A dor preencheu sua visão. O pobre garoto engoliu a dor de seu ombro dilacerado enquanto corria. O ferimento extremo vazava sangue, mostrando a cabeça do úmero — o osso exposto, em sua totalidade carmesim.
Ezkiel nunca havia sentido tanta dor antes. Sua cabeça pulsava enquanto o sangue escorria pelo corpo, dissipando a dor por todas as extremidades. Seu braço direito ainda conseguia se mover, mas ele não tinha coragem de fazer qualquer movimento. A dor era suficiente apenas ao balançar, e mal conseguia se manter em pé perante o terror que o seguia.
Os passos das criaturas continuavam remoendo a sua escolta, correndo velozmente em sua direção, na tentativa de terminar o serviço malfeito.
Cada passo do prisioneiro esguichava sangue que vazava contra o solo, criando um rastro carmesim pelos corredores obscuros. O desespero, que havia se enraizado em sua alma, tomava forma, fazendo seus passos — desajeitados pela dor — se tornarem mais velozes. Seu corpo ferido respondia à dor como combustível, dando-lhe uma leve distância das criaturas, mas o pavor não deixava sua mente completar um raciocínio. Ele apenas corria por sua vida como um animal desesperado em busca de socorro — algo que sabia que não viria.
Entre curvas sinuosas em chão de pedra úmida, a escuridão tomava mais espaço dos aposentos, cada vez mais distante do belo brilho lunar que fora sua companheira de cela. Em meio à escuridão, ele apenas podia se mover, correndo para frente sem pensar no futuro, apenas fugindo das mordidas dilacerantes que ecoavam nos passos humanoides dos seres conhecidos como Outros.
Correndo por um corredor mais amplo, onde as celas metálicas já haviam desaparecido, avistou uma escada. Em forma de caracol, havia uma subida à direita e uma descida à esquerda. Seu primeiro impulso foi subir. Correu em direção à escadaria, mas, após dar os primeiros sete passos, quase caiu ao ver um desfiladeiro à sua frente. A escada estava quebrada, revelando os braços da escuridão que o levariam a uma morte rápida.
O coração do garoto disparou ao encontrar a escuridão. Não conseguia ver onde estava o próximo degrau, se conseguiria alcançá-lo com um salto ou se tudo acima estava destruído.Desesperado com medo de ficar encurralado pelas criaturas, decidiu dar meia-volta.
Descendo a escadaria depressa — quase se jogando pelos degraus — conseguiu ver os vultos carmesim borbulharem de dentro das armaduras do que ele acreditava um dia terem sido humanos. Eles o encaravam com olhos carmesins. O medo, que preenchia sua mente, novamente tomou forma.
Um tentáculo com uma boca na extremidade — similar àquela que havia mordido seu ombro, arrancando parte de sua carne — impulsionou-se em sua direção.
Os olhos do garoto esbugalharam ao ver os dentes serrilhados se aproximando de seu rosto. Porém, seu corpo ágil foi mais rápido, jogando-o para a direita, caindo escadaria abaixo.
Os degraus de pedra batiam contra seu corpo e tocavam o ombro machucado. Ezkiel rolava toda a escadaria sem conseguir parar, apenas tentando proteger, o máximo possível, o ferimento aberto. Sua mente ainda não raciocinava o que estava acontecendo. O mundo girava ao seu redor em extrema escuridão, enquanto a dor pulsava entre sua costela e membros.
As correntes, ainda presas ao seu corpo, se entrelaçavam, causando um enorme estrondo metálico que uivava pelos corredores da prisão como um sino de alerta.
Um grande estrondo final soou quando Ezkiel bateu de costas contra uma parede de pedra, de frente para um enorme corredor escuro. Sua visão estava turva, mas começava a se acostumar com a escuridão.
A dor, que há pouco enraizava-se apenas no ombro direito, agora pulsava por todo o corpo. O prisioneiro estava coberto de hematomas pela longa descida.
Ainda incrédulo, olhou para trás, tentando entender quanto havia descido nas escadarias, mas só conseguia perceber o som distante das criaturas.
Desesperado, banhado em sangue, embutido pela dor, Ezkiel começou a se levantar. As correntes em seus braços e pescoço estavam rodeadas ao redor do corpo, inibindo parte de seus movimentos. Com dificuldade, moveu os braços, parecendo uma múmia antiga presa em trapos metálicos. Porém, não havia tempo para pensar nisso agora. Precisava fugir o mais rápido possível daquelas criaturas.
Antes de começar a correr, uma consciência leve de seu ser pulsou em meio ao estado frenético:
A adaga!
Deu meia-volta, olhando próximo ao local de sua queda, à procura da faca que havia perdido. Por sorte, sentiu a peça metálica próxima aos pés descalços, quase o cortando.
Ajoelhou-se, sentindo todo o corpo tremer de dor, e pegou a adaga. A lâmina ainda parecia a mesma: surrada e arranhada por uma longa jornada de combates — uma leve queda não a quebraria.
A adaga era muito semelhante ao prisioneiro que a empunhava.
Olhando para o corredor escuro à sua frente, seguiu sem pestanejar. Os ferimentos o faziam mancar; a dor era presente em todo o corpo, transbordando por cada gota de sangue que banhava suas correntes. Mas Ezkiel não podia parar. O medo de morrer uivava em seus ouvidos como um comando.
O corredor era mais largo do que o da cela. Havia várias lamparinas apagadas pelas laterais, intocadas por muitos anos, cobertas pela poeira acumulada. A pedra era antiga, porém lisa. A falta de umidade simbolizava que havia pouca deterioração vinda do ambiente externo.
Ezkiel não era uma pessoa muito detalhista, mas a diferença era nítida mesmo na escuridão.Algo era diferente nesse andar.
Ao se aproximar do final do corredor, notou um grande portão metálico preenchendo toda a parede — com pelo menos cinco metros de comprimento e três de altura. Símbolos de ocultismo rodeavam seu contorno, algo que Ezkiel nunca havia visto antes, apenas nos filmes e jogos de que sua namorada gostava.
Os detalhes foram feitos minuciosamente, como uma escultura em metal. Cada desenho simbolizava algo que Ezkiel não conseguia decifrar.
Ao fixar os olhos nos símbolos, uma dor de cabeça lacerante adentrou em sua mente — como uma espada enfiada em seu cérebro. A dor era tanta que mal conseguiu se manter em pé. A saliva convulsionou em sua boca, enquanto imagens do portão piscavam em sua mente como flashes de uma câmera.
Sem aguentar, caiu sobre o solo, desesperado, colocando as mãos sobre a cabeça.As imagens não passavam — repetiam-se em um looping caótico que fritava seu cérebro, corroendo sua mente.
Algo que humanos comuns nunca deveriam ver.
Socorro... Aonde eu vim parar?
Pensou em meio à dor extrema que explodia em sua mente.
Tudo o que havia passado até ali — o espanto de estar preso, a escolha entre tirar a própria vida, o medo de ser morto por aquelas criaturas horrendas, até chegar a esse portão, em uma prisão esquecida — era demais para um garoto comum, que só queria dormir com sua namorada, esperando que as quadras de jogos se abrissem após o inverno.
Mas ele estava resistindo.
As pulsações de imagens estavam desacelerando. Os símbolos à sua frente começavam a desaparecer mais lentamente. Mesmo sem entendê-los, podia notar seus detalhes:setas que se dividiam em milhares, unindo-se em forma de um grande círculo;runas aleatórias que formavam letras, que se modificavam em espirais vertiginosas;e por último, um grande risco central, repleto de símbolos semelhantes a rachaduras.
Ezkiel se pôs de pé, repleto de raiva e agonia pela dor extrema. Puxou sua adaga sem pensar e começou a desferir golpes desesperados no risco central, poluindo todas aquelas belas runas — que não deveriam ser vistas por homens comuns — com arranhões.
Antes de retomar a consciência, no excesso de raiva despejada na parede metálica, ele ouviu o barulho das criaturas se aproximando pelo corredor. Os olhos carmesins surgiam na escuridão para terminar o serviço.
Os vultos vermelhos correram em sua direção.
Ezkiel, desesperado, puxou a adaga para mais próximo do corpo, encostando as costas contra a parede metálica — quando um estrondo ocorreu.
O apoio em suas costas começou a descer, abrindo uma nova ala ao corredor.
Uma presença estranha adentrou o ambiente, enquanto o portão descia ao solo. Todos os pelos do corpo de Ezkiel se arrepiaram. Uma pressão invadiu seu estômago, apertando todos os órgãos.
Entretanto o mais aterrorizante foi ver que as duas criaturas que o perseguiam pararam de se mover, vibrando seus tentáculos com um sentimento que o garoto conhecia muito bem nesse sonho:
Medo.