Luna:
O frio da madrugada parecia mais intenso enquanto eu, Clara e Kai atravessávamos os corredores silenciosos da academia. O endereço decifrado da carta pulsava em minha mente, como se cada passo me aproximasse de um segredo capaz de mudar tudo. Paramos diante de uma tapeçaria antiga. Minhas mãos tremiam ao encaixar o medalhão no entalhe quase invisível. O clique da porta secreta soou como um convite — e um aviso.
O laboratório era um relicário de segredos. Poeira, arquivos empilhados, aparelhos antigos, uma mesa cheia de papéis e um terminal de vídeo coberto por uma fina camada de pó. Senti um frio na barriga, como se estivesse invadindo um santuário proibido. Clara já vasculhava gavetas com aquela energia inquieta, enquanto Kai examinava os sistemas de segurança, desativando alarmes com um sorriso satisfeito.
— Olha isso… — Clara murmurou, puxando um envelope com “Selene Vale” escrito à mão. O nome da minha mãe, finalmente revelado, parecia preencher um vazio dentro de mim. Toquei o envelope com reverência, sentindo uma saudade que eu nem sabia que existia.
Kai sugeriu que eles dessem uma olhada no corredor, “só para garantir que ninguém está vindo”. Clara aceitou de imediato, os dois trocando um olhar que dizia muito mais do que qualquer palavra. Fiquei sozinha no laboratório, o silêncio pesando sobre mim como um cobertor espesso.
Enquanto esperava, meus pensamentos giravam em torno de tudo que havia acontecido. O nome da minha mãe, Selene, o diário surrado, o medo de que qualquer pista pudesse me levar mais longe — ou mais perto — da verdade. Vasculhei a mesa, encontrei um drive de vídeo e, com as mãos trêmulas, encaixei-o no terminal. A imagem era granulada, mas reconheci minha mãe conversando com Mike. A data no canto da tela me fez estremecer: dois anos antes da morte dele — exatamente quando Mike e eu começamos a namorar.
Ver Mike ali, ao lado de Selene, minha mãe, me deixou com uma sensação estranha. O olhar dele estava diferente, mais sombrio, distante daquele homem que, na época, parecia tão apaixonado e protetor comigo.
Selene estava tensa, olhando para Mike de um jeito que nunca havia visto.
— Mike, precisamos ser discretos. Se alguém descobrir que Luna está viva, tudo estará perdido. Você sabe o que está em jogo.
Mike respondeu, a voz baixa, carregada de algo que eu nunca havia percebido:
— Eu sei, Selene. Mas não posso mais viver assim, mentindo para todos. Você realmente confia em Magnus? Ele não é o único de quem precisamos ter medo.
Selene hesitou, a tensão crescendo no ar.
— Não enquanto não soubermos de que lado ele está. Promete que vai proteger minha filha, aconteça o que acontecer?
— Eu prometo, Selene. Por você e por ela — disse Mike, mas havia algo em seu olhar, algo frio, que me fez estremecer. Pela primeira vez, percebi que talvez eu nunca tenha conhecido o verdadeiro Mike.
O vídeo cortou, me deixando com mais perguntas do que respostas. Meu peito doía de uma forma nova, como se uma peça fundamental da minha história estivesse se encaixando — mas de um jeito que ameaçava tudo que eu acreditava.
Fui arrancada dos meus pensamentos pelo som de passos apressados. Theo surgiu na porta, o olhar intenso e decidido.
— Por que você não me avisou? — ele perguntou, a voz baixa, mas firme. Havia algo diferente nele, uma certeza inabalável.
— Eu… não queria te colocar em risco — respondi, tentando manter o controle. Mas o jeito como ele me olhava me desmontava.
Theo se aproximou, os olhos fixos nos meus. Ele tocou meu braço, subiu a mão até minha nuca, e senti um arrepio.
— O verdadeiro risco seria não lutar por você, Luna. Eu sei o que sinto, e não vou fugir disso. Não quero ficar de fora da sua vida. Não vou.
A intensidade dele me desarmou. Por um instante, achei que ele fosse me beijar. Fechei os olhos, sentindo o coração disparar, mas recuei no último segundo, confusa com tudo que sentia. Theo segurou meu rosto com as duas mãos, firme, mas carinhoso.
— Me promete que não vai mais me deixar de fora. Eu preciso estar com você, aconteça o que acontecer.
Assenti, sem conseguir dizer nada, e ele me puxou para um abraço forte, como se quisesse me proteger do mundo inteiro.
Clara:
O corredor estava escuro, mas o calor do corpo de Kai contra o meu era impossível de ignorar. O perigo me deixava alerta, mas com ele por perto, tudo parecia possível. Quando ele me encostou na parede e me beijou, senti o mundo girar. As mãos dele na minha cintura, os lábios explorando meu pescoço… Eu queria mais, queria me perder naquele momento, esquecer dos segredos e das ameaças, ser só desejo e pele.
— A gente devia voltar — sussurrei, mas não me afastei.
— Só mais um minuto — ele pediu, a voz rouca, e eu cedi, rindo baixinho enquanto nossos corpos se encaixavam. O calor era quase insuportável, mas sabíamos o limite. Quando voltamos, eu estava corada e sorrindo, e só conseguia pensar em quando teria outra chance de tê-lo só para mim.
Luna
Quando Clara e Kai voltaram, estavam diferentes — mais conectados, mais leves. Senti uma pontada de inveja daquela simplicidade, daquele desejo sem medo. Reunidos novamente no laboratório, Clara me contou, animada mas preocupada:
— Luna, alguém mexeu nos registros da academia ligados a você e à sua mãe. E encontramos um nome novo, mas o arquivo está corrompido.
Antes que pudéssemos investigar mais, uma mensagem anônima apareceu no monitor:
“Volte atrás. Ou você será a próxima.”
O frio percorreu minha espinha.
No dia seguinte, Magnus me chamou para uma conversa particular. O escritório estava escuro, apenas a luz da manhã filtrava pelas persianas. Sentei em frente a ele, sentindo o peso do momento.
Magnus estava sério, a expressão dura.
— Luna, você está mexendo com forças que nem imagina — começou, a voz grave. — Selene era extraordinária, mas fez muitos inimigos. Nem sempre a verdade é o melhor caminho.
— O que você sabe sobre Mike? — perguntei, tentando manter a voz firme.
Ele hesitou, então respondeu:
— Mike era leal à sua mãe, mas também tinha seus próprios segredos. Ele tentou protegê-la, mas nem sempre conseguimos salvar quem amamos. Às vezes, o destino cobra um preço que nem os pais estão dispostos a pagar.
Senti um nó na garganta ao ouvir Magnus falar de Selene com tanto afeto.
— Você amava minha mãe, não amava?
Ele desviou o olhar, a voz quase um sussurro:
— Mais do que deveria.
O silêncio entre nós foi denso, só quebrado pelo som distante de passos no corredor.
Naquela noite, já no quarto, recebi um novo vídeo no tablet. Meu coração disparou ao reconhecer a voz da minha mãe:
— Se ele descobrir que Luna está viva, tudo estará perdido.
Mas, dessa vez, a imagem congelou no rosto de Mike. Seus olhos, antes tão familiares, agora pareciam frios e calculistas.
Por um instante, tive a sensação de que ele olhava diretamente para mim, como se soubesse que um dia eu veria aquilo.
Antes que eu pudesse respirar fundo, um som seco ecoou pelo quarto: três batidas firmes na porta.
Meu corpo inteiro ficou em alerta. Levantei devagar, cada passo pesado, e girei a maçaneta.