A estrada de volta à cidade era longa e silenciosa. Mas não de um silêncio ruim. Era daqueles carregados de pensamento e lembrança boa - da chuva, da cama, do café, do quase beijo.
No banco do passageiro, Laura olhava pela janela como se o vidro mostrasse nais do que paisagem.
- Você dirige feito quem doma cavalo selvagem - comentou, tentando esconder a voz falha.
- E você sente falta como quem nunca aprendeu a admitir - respondeu Rafaela, sem tirar os olhos da estrada.
O carro se encheu de riso abafado. E tensão contida.
Chegando à cidade, Rafaela encostou o carro na frente do prédio de Laura.
-Deixo você aqui. Tenho que resolver algumas coisas na clínica e depois...
- Depois?
- Depois preciso voar para uma fazenda do interior.
As chuvas foram mais violentas do que imaginavamos. Gado morto, curral alagado... Eles precisam de mim.
- Eu posso ir com você - disse Laura, no inpulso.
- E perder a pose de mulher que não se apega?
Laura riu.
Mas por dentro, algo já estava doendo antes mesmo de Rafaela partir.
VETERINARIA
Rafaela passou rapidamente pela clínica. Vitor, o auxiliar, já aguardava com planilhas e atualizações.
- Você cuida de tudo. Alimentação, medicamentos, atendimento emergencial.
E nada de tentar imitar minha receita de chá calmante. Você erra na canela.
- Vai demorar? - perguntou Vitor.
- Não sei. Só sei que preciso ir.
- E a Laura?
- Ela fica. Mas não sai do pensamento.
TRÊS DIAS DE SILÊNCIO
Laura checou o celular pela milésima vez.
Uma curtida num post antigo no X. Uma figurinha no grupo das amigas.
Nada de Rafaela.
No jornal do meio - dia, imagens aéreas da fazenda afetada: lama, vacas resgatadas, helicópteros.
E, no canto da tela, ela.
De jaleco, molhada, gritando ordens, salvando vidas.
Laura apertou o peito, sem perceber.
- Por que isso está me afetando tanto?
Na noite do segundo dia, mandou uma mensagem:
Esta tudo bem aí? Eu... pensei em você umas cinquenta vezes hoje.
Status: visualizada.
Nenhuma resposta.
No terceiro dia, Laura sonhou com Rafaela.
E acordou com a mão esticada na cama.
Vazia.
Mariana apareceu no apartamento.
- Você parece alguém que levou um fora de um casamento que nem aconteceu.
- Eu não levei fora. Ela só... sumiu.
- Esta apaixonada, né?
- Laura hesitou. Depois sorriu triste.
- Não sei. Só sei que quando ela não responde, eu fico menos eu.