Ecos de Elyrion
O sol nascente banhava o horizonte com tons dourados quando o grupo avistou as muralhas de Elyrion. A Cidade de Vidro fazia jus ao nome: torres altas refletiam a luz como espelhos encantados, e seus portões reluziam em tom âmbar sob as defesas mágicas da guarda neutra. Elyrion era um santuário diplomático, onde guerras se calavam — ao menos oficialmente.
Kaela sentia o peso do Orun sob o manto. Desde o combate com o Lacrante, o cristal parecia ainda mais vivo, pulsando com uma cadência que afetava o próprio chão sob seus pés. Cada passo rumo à cidade trazia a ela a certeza de que os olhos do mundo agora estavam voltados para eles.
— Nada de ameaças aqui dentro — advertiu Sira, ao se aproximarem dos guardas. — Elyrion perdoa a resistência, mas não tolera desequilíbrio. Nem fogo demais... nem sombra demais.
Riven, ainda recuperando-se das feridas, assentiu com um meio sorriso.
— Então vou tentar não provocar nenhuma explosão. Por hoje.
Os portões se abriram após uma breve inspeção. O brasão de Elyrion, uma rosa feita de vidro trincado, decorava cada pilar de mármore. A cidade era um caleidoscópio de culturas e raças — magos, soldados errantes, estudiosos, curandeiros, e até mesmo representantes da Coroa, todos dividindo o mesmo espaço sob vigilância constante.
Lyra puxou Kaela pelo braço quando avistou a torre central.
— A Assembleia de Cristal está reunida. Se formos rápidos, talvez consigamos uma audiência antes que algum informante de Celenya chegue.
— Ou antes que decidam que somos mais uma ameaça — murmurou Riven.
A entrada da torre principal era ladeada por guardiões elementais — seres formados de água e vento, que apenas se moviam quando sentiam perturbações na magia. O grupo foi escoltado até o salão da Assembleia, onde cinco tronos de vidro colorido os aguardavam. Em cada um, um conselheiro representante de uma facção neutra do continente.
O mais velho, de pele acinzentada e olhos de prata, inclinou-se para frente.
— Vocês cruzaram os desertos. Despertaram o templo. Carregam algo que não era visto desde a Ruptura. Por que agora?
Kaela deu um passo à frente. O Orun flutuou em sua mão, revelado como um pequeno sol entre sombras.
— Porque o mundo está se partindo. E Celenya não vai parar até que tudo esteja consumido pela escuridão. Eu não vim pedir um trono, vim pedir tempo. Aliados. E uma chance de lutar.
Murmúrios se espalharam pelo salão. Um dos conselheiros — uma mulher de cabelos negros como tinta — levantou-se.
— Você é a herdeira da Chama? Prove que não é só mais uma centelha prestes a se apagar.
Kaela estendeu o braço. A espada Condutora surgiu, envolta em luz viva. O Orun respondeu, projetando um feixe que se espalhou pelo teto de cristal, desenhando símbolos antigos: mapas de guerra, alianças perdidas, nomes esquecidos.
— Eu não sou o que querem que eu seja. Mas sou o que precisam que eu seja agora.
Silêncio.
Então o mais velho se levantou.
— Uma convocação será feita. Os que ainda lembram da antiga aliança serão chamados. Mas saiba, garota da chama, que se falhar... não haverá outro Orun para tentar de novo.
Naquela noite, Elyrion não dormiu.
Mensageiros correram por becos. Portais foram ativados. A notícia se espalhava como o próprio fogo: a herdeira da Chama Vermelha estava viva. E tinha com ela o poder de despertar o Coração do mundo.
Kaela observava a cidade do alto de uma varanda. O vento trazia o cheiro de água doce e poeira antiga. Riven aproximou-se, trazendo duas taças de vinho âmbar.
— Não achei que me deixariam pegar isso da adega deles — comentou ele, entregando uma taça. — Mas acho que até eles estão curiosos com a garota que carrega um sol no peito.
Kaela sorriu.
— Eles têm razão de ter medo. Nem eu sei o que posso fazer com isso ainda.
— O importante é que você não quer usá-lo para dominar ninguém — disse Riven. — Só isso já te torna diferente de qualquer outro que chegou perto de tanto poder.
Ela o olhou nos olhos.
— E você? Por que ficou? Podia ter ido embora depois do templo. Tinha razões para isso.
Riven apoiou os cotovelos no parapeito.
— Porque entre todas as sombras que eu já atravessei... você foi a primeira luz que me fez parar de fugir.
Kaela se aproximou, e por um instante, o tempo pareceu pausar. O Orun brilhou entre eles, como se reconhecesse aquele instante.
Os lábios quase se tocaram — até o alarme soar.
Gritos vinham das torres inferiores. Um portal havia sido violado.
Sira surgiu correndo pelas escadas.
— Um emissário da Coroa entrou! Ele exige ver a portadora do Orun. Diz que traz... um aviso da própria Rainha.
Kaela respirou fundo. Pegou a espada. Escondeu o Orun sob o manto.
— Então que venha.