesperado, começou a puxá-la, empurrá-la, golpeá-la — tentando todo tipo de ação que um animal amedrontado poderia fazer — mas nenhuma teve êxito.

O pavor, um dos maiores símbolos do medo genuíno, tomou espaço em sua mente de tal forma que o único pensamento que surgia era fugir. Os passos se aproximavam. Os Outros se aproximavam. O que quer que fossem, não seria bom estar ali quando chegassem.

A continuidade de golpes e empurrões começou a causar hematomas em seu corpo frágil. Porém, a dor não permanecia. Era suprimida ao ver um pequeno vão feito pelos amassados na grade à sua direita. Ele havia empurrado tanto o metal que a própria pedra superior que segurava a grade cedeu para frente, criando uma pequena abertura entre o metal enferrujado.

Ezkiel inclinou seu corpo para frente, se espremendo entre o vão, sentindo a ferrugem antiga cortar sua pele branca e manchá-la de leves lacerações vermelhas amarronzadas — uma mistura de ferrugem e seu próprio sangue ralo.

Após passar pelas grades, uma ardência percorreu todo o seu corpo machucado. Com dor, caiu sobre o piso molhado, tombando os joelhos contra as águas sujas. Tentando se levantar, Ezkiel ouviu passos às suas costas, vindos dos corredores escuros.

Ao olhar para trás, viu dois humanos o encarando — pelo menos pareciam humanos. Seus olhos eram completamente avermelhados, tingindo todo o globo ocular de um vermelho escuro, cor de sangue. Os dois vultos encararam o prisioneiro. Suas bocas se abriram, revelando um tipo de órgão formado por tentáculos que pulsava como um coração.

As mãos se moveram para frente, segurando espadas que se fundiam à pele por músculos avermelhados, como fibras mucosas que uniam seus corpos às armas. Vestiam armaduras de cavaleiros, sem elmos. As armaduras deixavam vazar essas fibras avermelhadas que se uniam aos corpos humanos como parte deles — vinhas que se enraizavam, formando apenas um ser.

Essas criaturas mexiam os tentáculos que saíam de suas bocas pelo ambiente, rangendo seus corpos humanos na direção de Ezkiel. O garoto, desesperado, observava o verdadeiro pavor. Apenas sentiu um cheiro forte de especiaria no ar — algo tão incondizente com sua situação atual que seus sentidos foram à loucura.

Prestes a correr, um tentáculo se alongou em sua direção, rasgando a carne de seu ombro direito.