Capitulo 8 - ENTRE TAPETES VERMELHOS E TERRA MOLHADA.

Rafaela chegou no evento como quem nunca tivesse sumido.

Blazer azul claro, sorriso que causava calor em ambientes com ar- condicionado e olhos que atravessavam multidões até encontrar os de Laura.

- Oi, sumida - disse Laura, sem conseguir esconder a ironia apaixonada.

- Oi, esquecida - respondeu Rafaela. - Nunca fui embora de verdade

E nesse reencontro de poucas palavras e olhares longos, o mundo pareceu apertar o pause.

Os flashes começaram.

O evento beneficiente LGBTQIA+ estava lotado de gente importante, colunistas e curiosos.

Laura segurava o braço de Rafaela como quem queria que ela não escapasse.

Mas o destino é irônico.

A EMERGÊNCIA

Rafaela recebeu a ligação no meio de uma entrevista:

- Aras Morro do Gavião. Emergência. A égua Princesa entrou em trabalho de parto e está com complicações.

Ela olhou para Laura.

- Eu tenho que ir. Agora.

- Então vai. Mas eu vou junto.

- Tem certeza? Vai sujar esse vestido aí.

- Melhor sujar o vestido do que ficar limpa de você.

Entraram no carro ás pressas.

O motorista se atrapalhou com o GPS, e Laura usou o próprio celular para guiar o caminho.

O salto foi trocado por botinas emprestadas.

O vestido por uma camisa de flanela do funcionário do aras.

E Laura, sem perceber, já estava dentro do mundo de Rafaela - e não queria mais sair.

ARAS MORRO DO GAVIÃO.

A noite estava úmida 

O cheiro de feno e adrenalina misturado no ar.

Laura ficou observando á distancia, atrás de uma cerca, enquanto Rafaela deitava no chão de terra ao lado da égua, dava comandos firmes e fazia o impossível: ajudava o potro a nascer.

Uma cena linda, visceral.

E de algum modo, mais erótico do que qualquer evento black-tie.

Quando o potro finalmente nasceu, Rafaela se encostou num canto, suada, suja, e com os olhos brilhando.

- Você veio mesmo - disse ela, olhando para Laura.

- Eu vim porque, se é com você, então vale a pena sujar tudo.

Um funcionário passou por elas e comentou baixinho:

- Ela nunca deixa ninguem vir até aqui com ela. Você deve ser especial.

Laura ficou em silêncio.

Mas por dentro, o coração já assinava todos os contratos invisíveis que a vida estava escrevendo.

- Eu ainda não sei o que a gente esta fazendo - confessou Laura.

- Eu também não. Mas sei que quando você chegou hoje, tudo ficou mais leve.

- E quando você some, tudo pesa.

- Então talvez a gente tenha que parar de fugir.

Elas se encaram.

Sem beijo.

Mas com tudo que um beijo teria dito.

- Esta tarde. Fica aqui hoje - Sugeriu Rafaela , já com a voz mais suave que o habitual.

Laura hesitou.

- No quarto da égua ou você tem alojamento para humanos?

Rafaela riu.

- Tem um quarto de hóspedes. Com lençol limpo e travesseiro que não julga.

- Eu aceito. Mas só se vier com histórias antes de dormir.

No alojamneto, com cheiro de madeira, chá quente na caneca e o silêncio do campo, as duas se sentaram lado a lado na cama.

- Sempre quis ter irmãos - confessou Rafaela. - Ser filha única de um pai gigante te faz crescer com a sensação de que precisa dar conta de tudo.

- Seu pai é ...?

- Empresário. Daqueles que abrem impérios com um telefonema. Mas o que ele nunca entendeu é que alguns impérios também precisam de colo.

Laura segurou a xícara mais forte.

- A minha família é barulhenta. Meus pais são artistas. Eu cresci entre palcos e dívidas, mas com amor sobrando.

- Você foi amada?

- Fui. Mas nunca soube muito bem como amar sem me perder no outro.

Silêncio. Olhares.

- E agora? - Sussurrou Rafaela.

- Agora estou aqui. Na terra, no meio do nada, dormindo ao lado de uma mulher que me desconstrói com calma.

E dormiram assim.

Não com o corpo. Mas com as histórias.

E isso, de alguma forma, era mais íntimo que qualquer toque.