.11. Entre Risos e Silêncios

As três batidas firmes na porta ainda ecoavam pelo quarto quando girei a maçaneta com cautela. Meu coração martelava contra o peito, ainda sob o impacto das palavras de Mike congeladas na tela. A silhueta no corredor parecia indefinida à luz fraca, até que Clara surgiu com seu brilho habitual nos olhos — e, para minha total surpresa, um sorriso largo no rosto, como se o mundo não estivesse desmoronando.

— Eu sei que é tarde, mas você precisa saber disso agora — sussurrou, entrando antes mesmo que eu pudesse reagir. — Vai ter confraternização amanhã à noite. No terraço! Com música, comida, luzes… tudo! Parece que alguém lá em cima percebeu que a gente precisa de um descanso antes de surtar de vez.

Fechei a porta atrás dela, ainda processando a mudança abrupta de clima.

— Clara, você percebe que eu acabei de assistir a um vídeo da minha mãe revelando que toda a minha vida é uma mentira, né? — falei, sentando na beira da cama. — E você vem aqui vender festa?

— Sim. Porque entre uma conspiração e outra, você ainda é humana, Luna. E precisa respirar. E comer. E dançar um pouco, mesmo que seja só pra disfarçar o colapso mental.

— Claro, porque nada cura melhor um colapso nervoso do que comida, bebida, música e luzes penduradas.

Ela sorriu, sentando ao meu lado.

— E… sinceramente? Tô louca pra ver o Kai usando algo que não envolva couro preto, sangue ou códigos de segurança. Vai ser a primeira vez que a gente vai poder ficar juntos sem a sombra de uma explosão iminente.

Suspirei, sem esconder um leve sorriso.

— Então é isso… a revolução pode esperar. O amor adolescente, não. Só não esqueça que a adolescência ficou pra trás, amiga. Pode chamar o gato para uma brincadeira mais interessante.

— Exato. E nem adianta tentar fugir. Dante vai estar lá também. E você sabe que ele fica ainda mais irresistível à luz das lanternas de papel, com aquela vibe de shadow daddy. Já o Theo, estou curiosa para ver vocês depois da interação no laboratório.

Revirei os olhos, mas meu coração deu um salto involuntário.

— Ótimo. Festa, tensão emocional, ciúmes e uma guerra secreta. Cetus sabe mesmo como organizar eventos.

Clara deu de ombros e riu.

— Bem-vinda ao clube. Agora tenta dormir. Amanhã a gente conquista corações… ou pelo menos mais informações.

Na noite seguinte, o terraço da academia parecia outro mundo. Lanternas flutuantes, mesas improvisadas com doces suspeitos e uma trilha sonora que misturava batidas eletrônicas com violino clássico. Leo, como sempre, estava no centro das atenções, dançando como se ninguém estivesse assistindo — mesmo com metade da academia observando.

— Bem-vinda ao baile da desgraça disfarçada de confraternização — murmurou Clara ao meu lado, vestindo um macacão justo que certamente faria Kai esquecer o próprio nome.

— No mínimo é uma boa distração antes da próxima bomba explodir. Literal ou emocional — retruquei, pegando uma bebida com gosto de frutas e ironia.

Do outro lado do terraço, Theo conversava com alguns instrutores, mas seu olhar não me deixava por um segundo. Já Dante estava encostado numa coluna, camisa preta parcialmente aberta, braços cruzados, olhar fixo — em mim. E quando nossos olhos se encontraram, entendi que aquela noite não seria uma simples festa.

Clara riu, percebendo tudo.

— Os irmãos Blaze deviam ser tema de seminário: Como criar tensão sexual com um olhar e destruir sua sanidade emocional em três atos.

— E pensar que eu só queria resolver os mistérios que me envolvem e voltar para a Terra. Agora, nem sei mais quem sou exatamente.

Antes que eu pudesse responder, Leo apareceu com dois copos.

— Bebam, damas! Antes que a festa vire interrogatório. E Luna, cuidado: tem uma votação informal sobre quem vai dançar com você primeiro.

— Ah, ótimo. É só o que me faltava. Uma enquete do Sentinela em Foco.

Dante:

Ela estava ali. Rindo, se mexendo com leveza, e mesmo assim com aquele olhar que escondia mil tormentas. Luna era um caos silencioso, um perigo irresistível. E eu odiava o quanto precisava estar perto dela.

Theo passou por mim e me deu um leve empurrão de ombro.

— Não vai se juntar a nós?

— Estou bem aqui — respondi.

— Você sabe que não vou desistir, não é mesmo?

— E desde quando eu falei para você desistir? — retruquei na mesma intensidade.

— Só quero deixar isso claro — disse Theo, me olhando no fundo dos olhos, para que eu entendesse a força das suas palavras.

Theo se afastou antes que eu respondesse. A tensão entre nós estava insuportável. Eu o amava — ele era meu irmão, meu espelho — mas havia algo em Luna que me desequilibrava. Ela me fazia querer ser alguém que eu nem reconhecia. E o problema é que eu não queria deixá-la ir.

Mesmo que significasse desistir do mundo. Mesmo que isso me quebrasse. Eu estava disposto a enfrentar tudo para estar com ela, para mantê-la segura.

Luna:

Dante surgiu ao meu lado sem aviso.

— Você dança?

— Só quando o mundo não está prestes a acabar.

Ele estendeu a mão. — Então acho que essa é nossa última chance.

Relutante, aceitei. E quando nossas mãos se tocaram, senti tudo. A tensão, o desejo contido, a dor de quem carrega muito sem dizer nada. Ele me puxou para o centro do terraço e, pela primeira vez, dançamos.

Era um silêncio confortável, até ele dizer, bem baixo:

— Eu te vi. No laboratório. Antes do Theo.

— Você me seguiu?

— Eu me preocupo com você. Sei que está tentando esconder informações para proteger todos ao seu redor.

Sorri, amarga.

— Não tem motivos para vocês se ferrarem junto comigo. Você sabe que existem grandes chances de eu não sair viva disso tudo.

— Não existe a menor chance de eu te deixar sozinha nisso. E só existe uma forma de você não sair viva dessa história: para isso, eles terão que me matar primeiro — disse Dante, olhando nos meus olhos. Então ele se aproximou ainda mais, encostando a boca no meu ouvido, e falou quase em um sussurro: — E a única pessoa que tem o poder para me matar nessa vida é você, Luna.

A música terminou, e ele se afastou com os olhos cravados nos meus. E eu? Fiquei ali, tentando entender como sobreviver entre dois incêndios.

Mais tarde, naquela noite, Clara — risonha por causa do Kai — me puxou pelo braço.

— Descobrimos mais uma coisa. O nome corrompido que apareceu nos arquivos? — Clara olhou para os lados e sussurrou: — É o codinome de um agente que desapareceu há anos. Um tal de Draco.

— Draco? — repeti, tentando lembrar onde já tinha ouvido esse nome.

— Kai está tentando recuperar os dados, mas parece que alguém está apagando tudo.

Antes que eu pudesse reagir, meu telefone vibrou com uma nova notificação anônima:

“Você ainda tem tempo para desistir. Draco está mais perto do que imagina.”

Olhei ao redor. Os risos, as luzes, as danças… e no meio disso tudo, o perigo rondava, disfarçado de festa.

Mas eu não ia desistir.

Me aproximei e falei sussurrando para Clara:

— Ele está aqui — e mostrei a tela com a mensagem para ela.