O Escolhido

Alguns anos depois de toda catástrofe acontecer, a Terra se encontra em uma era pós- apocalíptica. Cidades destruídas, problemas climáticos devastadores; a humanidade se inclina para as profundezas do abismo do fim. Mas ainda há u

ma luz, um tênue fio de esperança onde a ciência a segura com os dentes. Agora, para continuar a sobreviver, eles terão que usar tudo que têm até seus últimos recursos.

16 de Abril de 2006

Japão, região de San'in

Cidade de Hoshizoru (Antiga Tottori)

Toshiro Matsumo, um garoto de catorze anos, mora em um apartamento junto de sua mãe na cidade de Hoshizoru. A cidade foi totalmente criada para abrigar aqueles que conseguiram sobreviver ao grande inferno que passou pela Terra. Com seus imponentes muros e tecnologia avançada, a cidade consegue se proteger dos monstros que tentam atacar incessantemente. Na cidade também está localizada a primeira base militar científica da Univer X International Company, onde tudo começou.

O despertador toca estridente e Toshiro acorda num sobressalto, o coração acelerado. Com olhos pesados de sono e cabelos desgrenhados, ele se arrasta para fora da cama e vai diretamente para o banheiro. Entra na banheira enquanto a água morna vai preenchendo os espaços vazios ao redor de seu corpo. Ele fecha os olhos e relaxa, sentindo a tensão abandonar seus músculos. De repente, ouve alguém gritar seu nome ao fundo, a voz aumentando gradualmente até que ele escuta claramente:

SHIROOOOO! SAI DESSE BANHEIRO AGORA, VOCÊ TÁ ATRASADO!

Toshiro reconhece imediatamente a voz estridente de sua mãe. Ele suspira profundamente, os ombros caindo em resignação, e responde com voz arrastada:

Já tô indo, mãe.

Toshiro sai da banheira relutante, pega sua toalha, se seca rapidamente e veste seu uniforme escolar, ajeitando a gravata com dedos ainda desajeitados pelo sono. Em seguida, ele caminha para a cozinha e se senta à mesa para tomar café. Sua mãe o observa com uma expressão severa, as sobrancelhas franzidas e os lábios apertados em uma linha fina.

Shiro, você precisa acordar mais cedo, garoto. Não posso ficar te lembrando todos os dias.

Certo, certo, mãe — responde Toshiro distraidamente enquanto mastiga uma torrada, os olhos ainda semicerrados.

Ela o observa por alguns instantes, sua expressão suavizando gradualmente. Um leve sorriso maternal surge em seu rosto cansado, iluminando suas feições. Após Toshiro terminar seu café da manhã, ele se levanta da mesa, estica os braços num último bocejo e pega sua mochila, jogando-a sobre o ombro.

Bom, eu já vou indo, mãe — anuncia, caminhando em direção à porta.

Até mais, Shiro — responde ela enquanto lava a louça, a água correndo suavemente.

Tome cuidado e lembre-se que tem comida na sua mochila!

Toshiro caminha pelo corredor do apartamento em direção ao elevador. O ambiente é silencioso, quase opressivo em sua monotonia. Ele aguarda pacientemente o elevador chegar em seu andar, enquanto o vento que sopra pela cidade agita seus cabelos negros através da janela do corredor. Seus olhos seguem distraidamente os números no painel acima da porta do elevador, que sobem lentamente até que um "plim" suave anuncia a chegada.

As portas se abrem com um deslizar metálico e ele entra, apertando o botão para descer ao térreo. Antes que as portas pudessem se fechar completamente, uma mão delicada e pálida as impede. Toshiro ergue o olhar, confuso, até que as portas se abrem novamente e uma menina aparentemente da sua mesma idade entra no elevador.

Sua pele é branca como porcelana, contrastando com um cabelo liso que chega aos ombros, adornado com uma vibrante coloração vermelha nas laterais. Seu rosto tem traços delicados, quase angelicais, e por alguns instantes Toshiro não consegue desviar o olhar, sentindo o coração acelerar inexplicavelmente.

Finalmente, a porta do elevador se abre no térreo e, sem dizer uma palavra, a garota sai apressadamente, mas deixa cair algo no processo. Toshiro se abaixa rapidamente e pega o objeto, mas quando tenta chamá-la, as palavras ficam presas em sua garganta, a timidez o impedindo de emitir qualquer som. Ele sai do elevador e examina melhor o item que ela deixou cair.

Olhando com atenção, percebe que é um crachá da Univer X International Company. Seus olhos se arregalam em surpresa e ele pensa consigo mesmo, o coração batendo mais rápido:

Meu Deus, não era pra eu tá olhando isso. Mas se eu ver só o nome dela... Com dedos trêmulos, ele vira o crachá para ler o nome da garota

Mika Univer... Hmmm, como assim?

Toshiro franze a testa, confuso ao ver que o sobrenome da garota é "Univer". Para ele não faz sentido, já que traduzindo significa "Universo". Intrigado, ele guarda o cartão no bolso da calça e segue em direção ao colégio, os pensamentos ainda fixos na misteriosa garota.

Ao se aproximar da escola, ele avista Mika entrando e se dirigindo a uma sala de aula. Ele a segue discretamente e percebe, com um misto de surpresa e excitação, que ambos são da mesma sala. Ainda envergonhado demais para entregar o crachá, Toshiro se senta silenciosamente em uma mesa perto da janela, de onde pode observar o céu azul e as nuvens que passam lentamente.

A aula começa e todos se sentam em suas cadeiras, o arrastar dos móveis e o burburinho das conversas preenchendo a sala. Logo o professor entra, um homem de meia-idade com óculos redondos e postura ereta. Ele dá as boas-vindas a todos com um sorriso caloroso, seus olhos percorrendo a sala até pousarem em Toshiro.

Vejo que recebemos um aluno novo — anuncia, ajustando os óculos. — Por favor, se apresente!

Toshiro sente todos os olhares se voltarem para ele. Um calor sobe pelo seu pescoço até as orelhas, que ficam vermelhas como tomates. Ele se levanta lentamente, as pernas tremendo ligeiramente sob a mesa.

Meu nome é Toshiro, Toshiro Matsumo — diz ele, a voz saindo mais baixa do que pretendia.

E de onde você veio, Toshiro? — pergunta o professor, inclinando-se ligeiramente para frente, genuinamente interessado.

Eu... Eu morava em Tóquio — responde Toshiro, engolindo em seco, os dedos apertando nervosamente a borda da mesa.

O professor abre um sorriso nostálgico, seus olhos brilhando com memórias distantes.

Tóquio! Ah, a antiga Tóquio... — suspira ele, olhando para um ponto distante além da janela. — Eu me lembro bem, tinha a idade de vocês. Era a cidade onde todo mundo queria viver. Eu andava por aquelas ruas reluzentes, cheias de vida e cor...

Bem, vamos começar nossa aula — diz ele, virando-se para o quadro e começando a escrever.

Algumas horas se passam enquanto o professor explica o tema exposto no quadro. A luz do sol se move lentamente pela sala, criando padrões dourados no chão. Em alguns instantes, o alarme toca, anunciando o fim do período.

Ótimo, pessoal! Fim de aula por hoje! — declara o professor, fechando seu livro com um movimento suave.

O professor arruma suas coisas metodicamente e sai da sala, enquanto os alunos fazem o mesmo em uma confusão de vozes e movimentos. Toshiro organiza seus materiais e se levanta, caminhando em direção à porta. No entanto, ele nota que Mika ainda está na sala, debruçada sobre sua mochila, procurando algo freneticamente, o rosto contorcido em preocupação.

Na sala agora vazia, apenas os dois permanecem. Toshiro se lembra subitamente que ainda está com o crachá de Mika. Com o coração acelerado, ele se aproxima dela cautelosamente. No exato momento em que vai tirar o cartão do bolso, Mika, sem perceber sua presença, puxa uma lâmina afiada de sua mochila em um movimento rápido e preciso, apontando-a diretamente para o pescoço dele.

O metal brilha perigosamente sob a luz do sol que entra pela janela. Toshiro congela instantaneamente, o sangue gelando em suas veias. Ele começa a tremer involuntariamente, um riso nervoso e sem graça escapando de seus lábios enquanto lentamente puxa o crachá do bolso.

Eu só... só queria te devolver isso — gagueja ele, estendendo o cartão com dedos trêmulos, o suor escorrendo por sua testa.

Os olhos de Mika, inicialmente frios e calculistas, se suavizam ligeiramente ao reconhecer o objeto. Ela guarda a faca com a mesma rapidez com que a sacou e pega o crachá da mão de Toshiro, seus dedos roçando brevemente nos dele.

Hmmm, obrigada — murmura ela, a voz baixa e melodiosa, mas sem emoção aparente.

Sem mais palavras, ela se vira e sai rapidamente da sala, seus passos leves quase inaudíveis no piso. Toshiro solta o ar que nem percebera estar segurando, seus ombros relaxando visivelmente enquanto um suspiro de alívio escapa de seus lábios.

Recuperando-se do susto, ele se vira e caminha em direção à porta da sala que dá para o corredor. Ao chegar à entrada, depara-se com um homem estranho vestindo um terno impecavelmente preto, o rosto parcialmente coberto por uma máscara e óculos escuros que refletem a luz do corredor. O homem passa direto por Toshiro, como se ele fosse invisível, e entra em uma sala adjacente.

Assim que o misterioso homem desaparece pela porta, Toshiro murmura para si mesmo, a curiosidade superando momentaneamente o medo:

Que homem estranho... E cada coisa hoje em dia.

De repente, uma luz brilhante e intensa começa a emanar daquela sala, tão forte que Toshiro é forçado a cobrir os olhos com as mãos. A luz aumenta em intensidade, pulsando como um coração gigante, até que, sem aviso, tudo se transforma em uma explosão ensurdecedora.

A força da explosão arremessa Toshiro para trás, lançando-o de volta para dentro da sala de aula. Seu corpo colide dolorosamente contra uma carteira antes de cair no chão.

Nesse momento, a sirene da escola começa a ecoar pelos corredores, seu som estridente perfurando seus ouvidos. Através da porta aberta, ele pode ver vários alunos correndo desesperadamente para fora da escola, guiados por funcionários e professores que gritam instruções.

Lá fora, o professor de Toshiro percorre ansiosamente os rostos dos alunos evacuados, a preocupação evidente em sua expressão. Quando se dá conta de que Toshiro não está entre eles, o pânico toma conta de seu semblante. A polícia local já chegou e está isolando a área com fitas de restrição, mantendo os curiosos à distância.

Ainda tem um aluno lá dentro! — grita o professor desesperadamente para um policial próximo, apontando para o prédio em chamas. — Precisamos salvá-lo!

Nesse momento, um carro esporte vermelho, uma Ferrari 335 Spider reluzente, para abruptamente em meio à multidão. O ronco potente do motor silencia momentaneamente as vozes ao redor, e todos os olhares se voltam para o veículo. De dentro dele sai uma mulher deslumbrante, seus longos cabelos negros balançando suavemente com a brisa. Ela caminha com confiança até o professor, seus saltos altos

batendo ritmicamente no asfalto, enquanto observa o colégio em chamas com olhos analíticos.

Tem mais alguém lá dentro? — pergunta ela, sua voz firme cortando o ar como uma lâmina.

Sim! — responde o professor, as palavras saindo entrecortadas pela respiração ofegante. — Tem um aluno lá dentro, provavelmente ainda na sala dele!

Um policial corpulento se aproxima dela, bloqueando seu caminho com um braço estendido.

Desculpe, senhora, mas não posso deixá-la passar desta faixa — diz ele com autoridade, o rosto sério sob o capacete.

Sem hesitar, ela puxa um cartão do bolso de sua jaqueta de couro e o mostra ao policial. Os olhos dele se arregalam ao reconhecer o símbolo da Univer X International Company. Ele recua imediatamente, a postura mudando de autoritária para quase submissa.

Senhora é sua mãe — corrige ela com um sorriso irônico. — Meu nome é Nayomi.

Dentro do prédio em chamas, Toshiro finalmente consegue se levantar, sentindo uma tontura que o faz cambalear. Ele coloca a mão sobre o rosto para proteger-se da fumaça densa que já preenche o corredor. Com passos incertos, ele sai da sala e começa a andar pelo corredor, procurando desesperadamente uma saída enquanto partes do teto desabam ao seu redor com estrondos aterrorizantes.

À medida que avança, Toshiro percebe com crescente desespero que todas as saídas visíveis estão bloqueadas pelas chamas ou por escombros. Sem opções, ele se encosta em um armário metálico, o metal quente contra suas costas. Seu coração quase para quando avista uma criatura grotesca se aproximando lentamente pelo corredor.

A criatura tem a forma vagamente humana, mas completamente distorcida. Sua pele tem uma textura gosmenta e viscosa, de uma palidez doentia que parece absorver a luz ao redor. O ser possui apenas metade do corpo, da cintura para cima, e se arrasta pelo chão deixando um rastro brilhante como baba de lesma.

Toshiro sente o pânico tomar conta de cada célula de seu corpo. Seus músculos congelam, recusando-se a obedecer ao comando desesperado de seu cérebro para correr. Tremendo incontrolavelmente, ele observa impotente enquanto a criatura se

aproxima vagarosamente, o som viscoso de seu movimento quase inaudível sob o crepitar das chamas.

Quando a criatura chega perto o suficiente, ela estende um braço deformado em sua direção, o dedo alongado e gotejante apontando para a testa de Toshiro. Seus olhos se arregalam em terror absoluto, a respiração acelerada e superficial enquanto o suor frio escorre por seu rosto manchado de fuligem.

No momento em que parece que tudo está perdido, Nayomi surge como uma aparição salvadora, pisando com força na cabeça da criatura com seu salto agulha. Sob seu pé, a criatura se contorce brevemente antes de se transformar em uma massa pequena e mole, como gelatina derretida.

Toshiro olha para Nayomi, que examina a sola de seu sapato com uma expressão de desgosto.

Que droga, acabei de comprar esse salto semana passada. Foi tão caro! — lamenta ela, tentando limpar a substância viscosa na borda de um armário próximo.

Ainda atordoado, Toshiro se levanta com dificuldade, apoiando-se na parede para manter o equilíbrio.

Hmmm, quem é você? — pergunta ele, a voz rouca pela fumaça inalada.

Nayomi olha para ele com uma expressão impassível, quase entediada, como se estivesse em uma situação cotidiana e não em um prédio em chamas.

Sério, garoto? Você quer ir embora ou morrer aqui? — responde ela secamente, uma sobrancelha perfeitamente delineada se erguendo em questionamento.

Quero ir embora! — Toshiro responde rapidamente, a adrenalina fazendo sua voz sair mais aguda que o normal.

Nayomi examina rapidamente o corredor, seus olhos experientes avaliando a situação. Percebendo que todas as saídas convencionais estão bloqueadas pelo fogo que se alastra rapidamente, ela olha para uma janela no fim do corredor, seus lábios se curvando em um sorriso determinado.

Hora do plano B! Bora, garoto! — exclama ela, pegando seu telefone e discando um número com dedos ágeis.

Assim que a chamada é atendida, ela grita uma única palavra:

AGORA!!

Sem dar tempo para Toshiro processar o que está acontecendo, Nayomi agarra sua mão com força surpreendente. No mesmo instante, a parede no fim do corredor explode para dentro em uma chuva de concreto e poeira. Ela corre, puxando Toshiro consigo, e juntos saltam através da abertura recém-criada, o ar fresco atingindo seus rostos enquanto caem.

Todos os espectadores prendem a respiração coletivamente ao ver aquela cena cinematográfica: Nayomi e Toshiro emergindo de uma explosão, seus corpos momentaneamente silhuetados contra as chamas antes de caírem em direção ao solo. Por sorte, eles pousam em cima de um enorme colchão inflável que foi posicionado estrategicamente abaixo da janela.

A multidão irrompe em aplausos entusiasmados para Nayomi, a heroína do momento. No entanto, durante a queda, Toshiro acaba caindo desajeitadamente, seu rosto pousando diretamente sobre os seios de Nayomi. Ao perceber a posição comprometedora, ele fica instantaneamente vermelho como um pimentão, o embaraço tomando conta de seu ser. Ele se afasta dela como se tivesse levado um choque elétrico, gaguejando desculpas incoerentes.

Desculpa, desculpa! — repete ele freneticamente, desviando o olhar, mortificado.

Nayomi, por outro lado, parece mais divertida que ofendida. Ela olha para ele com um sorriso compreensivo, ajeitando casualmente a roupa.

Ah, tá tudo bem, garoto — diz ela com um dar de ombros despreocupado.

Uma risada feminina melodiosa ecoa próxima a eles. Toshiro vira a cabeça para ver uma mulher elegante se aproximando, vestida com um jaleco branco impecável de médica. Seus cabelos castanhos estão presos em um coque profissional, e seus olhos inteligentes observam a cena com divertimento.

Lá vem a chata! — murmura Nayomi, revirando os olhos dramaticamente.

A mulher de jaleco se aproxima com passos leves e graciosos, um sorriso caloroso iluminando seu rosto enquanto estende a mão para Toshiro.

Prazer, me chamo Doutora Akary, Akary Nagume! — apresenta-se ela, sua voz suave e reconfortante como um bálsamo após o caos.

Pra... Prazer, Dra. Akary. Me chamo Toshiro — responde ele timidamente, apertando a mão dela com dedos ainda trêmulos pela adrenalina.

Com um sorriso gentil, a Dra. Akary ajuda Toshiro a sair do colchão inflável, seus movimentos cuidadosos e profissionais. Ela o guia até a ambulância estacionada próxima, a mão em seu ombro transmitindo segurança.

Muito bem, Toshiro, vou fazer algumas análises em você, ok? No final vai ter um brinde — promete ela com um piscar de olho brincalhão, tentando acalmar o garoto ainda visivelmente abalado.

Toshiro concorda com um aceno de cabeça, ainda sem palavras para expressar tudo o que acabou de vivenciar. Enquanto isso, os bombeiros trabalham incansavelmente para apagar o incêndio que consome o colégio, jatos d'água poderosos cortando o ar em arcos prateados. As crianças são gradualmente encaminhadas para suas casas por professores e funcionários, o burburinho de vozes preocupadas preenchendo o ar.

Durante esse tempo, a Dra. Akary examina Toshiro meticulosamente, coletando uma amostra de sangue com habilidade que ele mal sente a agulha, e verificando se ele sofreu ferimentos. Para seu alívio, nada grave é constatado além de alguns arranhões e uma leve inalação de fumaça.

De repente, uma mulher irrompe através da multidão, o desespero evidente em cada linha de seu rosto. É a mãe de Toshiro, que corre em sua direção assim que o avista, os braços já abertos para envolvê-lo em um abraço sufocante.

Toshiro! Meu filho! — exclama ela, lágrimas de alívio escorrendo por seu rosto enquanto o aperta contra o peito como se temesse que ele pudesse desaparecer a qualquer momento.

Quando seus olhos encontram a Dra. Akary, no entanto, sua expressão muda drasticamente. O alívio dá lugar a algo próximo do pânico, misturado com uma raiva profunda e inexplicável. Ela puxa Toshiro pelo braço com força, afastando-o da médica, e diz em um tom cortante que não admite argumentos:

Fique longe do meu filho!!!

Nayomi, que observava a cena de perto, se aproxima da Dra. Akary com expressão perplexa diante da reação hostil. A médica, por sua vez, mantém a compostura profissional, embora um lampejo de reconhecimento e talvez tristeza passe brevemente por seus olhos.

Desculpe, Sra. Matsumo — diz ela simplesmente, a voz controlada e formal.

Toshiro nota imediatamente que a Dra. Akary conhece o sobrenome de sua mãe, um detalhe que o intriga profundamente. Antes que possa questionar qualquer coisa, sua mãe o puxa para longe, seus passos apressados e determinados. Ele olha para trás uma última vez, vendo Nayomi e a Dra. Akary observando-os partir antes de entrarem em um carro e deixarem o local do incidente. A mãe de Toshiro o levou rapidamente para o hospital mais próximo, seus olhos vigilantes examinando cada centímetro do filho em busca de ferimentos que os médicos pudessem ter deixado passar. Para seu alívio, nada

grave havia acontecido com ele. Após receberem alta, eles partiram para o metrô, a fim de pegar o trem que os levaria de volta para casa.

Eles entraram em um vagão parcialmente vazio e se sentaram em um banco próximo à janela. O som rítmico das rodas sobre os trilhos criava uma melodia hipnótica, enquanto pessoas de diferentes classes e aparências entravam e saíam nas estações, cada uma carregando sua própria história invisível. O ar dentro do vagão estava carregado de tensão, a expressão da mãe de Toshiro ainda rígida com preocupação e algo mais que ele não conseguia identificar.

Reunindo coragem, Toshiro quebrou o silêncio opressivo:

Hmmmm... Mãe, de onde você conhece a Dra. Akary? — perguntou ele hesitante, estudando o rosto dela em busca de qualquer reação reveladora.

O corpo dela enrijeceu visivelmente. Seus olhos, antes perdidos em pensamentos distantes, agora faiscavam com uma raiva contida.

Eu não conheço ela — respondeu secamente, as palavras saindo entrecortadas. — E nem sei como ela sabe meu nome!

A mentira pairou entre eles, quase palpável. Toshiro podia sentir que havia muito mais naquela história do que sua mãe estava disposta a compartilhar, mas decidiu não pressionar. Em vez disso, ele se acomodou no assento e encostou a cabeça no ombro dela, buscando o conforto familiar que sempre encontrava ali.

Sentindo a aproximação do filho, a expressão dela suavizou. Ela olhou para ele com ternura, um leve sorriso substituindo a tensão anterior em seu rosto. O resto da viagem transcorreu em silêncio, mas um silêncio mais confortável, embalado pelo movimento do trem e pelo calor compartilhado entre mãe e filho.

Finalmente, eles chegaram ao seu ponto de parada. Caminharam juntos pelas ruas iluminadas pelos últimos raios do sol poente até chegarem ao seu apartamento. Assim que entraram, a mãe de Toshiro foi diretamente para a cozinha, canalizando sua energia nervosa em preparar o jantar, enquanto ele se acomodava no sofá e ligava a televisão.

Na tela, um repórter de expressão séria falava sobre o incidente na escola. Toshiro aumentou o volume, inclinando-se para frente com interesse.

Hoje pela manhã, o Colégio Shinsei teve uma explosão em seu interior que resultou em um incêndio alarmante — relatava o homem com voz grave e profissional. — Segundo as informações oficiais, tudo foi causado por um vazamento de gás...

De repente, a tela escureceu. Toshiro se virou, surpreso, e viu sua mãe parada atrás dele, o controle remoto firmemente seguro em sua mão trêmula. Seus olhos, normalmente gentis, agora estavam duros como pedras.

Você deveria agradecer por estar vivo!! — exclamou ela, a voz carregada de uma emoção que parecia muito maior que a situação exigia.

As memórias do que realmente aconteceu inundaram a mente de Toshiro: o homem misterioso, a luz intensa, a explosão, e principalmente, aquela criatura grotesca que quase o tocou. A indignação cresceu dentro dele como uma onda.

Mãe, ele está mentindo! — protestou, levantando-se do sofá, os punhos cerrados. — Eu estava lá! Eu vi o que realmente aconteceu!

Ela o encarou, uma batalha interna claramente visível em seus olhos. Por um momento, pareceu que ela poderia ceder, que poderia finalmente compartilhar algum segredo guardado. Mas então, como uma porta se fechando, sua expressão se endureceu novamente.

Toshiro — disse ela, cada sílaba pronunciada com deliberada firmeza. — Eu não quero ouvir de novo essa conversa. Esqueça o que aconteceu!

Sem esperar resposta, ela girou nos calcanhares e voltou para a cozinha, deixando Toshiro sozinho com suas perguntas não respondidas e a crescente sensação de que havia muito mais nessa história do que ele jamais poderia imaginar. Ele permaneceu ali, olhando para a televisão desligada que refletia seu rosto confuso, tentando entender por que sua mãe estava agindo daquela forma tão estranha e defensiva.

A base da Univer X era uma maravilha de engenharia moderna, quase inteiramente subterrânea. Com uma profundidade que desafiava a imaginação e uma área extraordinária que se estendia como uma cidade oculta sob a superfície, o complexo era um labirinto de corredores, laboratórios e instalações de alta tecnologia. Na superfície, ocupava um espaço relativamente modesto – alguns prédios administrativos, áreas de lazer cuidadosamente projetadas para parecerem inofensivas, dormitórios para funcionários e, claro, a segurança ostensiva responsável pela vigilância constante do perímetro.

Era nos níveis subterrâneos, porém, que o verdadeiro coração da Univer X pulsava. Laboratórios equipados com tecnologia de ponta, salas de reunião blindadas, centros de pesquisa onde experimentos que desafiavam a própria compreensão humana eram conduzidos diariamente – tudo protegido por camadas e mais camadas de segurança que tornavam o local praticamente impenetrável.

O sol mal havia começado a iluminar o horizonte quando a Dra. Akary já estava debruçada sobre seu trabalho no laboratório principal da base da Univer X. O silêncio do ambiente era quebrado apenas pelo zumbido suave dos equipamentos e pelo ocasional clique de teclas enquanto ela analisava os resultados dos testes realizados com o sangue coletado de Toshiro.

Seus dedos ágeis dançavam sobre o teclado, inserindo comandos e parâmetros de análise, enquanto seus olhos atentos não perdiam um único detalhe das informações que surgiam na tela. Após finalizar a sequência de testes, ela aguardou com a respiração suspensa enquanto o computador processava os dados finais.

Um bipe suave anunciou a conclusão da análise. A impressora ao lado começou a trabalhar, o papel deslizando para fora com um sussurro. Akary o pegou com mãos que, apesar de anos de treinamento médico, não conseguiam esconder um leve tremor de excitação.

Seus olhos percorreram rapidamente o documento, absorvendo cada número, cada gráfico, cada anomalia destacada. À medida que compreendia o significado daqueles resultados, seus olhos se dilataram em espanto e suas mãos começaram a tremer mais visivelmente.

É ele... então é ele! — sussurrou para si mesma, a voz mal contendo a mistura de admiração e temor que a invadia.

Sem perder um segundo, a Dra. Akary guardou o relatório em uma pasta segura e saiu apressadamente do laboratório. Seus passos ecoavam pelos corredores vazios enquanto se dirigia ao elevador que a levaria até a sala do comandante, localizada nos níveis mais profundos da base.

O elevador desceu silenciosamente, cada andar passando como um borrão enquanto ela tentava organizar seus pensamentos, preparando-se para o encontro que estava prestes a ter. Quando as portas finalmente se abriram, ela foi recebida por um corredor escuro, iluminado apenas por luzes tênues embutidas no chão.

Ao final do corredor estava a sala do comandante – um ambiente vasto e intimidador, com um piso inteiramente espelhado que refletia o teto igualmente escuro, criando uma ilusão de infinito. O ar ali era notavelmente mais frio, quase gélido, como se a própria temperatura quisesse desencorajar visitantes.

No fundo daquela sala imponente havia uma mesa de design minimalista, quase imperceptível na penumbra. Sentado em uma cadeira alta atrás da mesa estava ele – o comandante. Sua silhueta era apenas uma sombra mais densa contra a escuridão, seu rosto completamente oculto pelas trevas artificiais que pareciam se concentrar ao seu redor.

A Dra. Akary se posicionou a alguns metros dele, mantendo uma postura impecável apesar do nervosismo que sentia. Uma luz no chão se acendeu subitamente sob seus pés, iluminando-a como um holofote em um palco vazio, tornando-a ainda mais vulnerável e exposta.

Comandante — começou ela, sua voz profissional mascarando sua agitação interna.

Encontramos ele. O garoto da profecia!

Houve um momento de silêncio absoluto, como se até mesmo o ar tivesse parado de circular. Então, uma voz masculina emergiu das sombras – grave, metálica e completamente desprovida de emoção, como se viesse de um abismo sem fundo.

Ótimo trabalho, Dra. Akary — disse o comandante, cada palavra precisa e calculada. — Já estava na hora de colocarmos tudo em prática.

Com um estalar de dedos que ecoou pela sala como um tiro, várias telas de computador se acenderam simultaneamente atrás do comandante, banhando a área em uma luz azulada e fantasmagórica. As telas exibiam imagens de câmeras de segurança em tempo real, mostrando diferentes áreas da base e da cidade acima. No centro, diretamente acima da cabeça do comandante, uma tela maior exibia apenas a imagem congelada do logotipo da Univer X – um globo estilizado atravessado por um raio de luz.

A Dra. Akary sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Apesar de anos trabalhando para a organização, momentos como este ainda a faziam questionar em que exatamente ela havia se envolvido.

O Restaurante Oban era um estabelecimento acolhedor que combinava a tradição japonesa com toques modernos. O aroma de especiarias e carne grelhada preenchia o ar, fazendo o estômago de Toshiro roncar em antecipação assim que eles cruzaram a porta de entrada.

Boa noite! Bem-vindos ao Oban! — saudaram os funcionários em uníssono, curvando- se ligeiramente com sorrisos genuínos.

Toshiro e sua mãe retribuíram a saudação e foram conduzidos a uma área mais reservada do restaurante, onde mesas baixas eram cercadas por tatames confortáveis. Eles se sentaram no chão macio, de frente um para o outro, com a mesa entre eles. O

ambiente era iluminado por lanternas de papel que emitiam uma luz suave e aconchegante, criando sombras dançantes nas paredes decoradas com pinturas tradicionais.

Um garçom de aparência jovial se aproximou, bloco de notas em mãos.

Boa noite, posso anotar o pedido de vocês? — perguntou ele, inclinando-se respeitosamente.

A mãe de Toshiro sorriu, já tendo decidido o que pedir.

Claro, vamos querer o melhor da casa: Galbi! — declarou ela com confiança. O rosto do garçom se iluminou com aprovação.

Com certeza, senhora! Um Galbi saindo pra já! — confirmou ele entusiasticamente antes de se afastar para preparar o pedido.

Enquanto aguardavam, mãe e filho continuaram sua conversa, o ambiente íntimo do restaurante proporcionando um espaço perfeito para confidências.

Como está se sentindo agora? — perguntou ela, seus olhos estudando o rosto do filho com atenção maternal.

Toshiro sorriu, sentindo-se verdadeiramente relaxado pela primeira vez naquele dia.

Bom, feliz e com fome! — respondeu ele com uma risada leve, esfregando a barriga dramaticamente.

Ela riu da pantomima, seus olhos brilhando com afeto.

Sua fome vai ter que esperar um pouco, mas fico feliz que meu filho esteja feliz.

Por um instante, seu olhar se perdeu em algum ponto distante, e um suspiro quase imperceptível escapou de seus lábios. Toshiro, sempre atento às mudanças de humor da mãe, inclinou a cabeça em questionamento.

Por que suspirou, mãe?

Ela voltou de seus pensamentos, um sorriso nostálgico suavizando suas feições.

Eu lembrei de quando eu e seu pai íamos a um restaurante no fim do expediente — explicou ela, a voz tingida com uma doçura melancólica. — Não era exatamente um restaurante, era um trailer que vendia cachorro-quente.

Os olhos de Toshiro se iluminaram com interesse. Qualquer menção ao pai, por mais casual que fosse, era como um tesouro raro que ele colecionava avidamente.

A senhora poderia me levar um dia nesse trailer — sugeriu ele esperançoso. Ela riu suavemente, balançando a cabeça.

Bom, se ainda existir — respondeu ela, os olhos distantes novamente. — Apesar de que aquele trailer rodava quase o país inteiro.

Nesse momento, o garçom retornou com uma bandeja carregada. Ele colocou habilmente sobre a mesa uma grelha portátil, pratos de acompanhamentos coloridos, e uma travessa com finas fatias de carne marmorizada que brilhavam sob a luz das lanternas. O aroma que se elevava era tão tentador que Toshiro sentiu a boca se encher d'água instantaneamente.

Com movimentos precisos, eles colocaram as fatias de carne sobre a grelha quente, o chiado satisfatório e o aroma intensificado preenchendo seu pequeno espaço. A mãe de Toshiro pediu bebidas, que o garçom prontamente trouxe – um refrigerante para Toshiro e um chá verde para ela.

Enquanto comiam, a conversa fluía naturalmente, passando de tópicos leves como programas de TV e histórias da escola para memórias compartilhadas de tempos mais simples. Toshiro se deliciava não apenas com a comida deliciosa, mas também com esses momentos preciosos com sua mãe, sentindo-se completamente feliz apesar das perguntas sem resposta que ainda pairavam no fundo de sua mente sobre seu pai.

Quando finalmente terminaram de comer, Toshiro recostou-se, a barriga agradavelmente cheia.

Eu nunca comi tanto como hoje! — declarou ele com satisfação, passando a mão sobre o estômago.

Sua mãe riu daquela risada doce e confortável que ele tanto amava.

Muito bem, garotão. Hora da gente ir embora — anunciou ela, já procurando a carteira na bolsa.

Ambos se levantaram, e a mãe de Toshiro pagou a conta, agradecendo ao garçom pelo excelente serviço. Ao saírem pela porta do restaurante, o ar fresco da noite foi uma bem- vinda mudança após o ambiente aquecido do interior.

Na calçada em frente ao restaurante, Toshiro notou um vendedor ambulante cercado por uma pequena multidão. Aproximando-se um pouco, ele viu um pai comprando uma pulseira com os dizeres "Te amo" para seu filho pequeno, que observava a transação com olhos arregalados de excitação.

A mãe de Toshiro percebeu seu interesse e, com um sorriso secreto, o puxou gentilmente na direção do vendedor, que os recebeu com entusiasmo.

Boa noite! Como posso ajudar? — perguntou o homem, seu rosto enrugado se abrindo em um sorriso genuíno que iluminava seus olhos cansados.

Eu quero uma pulseira para o melhor filho do mundo! — declarou ela com convicção, pousando uma mão carinhosa no ombro de Toshiro.

Ao ouvir aquelas palavras, algo se quebrou dentro de Toshiro. Uma onda de emoção o atingiu com força inesperada, e ele sentiu lágrimas quentes escorrerem por suas bochechas antes mesmo que pudesse tentar contê-las. Era como se todas as tensões, medos e confusões dos últimos dias encontrassem finalmente uma válvula de escape naquele simples gesto de amor.

É claro, minha senhora! — respondeu o vendedor, claramente tocado pela cena.

Com mãos experientes, o homem selecionou uma pulseira trançada em cores vibrantes com um pequeno pingente onde se lia "Eu sempre te amarei". Ele a entregou à mãe de Toshiro, que pagou rapidamente antes de se voltar para o filho.

Com delicadeza, ela pegou o pulso de Toshiro e deslizou a pulseira sobre ele, ajustando- a para que ficasse perfeitamente acomodada. Seus olhos encontraram os dele, cheios de um amor tão profundo e incondicional que fez o coração de Toshiro doer de uma forma estranhamente agradável.

Você é a melhor coisa que eu pude ter na vida — disse ela com voz embargada, cada palavra carregada de sinceridade. — Não duvide disso, nunca.

Toshiro não conseguiu mais se conter. Com um soluço abafado, ele se jogou nos braços da mãe, enterrando o rosto em seu ombro enquanto as lágrimas fluíam livremente. Ela o abraçou com força, uma mão acariciando suavemente seus cabelos enquanto murmurava palavras de conforto.

O vendedor, observando a cena, discretamente enxugou uma lágrima que escapara do canto de seu olho. Por alguns momentos, os três permaneceram ali, unidos por aquela demonstração pura de amor familiar que, em um mundo tão caótico, brilhava como um farol de esperança.

Finalmente, mãe e filho se separaram, ambos enxugando as lágrimas com sorrisos embaraçados. Agradecendo ao vendedor uma última vez, eles decidiram voltar para casa, caminhando de mãos dadas pelas ruas agora mais vazias da cidade noturna.

Conforme se aproximavam de seu prédio, Toshiro começou a sentir o peso do dia sobre seus ombros. O cansaço o atingiu como uma onda, e seus passos foram ficando cada vez

mais lentos e arrastados. Seus olhos pesados lutavam para se manterem abertos, e ele cambaleou ligeiramente.

Percebendo o estado do filho, sua mãe sorriu com ternura.

Vem cá, meu dorminhoco — murmurou ela, abaixando-se ligeiramente.

Com um movimento que trazia memórias de quando Toshiro era muito menor, ela o ajudou a subir em suas costas. Ele protestou fracamente, murmurando algo sobre ser grande demais para isso, mas logo se rendeu ao conforto da carona, apoiando a cabeça no ombro dela e deixando os olhos se fecharem.

Carregando o filho adormecido, ela continuou o caminho para casa. No entanto, ao virar a esquina de sua rua, seu corpo inteiro enrijeceu. Um carro totalmente preto, com vidros igualmente escurecidos, estava estacionado diretamente em frente ao seu prédio. Não havia identificação visível, nenhuma placa ou marca que pudesse revelar seus ocupantes, mas ela sabia exatamente o que aquilo significava.

Um calafrio percorreu sua espinha, e instintivamente ela apertou Toshiro mais forte contra si. Por um momento, considerou dar meia-volta e procurar outro lugar para passar a noite, mas rapidamente descartou a ideia. Fugir só adiaria o inevitável, e ela sabia disso melhor do que ninguém.

Com determinação renovada, ela seguiu em frente, passando pelo carro misterioso sem olhar diretamente para ele, embora pudesse sentir olhares invisíveis acompanhando cada um de seus movimentos. Entrou no prédio e chamou o elevador, o coração batendo acelerado contra o peito.

Quando as portas do elevador se abriram, ela se viu face a face com dois homens vestidos com ternos pretos impecáveis e óculos escuros, apesar da hora tardia. Eles a encararam sem expressão, como manequins animados, antes de saírem do elevador, passando por ela sem dizer uma palavra.

As portas se fecharam atrás dela com um som metálico que pareceu ecoar em seus ouvidos como um presságio. Durante a subida, ela manteve os olhos fixos nos números que indicavam os andares, a mente correndo com possibilidades e planos de contingência.

Ao chegar em seu apartamento, ela destrancou a porta com uma mão enquanto equilibrava Toshiro com a outra. Entrou rapidamente e trancou a porta atrás de si, colocando todas as fechaduras disponíveis. Com cuidado, levou o filho até seu quarto e o deitou na cama, removendo apenas seus sapatos antes de cobri-lo com um cobertor leve.

Boa noite, meu filho — sussurrou, depositando um beijo suave em sua testa.

Após terminar de arrumar a casa, verificando cada janela e porta, ela hesitou por um momento antes de tomar uma decisão. Pegou um copo de vidro da cozinha e o colocou cuidadosamente sobre a maçaneta da porta de entrada, de modo que qualquer tentativa de abri-la derrubaria o copo, criando um alarme improvisado.

Satisfeita com essa precaução adicional, ela voltou ao quarto de Toshiro e deitou-se ao lado dele, envolvendo-o protetoramente em seus braços. Enquanto observava o rosto sereno do filho adormecido, permitiu-se relaxar um pouco, deixando que o silêncio reconfortante da noite os envolvesse como um manto protetor.

Mas mesmo enquanto seus olhos se fechavam, exaustos, uma parte dela permanecia vigilante, ciente de que a noite quase perfeita que haviam compartilhado poderia ser apenas a calmaria antes da tempestade que ela temia há tanto tempo.

Os primeiros raios de sol se infiltravam pelas frestas da cortina quando Toshiro abriu os olhos, momentaneamente desorientado por acordar ainda vestido com as roupas do dia anterior. Esfregando o sono dos olhos, ele se levantou e caminhou sonolento até a cozinha, esperando encontrar sua mãe preparando o café da manhã como de costume.

Para sua surpresa, a cozinha estava vazia, o silêncio quebrado apenas pelo tique-taque rítmico do relógio de parede. Intrigado, ele se dirigiu à sala, onde encontrou sua mãe agachada próxima à porta de entrada, cuidadosamente recolhendo cacos de vidro do chão.

Mãe, tá tudo bem? O que aconteceu? — perguntou ele, a preocupação evidente em sua voz ainda rouca de sono.

Ela se virou rapidamente, como se tivesse sido pega fazendo algo proibido. Por um instante, Toshiro viu algo em seus olhos – medo, talvez? – antes que ela forçasse um sorriso despreocupado.

Hmmm, nada — respondeu ela casualmente, continuando a coletar os fragmentos brilhantes. — Só deixei o copo cair. Agora vá escovar os dentes para tomar café!

Havia algo na forma como ela evitou seu olhar, na tensão sutil de seus ombros, que fez Toshiro hesitar. Mas o tom de sua voz não deixava espaço para questionamentos, então ele obedeceu, dirigindo-se ao banheiro para sua rotina matinal.

Após escovar os dentes e tomar um banho rápido, ele voltou para a sala, agora completamente livre de qualquer evidência do copo quebrado. A televisão estava ligada, o volume baixo criando um murmúrio de fundo enquanto sua mãe preparava o café na cozinha.

Ao passar pela sala, Toshiro parou, atraído por uma notícia familiar. Na tela, um repórter de expressão séria fazia um comunicado:

Bom, depois do grande susto que tivemos, o colégio onde ocorreu o incêndio alguns dias atrás voltará a funcionar amanhã — informava ele com voz profissional. — O colégio, juntamente com o governo local, pediu para que déssemos esta informação para os alunos que foram afetados por esse incidente.

Sua mãe apareceu na porta da cozinha, secando as mãos em um pano de prato. Ela olhou para a televisão e depois para Toshiro, um sorriso forçado em seus lábios.

Amanhã já sabe, né? Organize tudo hoje — instruiu ela, tentando soar casual.

O rosto de Toshiro se contorceu em uma expressão de desânimo, seus ombros caindo visivelmente. A perspectiva de voltar ao local onde havia testemunhado coisas que ainda não conseguia compreender completamente o deixava nervoso. Mas ele sabia que não tinha escolha.

Com um suspiro resignado, ele foi tomar seu café da manhã, a mente ainda repleta de perguntas sobre o ocorrido no colégio – perguntas que pareciam não ter respostas, pelo menos não aquelas que ele estava pronto para ouvir.

O Restaurante Sakyu Center, conhecido localmente como "Miharashi no Oka" ou "Colina da Vista Panorâmica", era um estabelecimento elegante situado em um ponto privilegiado da cidade, oferecendo uma vista deslumbrante da praia e do mar além. No segundo andar, sentadas próximas à janela que emoldurava perfeitamente a paisagem, Nayomi e sua amiga de longa data, Dra. Mei, desfrutavam de um almoço tardio.

Ambas vestiam roupas casuais, uma rara oportunidade de escapar dos uniformes e jalecos que normalmente usavam na base. Nayomi, com seus cabelos negros soltos cascateando sobre os ombros, mexia distraidamente em seu ramen fumegante enquanto conversava com Mei, uma mulher de feições delicadas e olhos perspicazes que escondiam uma mente brilhante.

Estranho um Skar nunca conseguir ultrapassar as barreiras da cidade — comentou Mei, referindo-se à criatura que Nayomi havia encontrado no colégio, sua testa franzida em concentração enquanto sorvia seu próprio ramen.

Nayomi assentiu, soprando uma porção de macarrão antes de levá-la à boca.

Verdade — concordou ela após engolir. — O que eu acho mais estranho é que, visto pelas câmeras de segurança do colégio, ele tinha uma aparência humana.

Mei ergueu as sobrancelhas, genuinamente intrigada.

Sim, isso não é normal — murmurou ela, mais para si mesma do que para Nayomi. Então, mudando ligeiramente de assunto, perguntou: — E o garoto que você salvou?

Um sorriso irônico curvou os lábios de Nayomi.

Aquele garoto já era pra estar morto — respondeu ela, balançando a cabeça em descrença. — Não sei como o encontrei ainda vivo.

Ela fez uma pausa, como se uma ideia repentina tivesse surgido.

Hmm, lembrei... O tal projeto de rastreamento sensorial, o RS-18, já está pronto?

No exato momento em que fazia a pergunta, Nayomi levou à boca uma porção particularmente quente de ramen. Ela soltou um pequeno grito de dor quando o líquido escaldante tocou seus lábios, afastando rapidamente o hashi.

Mei não conseguiu conter uma risada diante da cena.

Tá vendo o que acontece quando alguém quer saber demais? — provocou ela, os olhos brilhando com diversão. Então, assumindo um tom mais sério: — Mas respondendo à sua pergunta, só falta eu dar uns ajustes na programação final, e estará pronto para rodar.

Ambas voltaram seus olhares para a praia visível através da ampla janela. O mar cintilava sob o sol do meio-dia, ondas gentis lambendo a areia dourada enquanto algumas pessoas caminhavam pela orla, aparentemente alheias ao mundo de segredos e perigos que existia bem debaixo de seus pés.

De repente, o telefone de Nayomi começou a tocar, a vibração fazendo-o dançar sobre a mesa. Ela olhou para a tela e franziu o cenho ao ver o nome da Dra. Akary piscando.

Com licença — disse ela a Mei, que acenou em compreensão. Nayomi atendeu a chamada, levando o aparelho ao ouvido.

Alô?

A voz da Dra. Akary soou urgente do outro lado da linha, sem qualquer preâmbulo:

Voltem para a base urgentemente!

Nayomi piscou, surpresa com a ordem abrupta, mas respondeu afirmativamente antes de desligar. Voltando-se para Mei, ela transmitiu a mensagem com um suspiro resignado.

Precisamos voltar para a base. Agora.

Mei revirou os olhos dramaticamente enquanto ambas se levantavam, deixando seus almoços pela metade.

Que saco, hein? — resmungou ela, jogando alguns ienes sobre a mesa para cobrir a conta. — Quando é que a gente vai ter um almoço decente!

Nayomi riu da indignação da amiga, embora compartilhasse do sentimento.

Bem-vinda à Univer X, querida — respondeu ela com ironia enquanto pegavam suas bolsas. — Você sabia desde o início que seria assim. Não temos tempo, vamos lá.

Elas saíram rapidamente do restaurante e se dirigiram ao estacionamento, onde o carro esporte vermelho de Nayomi aguardava. Em minutos, estavam a caminho da base, o veículo cortando as ruas da cidade com precisão e velocidade que refletiam a urgência da situação.

Ao chegarem, passaram pelo portão da frente após uma verificação de segurança rigorosa. Nayomi estacionou seu carro em uma vaga reservada, e ambas se dirigiram ao elevador que as levaria aos níveis subterrâneos, até a sala de reunião designada.

Quando as portas do elevador se abriram no andar correto, elas encontraram a Dra. Akary já sentada à mesa de conferência, revisando alguns documentos com expressão concentrada. Ao notar a chegada das duas, ela ergueu o olhar e fez um gesto para que se juntassem a ela.

Nayomi e Mei tomaram seus lugares, a primeira não perdendo tempo com formalidades.

Então, o que era tão importante para fazer a gente vir desesperada? — perguntou diretamente, um leve tom de irritação em sua voz.

A Dra. Akary deu uma risadinha suave, ajustando os óculos sobre o nariz.

Hehe, bom, o vice-comandante Tatshu pediu para chamar nós três — explicou ela, inclinando-se ligeiramente sobre a mesa. — Sei que ele é menos frio que o comandante Kurotsuki, mas parecia ser urgente.

Nayomi ergueu uma sobrancelha ceticamente, a outra baixando em uma expressão de humor ácido que era sua marca registrada.

Aaaaaaa, o comandante Tatshu — zombou ela, revirando os olhos. — Ele sempre faz isso. Já está na hora dele se aposentar. Tudo que ele faz é...

Mei a interrompeu com uma risadinha mal contida, inclinando-se para sussurrar, embora seu tom fosse perfeitamente audível:

É bom você dizer isso tudo pra ele, que está bem atrás de você!

O sangue fugiu do rosto de Nayomi. Lentamente, como em um filme de terror, ela se virou para confirmar o que Mei havia dito. De fato, parado silenciosamente atrás dela estava o comandante Tatshu – um homem de meia-idade com postura militar impecável, cabelos grisalhos cortados rente ao couro cabeludo e olhos que pareciam ver através das pessoas.

Todas as três mulheres se levantaram imediatamente, assumindo uma posição formal de respeito. Nayomi, mortificada pela situação, começou a se curvar repetidamente, pedindo desculpas em um fluxo quase ininteligível de palavras.

O comandante Tatshu caminhou calmamente até seu lugar na cabeceira da mesa, mas optou por permanecer de pé, apoiando-se levemente na cadeira. Um sorriso quase imperceptível brincava em seus lábios.

Eu ainda estou em forma, Senhorita Nayomi — comentou ele secamente, embora seus olhos traíssem um brilho de diversão.

Sim, sim, comandante Tatshu! — gaguejou Nayomi, ainda profundamente embaraçada. — O senhor ainda consegue exercer seu cargo durante uns trinta anos!

Dra. Akary e Mei trocaram olhares alarmados, os olhos arregalados diante da gafe contínua de Nayomi. O comandante Tatshu, no entanto, parecia mais divertido que ofendido, pequenas risadas escapando enquanto ele observava o desconforto da agente.

Após esse momento de descontração involuntária, ele gesticulou para que todas se sentassem novamente e assumiu um tom mais sério, iniciando formalmente a reunião.

No dia dezesseis, a Academia de Ensino Shinsei sofreu um incidente, por motivos que já conhecemos — começou ele, sua voz agora completamente profissional. — Mas o que

mais chamou a atenção foi o comportamento do aluno que a Senhorita Nayomi salvou. O comportamento da criatura diante do garoto foi fora do comum. Naquela altura, ele já deveria estar sendo devorado.

As três mulheres ouviam atentamente, a atmosfera na sala mudando drasticamente para uma de concentração absoluta. Ninguém ousava interromper enquanto o comandante continuava:

O Comandante Kurotsuki pediu para irem atrás daquele garoto e trazê-lo para a base

revelou ele, cada palavra medida com precisão. — Tudo indica que ele quer colocá-lo à prova do Projeto Celest.

A reação foi imediata. Mei se levantou de um salto, o rosto contorcido em uma expressão de indignação e incredulidade.

Mas comandante Tatshu! — protestou ela veementemente. — Sabemos que não é qualquer criança que pode participar do Projeto Celest sem mesmo ter passado pela avaliação e pelo plano de treinamento. Se fizermos isso de cara, podemos matá-lo! O comandante Tatshu olhou para Mei com uma expressão impassível, seus olhos frios como gelo não revelando nenhuma emoção. Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos que pareceram se estender por uma eternidade, o ar na sala ficando cada vez mais denso com a tensão.

Ordens são ordens, Dra. Mei — respondeu ele finalmente, cada palavra caindo como uma pedra no silêncio da sala. — Agora, sem mais delongas. Amanhã as aulas voltarão. Tratem de trazer o garoto.

Sem esperar por qualquer resposta ou objeção adicional, o comandante Tatshu girou nos calcanhares e saiu da sala com passos firmes e medidos, a porta fechando-se suavemente atrás dele, em contraste com a atmosfera pesada que deixou para trás.

As três mulheres permaneceram imóveis por alguns instantes, o silêncio quebrado apenas pelo zumbido suave do sistema de ventilação. Mei ainda estava de pé, os punhos cerrados ao lado do corpo, tremendo ligeiramente com uma raiva contida que ameaçava transbordar.

Quantas? — sussurrou ela, a voz embargada pela emoção. — Quantas vidas essa organização vai tirar para satisfazer suas ambições?!

Nayomi se levantou e foi até a amiga, colocando um braço ao redor de seus ombros enquanto lhe oferecia um copo d'água que havia sobre a mesa. Mei aceitou com mãos trêmulas, bebendo em pequenos goles enquanto tentava recuperar a compostura.

Sem mais palavras, as três saíram da sala de reunião, cada uma perdida em seus próprios pensamentos sombrios. Apenas a Dra. Akary permaneceu para trás por alguns momentos, seus olhos fixos nos documentos à sua frente, uma expressão indecifrável em seu rosto normalmente sereno.

O restante do dia transcorreu em uma rotina tensa, cada uma retornando às suas respectivas funções, aguardando ansiosamente o dia seguinte e as consequências que ele traria. Ao fim do expediente, exaustas tanto física quanto emocionalmente, elas retornaram para suas casas, carregando o peso das decisões que não eram suas para tomar, mas que teriam que executar.

A noite já havia se instalado completamente quando Nayomi finalmente chegou em casa. O apartamento luxuoso no último andar de um edifício moderno refletia seu status na organização, mas naquele momento, parecia apenas um espaço vazio e frio, desprovido do calor que transforma uma residência em lar.

Ela jogou a bolsa de qualquer jeito sobre o sofá de couro branco, o objeto deslizando até cair no chão com um baque surdo. Nayomi nem se deu ao trabalho de pegá-lo. Em vez disso, caminhou diretamente para o banheiro, seus saltos altos ecoando no piso de mármore polido.

No banheiro espaçoso, ela abriu as torneiras da banheira de hidromassagem, observando com olhos vazios enquanto a água quente começava a preencher o espaço, vapor subindo em espirais preguiçosas. Adicionou sais de banho perfumados, criando uma espuma densa e convidativa que prometia, ao menos temporariamente, aliviar a tensão que carregava nos ombros.

Enquanto a banheira enchia, Nayomi se despiu lentamente, deixando as roupas caírem no chão em uma pilha descuidada – um comportamento completamente oposto à sua usual meticulosidade. Prendeu os longos cabelos negros em um coque improvisado no topo da cabeça e, finalmente, entrou na água quente.

Um suspiro profundo escapou de seus lábios quando seu corpo submergiu na água perfumada. Ela fechou os olhos, permitindo que o calor penetrasse em seus músculos doloridos, tentando esvaziar a mente dos pensamentos que a atormentavam.

O que será que o Comandante quer com aquele garoto? — murmurou para si mesma, as palavras ecoando levemente nas paredes de azulejos.

Imediatamente, irritou-se consigo mesma por trazer o trabalho para seu momento de relaxamento.

Que droga, por que eu aceitei entrar para a Univer mesmo? — retrucou, abrindo os olhos para encarar o teto branco imaculado.

A pergunta retórica desencadeou uma avalanche de memórias que ela preferiria manter enterradas. Imagens fragmentadas de um passado que parecia pertencer a outra pessoa invadiram sua mente: um laboratório em chamas, gritos desesperados ecoando pelos corredores, uma decisão tomada em segundos que mudaria vidas para sempre... a sua incluída.

Nayomi deixou a cabeça cair para trás, apoiando-a na borda da banheira. Uma única lágrima escapou do canto de seu olho, misturando-se imperceptivelmente à água do banho.

Para pagar meu maior pecado — sussurrou ela para o quarto vazio, a voz carregada de uma dor antiga e familiar. — Um pecado que só eu sei.

As palavras pairaram no ar como fantasmas, testemunhas silenciosas de um fardo que ela carregava sozinha, dia após dia, ano após ano. Um segredo que a consumia por dentro enquanto ela mantinha a fachada de competência e frieza que todos conheciam.

Nayomi permaneceu na banheira até a água esfriar, como se pudesse de alguma forma lavar não apenas a sujeira do dia, mas também as manchas em sua alma que nenhum sabonete jamais poderia remover.

A madrugada ainda abraçava a cidade quando Toshiro despertou, arrancado de um sonho confuso que já começava a se dissipar como névoa matinal. Esfregando os olhos sonolentos, ele notou um objeto retangular deslizando para fora de sob a porta de seu quarto.

Intrigado, ele se levantou e caminhou até lá, ajoelhando-se para pegar o que parecia ser um presente embrulhado em papel colorido com um laço simples. Seu coração acelerou com a antecipação enquanto rasgava cuidadosamente o embrulho.

Seus olhos se arregalaram de surpresa e alegria ao revelar um iPod Nano – o MP3 da Apple que ele tanto cobiçava nas vitrines das lojas. Junto com o dispositivo, havia um bilhete escrito com a caligrafia elegante e familiar de sua mãe:

"Parabéns Toshiro, meu filho amado! Hoje é seu aniversário e vejo que você já está ficando grande a cada dia que passa. Infelizmente, tive que sair bem cedo, mas assim que voltar da escola, prometo que iremos comer um bolo. Com amor, mamãe."

A realização o atingiu como um raio – era seu aniversário! Com toda a agitação dos últimos dias, ele mesmo havia esquecido completamente da data. Um sorriso radiante iluminou seu rosto enquanto ele apertava o iPod contra o peito, a felicidade explodindo dentro dele como fogos de artifício.

Com uma energia renovada que desafiava a hora matinal, Toshiro deu um salto da cama, completamente desperto. Ele se arrumou rapidamente, tomando um banho revigorante, escovando os dentes com entusiasmo e até mesmo penteando o cabelo com mais cuidado que o habitual. Em seguida, foi para a cozinha e preparou seu próprio café da manhã, cantarolando baixinho enquanto trabalhava.

Quando tudo estava pronto e arrumado, ele pegou sua mochila, verificou duas vezes se o iPod estava seguro em seu bolso, e saiu de casa com um passo leve e animado. Nada poderia estragar seu dia – era seu aniversário, afinal, seu momento especial.

No corredor do prédio, Toshiro caminhou em direção ao elevador, o sorriso ainda brincando em seus lábios. As portas metálicas se abriram com um suave "ding", e ele entrou, apertando o botão para o térreo. Segundos depois, para sua surpresa, Mika também entrou no elevador.

O mesmo silêncio desconfortável de sempre se instalou entre eles, preenchendo o pequeno espaço como uma presença física. Mas hoje, Toshiro estava ocupado demais com sua própria felicidade para se importar com o clima tenso. Para escapar da atmosfera opressiva, ele tirou seu novo iPod do bolso, colocou os fones de ouvido e começou a navegar pelas músicas pré-carregadas, deixando que as melodias o transportassem para longe daquele momento constrangedor.

Absorto na música e em seus pensamentos felizes, ele mal notou quando Mika virou a cabeça em sua direção, observando-o por alguns segundos com uma expressão curiosa que ele nunca havia visto antes em seu rosto normalmente impassível. Quando as portas do elevador finalmente se abriram no térreo, ela saiu rapidamente como sempre, deixando Toshiro momentaneamente perplexo com aquele olhar inesperado.

Sacudindo a cabeça para afastar a confusão, ele seguiu seu caminho, dirigindo-se ao ponto de ônibus que o levaria até a escola. O dia estava apenas começando, e ele tinha a sensação de que seria especial de muitas maneiras que ainda não podia imaginar.

O Colégio Shinsei parecia estranhamente normal considerando os eventos dramáticos de poucos dias atrás. A fachada havia sido rapidamente reparada, e apenas algumas marcas de fuligem nas paredes laterais davam qualquer indicação do incêndio que quase consumira o edifício. Estudantes entravam pelos portões como em qualquer outro dia, conversando animadamente entre si, aparentemente já tendo superado o susto.

Toshiro chegou ao colégio com o coração um pouco mais pesado do que quando saíra de casa. À medida que se aproximava do local onde havia testemunhado coisas que desafiavam sua compreensão, memórias inquietantes começavam a se infiltrar em sua mente, diminuindo um pouco seu entusiasmo pelo aniversário.

Guardando cuidadosamente seu precioso iPod no bolso, ele caminhou pelos corredores até sua sala de aula. Ao entrar, colocou sua mochila sobre a carteira e olhou ao redor, notando que Mika já estava lá, concentrada em escrever algo em um caderno.

Rapidamente, ele desviou o olhar e voltou sua atenção para a própria mesa, não querendo ser pego observando-a novamente.

Conforme os minutos passavam e mais estudantes chegavam, o sinal finalmente tocou, anunciando o início das aulas. Todos se acomodaram em seus lugares, e Toshiro não pôde deixar de notar os olhares e sussurros direcionados a ele. Claramente, ele havia se tornado o assunto do momento – o garoto que sobreviveu ao incidente misterioso.

"Dizem que ele estava no meio da explosão..." "Como será que ele escapou?" "Você viu aquela mulher que o salvou? Parecia uma super-heroína..."

Os fragmentos de conversas chegavam aos seus ouvidos, fazendo-o afundar um pouco mais em sua cadeira, desejando poder se tornar invisível. Justo quando o desconforto começava a se tornar insuportável, uma presença gentil se materializou ao seu lado.

Olá, eu me chamo Yumi. Você é o Toshiro, né? — disse uma voz melodiosa e amigável.

Toshiro ergueu o olhar para encontrar uma garota de aparência gentil sorrindo para ele. Ela tinha cabelos castanhos claros presos em uma trança lateral, olhos grandes e expressivos que pareciam irradiar bondade, e um sorriso que instantaneamente acalmou seu nervosismo. Ela estendia a mão em sua direção em um gesto de amizade.

Ele assentiu timidamente, apertando a mão oferecida. A pele dela era macia e quente contra a sua, transmitindo uma sensação reconfortante.

Você parece estar meio confuso — continuou Yumi, sentando-se na cadeira vazia ao lado dele. — Bom, não se preocupe. Todos estão falando de você, mas estão impressionados com como você conseguiu sobreviver.

Nossa, obrigado por me dizer — respondeu Toshiro, sentindo um peso sendo levantado de seus ombros. — Eu estava bastante confuso.

O sorriso de Yumi se alargou, iluminando todo o seu rosto de uma maneira que fez o coração de Toshiro dar uma pequena cambalhota em seu peito.

Bom, podemos ser amigos, Toshiro? — perguntou ela com uma sinceridade desarmante.

Os olhos dele se encheram de um brilho esperançoso. Por um momento, Toshiro sentiu algo estranho e agradável, como borboletas dançando em seu estômago. Seria isso o início de uma paixão? Rapidamente, ele afastou esse pensamento, voltando à realidade.

Hmm, sim, claro! — respondeu, tentando soar casual apesar do rubor que começava a subir pelo seu pescoço.

Ótimo! — exclamou Yumi com genuíno entusiasmo. — Eu posso te chamar de Shiro?

A pergunta o pegou de surpresa. Aquele apelido era especial, usado apenas por sua mãe. Por um instante, ele hesitou, mas algo na expressão aberta e sincera de Yumi o fez ceder.

Sim, pode, Yumi — concordou ele com um pequeno sorriso. O rosto dela se iluminou ainda mais, se é que isso era possível.

Muito bem, Shiro! Agora, para selar nossa amizade, vamos fazer um pacto! Toshiro arregalou os olhos, surpreso e um pouco alarmado.

O quê? Um pacto? Como assim? — perguntou, imaginando rituais estranhos envolvendo sangue ou promessas sombrias.

Yumi soltou uma gargalhada cristalina que soou como música aos ouvidos dele, ecoando pela sala quase vazia.

Não, Shiro, de sangue não! — esclareceu ela, ainda rindo. — Bom, ainda não. É de dedo mindinho.

O alívio o fez sorrir de volta, sentindo-se um pouco bobo por seu pânico momentâneo. Yumi ergueu seu dedo mindinho, e Toshiro fez o mesmo. Seus dedos se entrelaçaram em um aperto firme, selando uma promessa silenciosa.

Amigos até a morte! — declarou Yumi solenemente, embora seus olhos ainda dançassem com alegria.

Toshiro, completamente encantado por aquela garota que havia entrado em sua vida como um raio de sol em um dia nublado, repetiu as palavras com igual seriedade:

Amigos até a morte.

Nesse momento, Yumi notou o iPod parcialmente visível no bolso de Toshiro. Seus olhos se arregalaram de admiração.

Uau, é um iPod Nano? — perguntou ela, inclinando-se para ver melhor.

Orgulhoso de seu presente de aniversário, Toshiro o tirou do bolso e o mostrou a ela.

Pode ouvir, se quiser — ofereceu ele, colocando o dispositivo nas mãos dela. — Depois você me devolve.

Yumi segurou o iPod como se fosse uma relíquia preciosa, seus olhos brilhando de excitação.

Eu sempre quis um desses. É um sonho — confessou ela, passando os dedos delicadamente pela superfície lisa do aparelho.

Então, ergueu o olhar para Toshiro, um sorriso sincero iluminando seu rosto.

Obrigada, Toshiro — disse ela, a gratidão evidente em cada sílaba.

Antes que ele pudesse responder, a porta da sala se abriu, e todos os alunos rapidamente se voltaram para ver quem entrava. Não era o professor habitual, mas um homem diferente, de meia-idade, com óculos de armação fina e uma expressão séria. Ao seu lado, para surpresa de Toshiro, estava Nayomi, tão deslumbrante quanto ele se lembrava, atraindo olhares admirados de todos os garotos da sala.

Bom dia, pessoal — anunciou Nayomi com voz clara e confiante. — Este é o professor Basu. Ele irá substituir o outro professor por enquanto.

Seus olhos percorreram a sala até encontrarem Toshiro. Por um breve momento, seus olhares se cruzaram, e ele poderia jurar que viu algo como preocupação passar pelo rosto dela. Nayomi se inclinou e sussurrou algo no ouvido do professor, que assentiu discretamente.

Toshiro — chamou o professor Basu, ajustando os óculos. — Por favor, peço que vá com a Senhorita Nayomi.

Um murmúrio de curiosidade percorreu a sala. Do canto do olho, Toshiro notou Mika observando a cena com intensidade incomum, seus olhos estreitos e vigilantes seguindo cada movimento.

Com o coração acelerado e uma sensação estranha no estômago, Toshiro se levantou, pegando sua mochila. Ele lançou um olhar de desculpas para Yumi, que retribuiu com um pequeno aceno de despedida, o iPod ainda seguro em suas mãos.

Bora, garotão! — chamou Nayomi da porta, um sorriso encorajador em seus lábios pintados de vermelho.

Toshiro concordou silenciosamente com a cabeça e a seguiu para fora da sala, consciente dos olhares curiosos que o acompanhavam. Nayomi agradeceu brevemente ao professor antes de guiar Toshiro pelos corredores até o estacionamento, onde seu chamativo carro vermelho aguardava.

Durante o trajeto, Toshiro reuniu coragem para fazer algumas perguntas que fervilhavam em sua mente, mas Nayomi apenas sorriu enigmaticamente, prometendo explicações em breve.

Ela abriu a porta do passageiro para ele, que entrou hesitante, admirando o interior luxuoso do veículo. Nayomi deu a volta e assumiu o volante, ligando o motor potente que rugiu como uma fera desperta.

Enquanto saíam do estacionamento da escola, ela finalmente quebrou o silêncio:

Deixa eu me apresentar formalmente. Meu nome é Nayomi. Não precisa se apresentar; eu sei quem você é.

Toshiro se remexeu desconfortavelmente no assento de couro, seus dedos tamborilando nervosamente sobre a mochila em seu colo.

Para onde estamos indo, Senhorita Nayomi? — perguntou ele, tentando manter a voz firme apesar da apreensão que sentia.

Não precisa ficar com medo — assegurou ela, seu tom suavizando enquanto manobrava habilmente pelas ruas da cidade. — A gente não vai te machucar. E também não precisa se preocupar com sua mãe; alguém da Univer vai informá-la.

Ao ouvir a menção à Univer, os olhos de Toshiro se arregalaram em surpresa. As peças começavam a se encaixar em sua mente.

Pera, você trabalha na Univer X International Company? — perguntou ele, não conseguindo esconder a excitação em sua voz.

Um sorriso divertido curvou os lábios de Nayomi.

Sim, sim, eu trabalho lá. É bem divertido — respondeu ela, embora algo em seus olhos sugerisse que "divertido" talvez não fosse a palavra mais precisa.

Encorajado por essa revelação, Toshiro decidiu pressionar um pouco mais:

Senhorita Nayomi, desculpe perguntar, mas qual é a sua área? Operadora geral, ciência computacional, capitã de gestão...

A pergunta pareceu pegá-la desprevenida. Ela hesitou por um momento, os dedos apertando levemente o volante.

Nada, é uma outra coisa que eu não posso dizer — respondeu finalmente com uma risada nervosa. — Hehehe.

"Ai meu Deus," pensou Nayomi, mantendo o sorriso fixo no rosto enquanto dirigia. "Nem eu mesma sei o que sou lá dentro. Tudo que eu faço é só ficar supervisionando as coisas com a Mei."

Alheio aos pensamentos dela, Toshiro sorriu amplamente, a excitação do dia se acumulando.

Nossa, nunca pensei que meu aniversário seria cheio de surpresas! — exclamou ele, quase saltando no assento.

Nayomi olhou para ele com surpresa genuína.

Sério? Feliz aniversário! — desejou ela com um sorriso caloroso, embora seus olhos traíssem uma preocupação crescente sobre o que poderia acontecer com o garoto. — Se tudo der certo, eu compro um presente pra você!

Nossa, não precisa, Senhorita Nayomi! — agradeceu ele sinceramente, um sentimento de confiança começando a crescer em relação àquela mulher misteriosa que já havia salvado sua vida uma vez.

Nayomi riu, um som que misturava humor genuíno com a tensão da situação iminente.

Que isso, garoto, eu não aceito não como resposta! — replicou ela, os olhos brilhando com uma mistura de adrenalina e talvez um pouco de apreensão. — Agora se segura, que a gente já vai entrar!

Com uma determinação súbita, Nayomi pisou fundo no acelerador. O carro vermelho disparou em direção a um imponente muro de pedra que parecia intransponível. Toshiro encolheu-se instintivamente no assento, o coração martelando contra as costelas, os nós dos dedos brancos de tanto apertar a mochila em seu colo. Nayomi, por outro lado, soltou um grito que era parte excitação, parte desafio, enquanto o carro avançava implacavelmente.

No último segundo, quando a colisão parecia inevitável, o muro de pedra se dividiu ao meio com um zumbido baixo, revelando um túnel iluminado por uma luz vermelha pulsante. O carro entrou suavemente na passagem secreta, como se fosse engolido pela terra. O muro se fechou atrás deles sem deixar vestígios.

O veículo agora percorria um corredor longo e futurista, as paredes emitindo um brilho carmesim que banhava o interior do carro em uma luz estranha e opressora. A velocidade diminuiu gradualmente até que, finalmente, pararam em uma ampla área subterrânea que parecia uma mistura de hangar militar e laboratório de ficção científica.

Eles desceram do carro, o ar frio e esterilizado do ambiente contrastando com o calor do lado de fora. Nayomi olhou para Toshiro, um sorriso enigmático nos lábios.

Bem-vindo à toca do coelho — disse ela, fazendo um gesto amplo para indicar o vasto complexo ao redor.

Toshiro conseguiu apenas esboçar um sorriso nervoso, seus olhos arregalados tentando absorver a magnitude e a tecnologia avançada do lugar. Antes que pudesse formular uma pergunta, a Dra. Akary surgiu de um corredor lateral, seu jaleco branco impecável destacando-se contra o ambiente metálico.

Que bom que já chegaram! — exclamou ela, um sorriso profissional mas genuinamente caloroso no rosto. Seus olhos encontraram os de Toshiro com uma

intensidade que o fez sentir-se estranhamente reconhecido. — Eu estava ansiosa pela sua chegada, Toshiro.

Obrigado, Dra. Akary! — respondeu ele, ainda um pouco intimidado pela médica e pelo ambiente.

Akary os guiou por corredores que pareciam se estender infinitamente, passando por portas seladas com símbolos desconhecidos e janelas que revelavam laboratórios repletos de equipamentos complexos e cientistas concentrados em seus trabalhos.

Finalmente, chegaram a um imenso laboratório de formato oval. O espaço era dominado por painéis de controle, telas holográficas flutuantes e, no centro, um cômodo cilíndrico feito inteiramente de um vidro espesso e transparente, claramente projetado para contenção ou experimentação.

Toshiro parou na entrada, boquiaberto. Era como entrar em um filme de ficção científica, mas tudo ali era palpavelmente real, desde o zumbido baixo da maquinaria até o cheiro sutil de ozônio no ar.

Nesse momento, uma porta deslizante se abriu no lado oposto do laboratório, e o Comandante Tatshu entrou, seguido de perto pela Dra. Mei, que carregava uma maleta preta de aparência robusta e tecnológica. A presença do comandante imediatamente mudou a atmosfera do local, trazendo um ar de seriedade e autoridade.

Nayomi e Akary assumiram posturas mais formais, e Toshiro instintivamente se posicionou ao lado de Nayomi, buscando sua presença familiar como um escudo. O Comandante Tatshu caminhou até o centro da sala, seus olhos penetrantes fixando-se em Toshiro.

Bem-vindo, Toshiro Matsumo — disse ele, sua voz grave ecoando levemente no vasto espaço. Ele então se virou brevemente para Nayomi. — Parabéns pelo trabalho, Senhorita Nayomi. Eficiente, como sempre.

Nayomi e Toshiro fizeram uma leve inclinação em sinal de respeito. O comandante voltou sua atenção para o garoto.

Imagino que esteja confuso, Toshiro — continuou Tatshu, seu tom direto, sem rodeios.

Mas serei breve. Você foi trazido aqui para participar de um teste crucial, relacionado ao protótipo Celest. Se tudo ocorrer bem, você terá a oportunidade de se juntar à nossa unidade, uma escolha que será inteiramente sua. Caso contrário... você voltará para casa.

A última frase pairou no ar, carregada de um significado sinistro que não passou despercebido. Mei, que permanecia ligeiramente atrás do comandante, abaixou a cabeça, seus dedos apertando a alça da maleta com tanta força que os nós ficaram

brancos. Toshiro sentiu um calafrio percorrer sua espinha, a menção casual de "voltar para casa" soando mais como uma ameaça velada do que uma garantia.

Eu não sei... — começou Toshiro, a voz hesitante, a magnitude da situação começando a pesar sobre ele. — Parece ser algo... perigoso.

O comandante Tatshu o interrompeu, seus olhos endurecendo ligeiramente.

Em um mundo à beira do abismo, Toshiro, o perigo é uma constante. O caos e a destruição espreitam em cada esquina. Nós precisamos de indivíduos excepcionais, heróis dispostos a enfrentar as trevas para proteger a luz tênue da civilização. Você morava em Tóquio, não é? Você viu com seus próprios olhos o que acontece quando não há quem nos defenda. Não acha que se houvesse alguém lá, alguém forte o suficiente...

As palavras do comandante atingiram Toshiro como dardos envenenados, trazendo de volta memórias dolorosas da fuga de sua cidade natal, dos ataques, do medo constante. Ele abaixou a cabeça, incapaz de sustentar o olhar penetrante de Tatshu, sentindo uma mistura de vergonha e impotência.

Nós precisamos de heróis, Toshiro, não de covardes que se escondem quando o dever chama — concluiu Tatshu, seu tom agora mais frio, quase desafiador. — Mas a escolha é sua. Se não quiser prosseguir, eu entenderei sua decisão. Ninguém o forçará.

Um silêncio pesado caiu sobre o laboratório. Toshiro sentiu todos os olhares sobre ele – a expectativa calculista de Tatshu, a preocupação velada de Akary, a tensão quase palpável de Mei, e o olhar encorajador, mas também apreensivo, de Nayomi. Ele ergueu a cabeça, encontrando os olhos de Nayomi.

Naquele momento, algo mudou dentro dele. A confusão e o medo ainda estavam lá, mas foram sobrepujados por uma onda de emoção inesperada – uma mistura de gratidão pela oportunidade, um desejo ardente de provar seu valor, e a súbita e avassaladora percepção de que aquele era seu aniversário, um dia que deveria ser de celebração, mas que se transformara em um ponto de inflexão em sua vida.

Eu nunca pensei que algum dia teria a chance de fazer parte de algo tão importante, de talvez fazer a diferença... — começou ele, a voz ganhando firmeza a cada palavra. — Eu... eu estou muito feliz por estar aqui. Esse é o melhor aniversário que já pude ter!

Lágrimas quentes começaram a escorrer por suas bochechas, mas não eram lágrimas de tristeza ou medo, e sim de uma emoção crua e poderosa que ele mal conseguia conter. A menção ao seu aniversário pareceu surpreender a todos na sala. Um lampejo de algo que poderia ser remorso passou pelos olhos de Tatshu, enquanto Akary e Nayomi trocaram olhares preocupados. Apenas Mei permaneceu impassível, embora seus lábios estivessem comprimidos em uma linha fina.

Ignorando a reação dos outros, Toshiro respirou fundo, enxugou as lágrimas com as costas das mãos e olhou diretamente para o Comandante Tatshu, um sorriso determinado surgindo em seu rosto.

EU ACEITO!! — declarou ele, a voz ecoando com uma convicção recém-descoberta.

O comandante Tatshu observou-o por um longo momento, seu rosto uma máscara indecifrável. Finalmente, ele assentiu lentamente.

Ótima decisão, Toshiro Matsumo — disse ele, embora seu tom carecesse de entusiasmo, quase como se lamentasse a escolha do garoto. — Organizem tudo para a inicialização. O tempo é essencial.

A atmosfera no laboratório tornou-se imediatamente carregada de uma tensão elétrica. Todos se moveram com uma eficiência treinada, mas a apreensão era visível em seus rostos. O Comandante Tatshu retirou-se para uma plataforma de observação elevada, de onde poderia supervisionar o procedimento sem se envolver diretamente. A Dra. Akary começou a preparar Toshiro, explicando os procedimentos médicos preliminares com uma calma profissional que contrastava com a preocupação em seus olhos. A Dra. Mei dirigiu-se a um console de computador complexo, seus dedos voando sobre os teclados holográficos enquanto iniciava as sequências de programação para a câmara de teste.

Nayomi se aproximou de Toshiro, abrindo a maleta preta que Mei havia trazido. Dentro, repousando sobre um acolchoado de veludo negro, estava a Pedra Celest. Era ainda mais impressionante de perto – um cristal vermelho-sangue que parecia pulsar com uma luz interna própria, emitindo um calor sutil que podia ser sentido mesmo a distância. Sua superfície era coberta por uma intrincada rede de linhas douradas que Toshiro percebeu serem nano microchips, uma gaiola tecnológica para conter o poder inimaginável que residia dentro da pedra.

Lembrando-se da pulseira que sua mãe lhe dera, Toshiro a tirou cuidadosamente do pulso. O pequeno objeto parecia tão simples, tão mundano em comparação com a tecnologia ao seu redor, mas para ele, representava o amor e a conexão com a única família que lhe restava. Ele estendeu a pulseira para Nayomi.

Você pode guardar isso pra mim? Por favor? — pediu ele, a voz um pouco trêmula.

Nayomi pegou a pulseira com delicadeza, seus dedos roçando brevemente nos dele. Ela assentiu, um sorriso compreensivo em seus lábios.

Com a minha vida, garoto — prometeu ela, guardando a pulseira em um bolso seguro de sua jaqueta.

Toshiro sorriu de volta, sentindo uma onda de gratidão pela agente que, em tão pouco tempo, havia se tornado uma espécie de figura protetora em sua vida.

A Dra. Akary retornou, indicando que era hora. Ela abriu a porta da câmara de vidro, o mecanismo deslizando silenciosamente.

Pronto, Toshiro? — perguntou ela gentilmente.

Ele respirou fundo e assentiu. Akary o guiou para dentro do cilindro transparente. O espaço era surpreendentemente pequeno, claustrofóbico. As paredes de vidro refletiam sua imagem infinitamente, criando uma sensação desorientadora. Akary pegou um colar delicado de onde pendia a Pedra Celest e, com mãos firmes, colocou-o ao redor do pescoço de Toshiro. A pedra pousou fria contra sua pele, mas quase imediatamente começou a emanar um calor crescente, como se reconhecesse seu novo portador.

Fique bem no centro, Toshiro — instruiu Akary, sua voz soando ligeiramente abafada através do vidro. — E seja forte. Nós acreditamos em você.

Pode deixar comigo, Dra. Akary! — respondeu ele, forçando um sorriso confiante que não sentia completamente.

Akary saiu da câmara, e a porta se fechou com um clique suave, selando-o lá dentro. Ela se juntou a Mei e Nayomi no console de controle principal. O interior da câmara era completamente à prova de som, e as paredes espelhadas impediam que ele visse o que acontecia do lado de fora. Estava sozinho com seus pensamentos e a pedra pulsante em seu peito.

Fechando os olhos, Toshiro tentou focar seus pensamentos.

“Mãe, pai... onde quer que estejam... eu quero que tenham orgulho de mim. Mãe, eu vou fazer isso por nós. Vou mudar nossas vidas, teremos uma casa melhor, seremos felizes. Eu prometo. Porque eu te amo.”

Do lado de fora, Mei posicionou a mão sobre uma grande alavanca vermelha no console. Seus dedos hesitaram por um momento, seus olhos encontrando os de Nayomi em uma troca silenciosa de apreensão. Antes que pudesse tomar a decisão final, um alarme estridente começou a soar por toda a base, luzes vermelhas piscando intermitentemente, banhando o laboratório em um brilho apocalíptico.

Um soldado irrompeu pela porta, o rosto pálido e a respiração ofegante.

Comandante Tatshu! — gritou ele, a voz embargada pelo pânico. — Invasão! Uma legião de Skar atravessou a fronteira norte! Estão atacando a cidade! A força de elite ELO está sobrecarregada! Precisamos de reforços urgentes!

Da plataforma de observação, Tatshu respondeu com calma mortal:

Eu providenciarei imediatamente.

O soldado assentiu e saiu correndo. A tensão no laboratório aumentou exponencialmente. As três mulheres no console trocaram olhares alarmados.

Se este teste der certo... — murmurou Tatshu, sua voz amplificada pelos alto-falantes, dirigida a Mei. — Ele será nossa única esperança, Dra. Mei. Ative.

Com uma expressão sombria, Mei finalmente empurrou a alavanca para frente. Uma onda de energia pura percorreu os cabos conectados à câmara de vidro. Lá dentro, Toshiro sentiu como se cada nervo de seu corpo tivesse sido incendiado simultaneamente. Um grito de agonia pura rasgou sua garganta, um som tão primitivo e cheio de dor que fez todos do lado de fora estremecerem.

Os gritos continuaram, ecoando mesmo através do vidro à prova de som, misturando-se ao som estridente do alarme de emergência. Akary levou as mãos aos ouvidos, os olhos fechados com força, incapaz de suportar o sofrimento do garoto. Nayomi cerrava os punhos, o rosto uma máscara de fúria impotente.

Dra. Akary, relatório da situação! — ordenou Tatshu da plataforma.

Akary forçou-se a olhar para os monitores biométricos, a voz tremendo ligeiramente ao responder:

Nível de sincronização... instável! Flutuando perigosamente! Batimentos cardíacos erráticos, mas ainda dentro dos limites!

Aumente a potência! — comandou Tatshu, sua voz fria e implacável. — Precisamos concluir isso agora!

Comandante Tatshu, ficou louco?! — explodiu Nayomi, virando-se para encarar a plataforma de observação, os olhos faiscando de raiva. — Não podemos fazer isso! Ele vai morrer!

Isso é uma ordem, Senhorita Nayomi! — retrucou Tatshu, sua voz cortante como vidro quebrado. — Dra. Mei, aumente a potência!

Com lágrimas escorrendo pelo rosto, Mei obedeceu, empurrando a alavanca ainda mais para frente. A intensidade da energia na câmara dobrou. Os gritos de Toshiro atingiram um nível desumano, transformando-se em um uivo de pura dor que parecia abalar as próprias fundações da base. Akary caiu de joelhos, soluçando, tapando os ouvidos com força. Mei segurava a alavanca com mãos trêmulas, o corpo sacudido por soluços

silenciosos. Nayomi permaneceu de pé, rígida como uma estátua, mas seus olhos refletiam uma tempestade de emoções conflitantes.

De repente, com um estrondo ensurdecedor, todas as luzes da base se apagaram. O alarme silenciou, mergulhando o laboratório em uma escuridão quase total, quebrada apenas pelas luzes de emergência que piscavam erraticamente. A câmara de vidro no centro da sala estilhaçou-se para fora, lançando fragmentos por todo o laboratório e liberando uma nuvem densa de fumaça e poeira energética.

Todos prenderam a respiração, os olhos fixos na silhueta que lentamente emergia da névoa no centro da sala. Quando a poeira começou a assentar, eles puderam vê-lo. Era Toshiro, mas transformado. Ele estava de pé, o corpo envolto em um traje vermelho vibrante que parecia ter se materializado do nada. O traje era elegante, quase orgânico, com linhas luminosas que pulsavam suavemente em sincronia com sua respiração. A Pedra Celest em seu peito brilhava com uma intensidade ofuscante, projetando um brilho carmesim em seu rosto agora marcado por uma determinação feroz.

Ele deu alguns passos hesitantes para frente, como um recém-nascido aprendendo a andar, mas seus olhos continham uma sabedoria e um poder que não estavam lá antes. A pedra o havia aceitado. Ele havia sobrevivido.

Da plataforma de observação, a voz do Comandante Tatshu quebrou o silêncio tenso, um raro toque de satisfação em seu tom:

Toshiro Matsumo. Você é oficialmente o terceiro portador da Pedra Celest da unidade Japonesa. Seja bem-vindo à Univer X.

Akary, Mei e Nayomi olhavam, atônitas, incapazes de formular palavras. No mesmo instante, a energia principal da base voltou, e o alarme de emergência recomeçou seu lamento estridente. Toshiro piscou, desorientado pelo som.

O que... o que está acontecendo? — perguntou ele, sua voz soando ligeiramente diferente, mais profunda, ressonante.

Nayomi foi a primeira a se recuperar, correndo até ele.

A cidade está sob ataque, Toshiro! Skars invadiram! Precisamos de você!

Toshiro olhou para suas próprias mãos, agora cobertas pelas luvas vermelhas do traje, como se as visse pela primeira vez. Ele sentia o poder pulsando dentro de si, uma energia avassaladora que clamava por liberação, mas não tinha ideia de como controlá- la.

Não se preocupe — interveio Mei, aproximando-se rapidamente, já de volta ao seu modo profissional. — O traje responde aos seus instintos e pensamentos. Daremos instruções pela comunicação integrada. Também enviaremos drones de apoio.

O Comandante Tatshu desceu da plataforma, seus passos ecoando no chão metálico.

Meu trabalho aqui está feito — anunciou ele, dirigindo-se à saída. — Deixo o resto com vocês, meninas. Não me decepcionem.

Ele saiu sem olhar para trás. As três mulheres trocaram um olhar rápido, uma compreensão silenciosa passando entre elas.

Toshiro, rápido! — gritou Nayomi, apontando para uma grande plataforma circular no chão que começou a se iluminar. — Vá para o ejetor!

Toshiro correu para a plataforma indicada. Antes que ela fosse ativada, Nayomi colocou uma mão em seu ombro.

Confiamos em você, Toshiro! Faça o que precisa ser feito! — disse ela, seus olhos transmitindo uma fé que ele desesperadamente precisava naquele momento.

Ele assentiu com firmeza. No instante seguinte, a plataforma o impulsionou para cima com uma força incrível, lançando-o através de um tubo que se abria no teto do laboratório e o ejetando em alta velocidade em direção ao céu caótico da cidade sitiada.

Enquanto subia, o vento chicoteando seu rosto, Toshiro sentiu uma mistura de terror e excitação. Ele não sabia como pousar, como lutar, como usar aquele poder imenso que agora residia dentro dele. Mas então, como se lessem seus pensamentos, elegantes asas vermelhas de energia se materializaram em suas costas, estabilizando sua trajetória e permitindo que ele planasse suavemente em direção ao coração da batalha.

“Toshiro, na escuta?” A voz de Mei soou clara em sua mente, transmitida diretamente pelo traje. “Seus alvos são os Skar – aquelas criaturas monstruosas. Elimine o máximo que puder. A força de elite ELO está em campo e fornecerá apoio tático. Mantenha-se em movimento e confie em seus instintos.”

Toshiro olhou para baixo e o que viu o deixou sem fôlego. A cidade que ele conhecia estava transformada em um inferno. Prédios desmoronavam em chamas, ruas estavam repletas de destroços e crateras, e por toda parte, criaturas grotescas – os Skars – causavam destruição e morte. Gritos de terror e dor subiam da cidade como uma névoa sonora.

Uma onda de raiva justa e determinação protetora surgiu dentro dele, alimentada pelo poder da Pedra Celest. Ele não era mais apenas Toshiro Matsumo, o estudante tímido. Ele era algo mais. Algo necessário.

“VAMOS LÁ!” pensou ele com fervor. “VOCÊ CONSEGUE! FAÇA-OS SE ORGULHAREM!”

Concentrando sua vontade, ele imaginou uma arma. Uma espada vermelha brilhante, feita da mesma energia de suas asas, materializou-se em sua mão direita. Sentindo-se estranhamente natural, ele mergulhou em direção ao caos abaixo, movendo-se com uma velocidade e agilidade que desafiavam a lógica.

Na base, Akary, Mei e Nayomi observavam as imagens transmitidas pelo traje de Toshiro em um monitor gigante. Viram-no engajar os Skars com uma ferocidade e habilidade surpreendentes, sua espada cortando as criaturas como se fossem feitas de papel, seus movimentos fluidos e mortais.

Uau... — comentou Akary, impressionada. — Até que ele pegou o jeito bem rápido.

VAI, TOSHIRO!!! — gritou Nayomi, socando o ar em comemoração a cada Skar que ele derrotava, a preocupação momentaneamente substituída pelo orgulho.

Mei coordenava o envio de drones de combate, que logo chegaram para fornecer fogo de supressão, eliminando rapidamente dezenas de Skars menores e permitindo que Toshiro se concentrasse nas ameaças maiores. A batalha continuou por vários minutos que pareceram horas, uma dança caótica de destruição e defesa.

Finalmente, o último Skar visível caiu, e um silêncio tenso desceu sobre a área. Toshiro pousou em um telhado parcialmente destruído, ofegante, o traje começando a tremeluzir enquanto a adrenalina diminuía. Ele estava exausto, mas vitorioso.

Foi então que Mei notou algo nos dados que chegavam dos drones.

“Estranho...” disse ela pela comunicação. “Eu não detectei a assinatura energética do núcleo em nenhum desses Skars abatidos.”

“Como assim, núcleo?” perguntou Toshiro, confuso.

Antes que Mei pudesse explicar, algo terrível começou a acontecer. Os corpos dos Skars aparentemente mortos começaram a se contorcer e a se dissolver em uma massa negra e pulsante. Essa massa fluiu pelas ruas como um rio de piche vivo, convergindo para um único ponto no centro da praça principal. Lá, começou a se erguer, a se moldar, crescendo exponencialmente a cada segundo.

Em questão de minutos, onde antes havia centenas de Skars individuais, agora se erguia uma única entidade colossal – uma abominação gigantesca feita da essência combinada de todos eles, uma montanha de pesadelo e ódio que bloqueava o sol.

Ao ver aquilo, Toshiro sentiu seu sangue gelar. Na base, as três mulheres olhavam para o monitor com horror e desespero crescentes. A criatura titânica começou a se mover, seus passos pesados fazendo o chão tremer, destruindo edifícios inteiros a cada movimento aleatório, como uma força cega da natureza.

A força aérea chegou, jatos riscando o céu e lançando mísseis contra o monstro. As explosões arrancavam pedaços da criatura, mas ela se regenerava quase instantaneamente. Tanques disparavam dos escombros das ruas, seus projéteis ricocheteando inofensivamente na pele escura e resistente do gigante.

Um míssil particularmente potente atingiu o centro do peito da criatura, abrindo uma cratera momentânea que revelou algo brilhante lá dentro – uma esfera metálica pulsante, claramente o coração ou núcleo do monstro.

“Toshiro, ali!” gritou Mei pela comunicação. “O ponto central! Está no meio do peito! Se você conseguir chegar lá, talvez consiga destruir!”

Mas antes que Toshiro pudesse reagir, a criatura, talvez ferida ou desequilibrada, tropeçou e desabou sobre uma seção inteira da cidade, o impacto levantando uma nuvem de poeira e destroços que obscureceu tudo.

Quando a poeira começou a baixar, Toshiro viu o verdadeiro custo da batalha. Corpos espalhados pelos escombros, sobreviventes feridos clamando por ajuda, o som de choro e desespero substituindo o rugido da batalha. A visão daquela devastação humana, tão próxima, tão real, o atingiu com uma força esmagadora.

Ele paralisou. O traje vermelho pareceu perder seu brilho, o poder dentro dele recuando diante da magnitude da tragédia. Sua mente, já fragilizada pela provação do teste e pela intensidade da luta, começou a se fragmentar. Imagens desconexas – sua mãe sorrindo, o rosto sombrio do Comandante Tatshu, a criatura no corredor da escola, a Pedra Celest pulsando – giravam em um vórtice caótico.

Um pensamento único e avassalador emergiu da confusão: Mãe. Onde estava sua mãe? Ela estava segura?

Ignorando os chamados urgentes de Mei pela comunicação, Toshiro começou a correr. Correu desesperadamente através das ruas destruídas, desviando de escombros e corpos, impulsionado por um medo primordial que superava qualquer treinamento ou instinto de combate. Ele corria em direção ao seu apartamento, uma premonição terrível crescendo em seu coração a cada passo.

Na base, Mei e Akary observavam os sinais vitais e de sincronização de Toshiro despencarem nos monitores.

O nível de sincronização está caindo rapidamente! Está em níveis críticos! — alertou Mei, o pânico em sua voz. — Isso é ruim, isso é muito ruim! Ele está perdendo o controle!

Eu vou atrás dele! — declarou Nayomi, já se levantando e correndo em direção à saída.

Não, Nayomi, é muito perigoso! A cidade está um caos! — gritou Mei, mas Nayomi já havia desaparecido pelo corredor. — Aaaaa, como ela é cabeça dura!

Nayomi correu para seu carro, ligando o motor e acelerando em direção à cidade, desviando habilmente dos destroços e do pânico generalizado.

Toshiro finalmente chegou à rua de seu apartamento. O prédio estava parcialmente destruído, mas a escada de emergência parecia intacta. Ele subiu correndo, os degraus rangendo sob seus pés, o coração batendo descompassado, uma mistura de esperança e pavor lutando dentro dele.

Ele parou ofegante diante da porta de seu apartamento, ou do que restava dela. Estava arrancada das dobradiças, pendendo precariamente. Ele hesitou, a mão tremendo enquanto a estendia para empurrar a porta. A dor e a angústia eram tão intensas que pareciam uma força física o impedindo de avançar.

Foi então que um grito ecoou pela cidade. Um grito de dor tão pura, tão absoluta, que silenciou todos os outros sons. Não veio da criatura gigante, que começava a se reerguer lentamente dos escombros. Veio de Toshiro.

Ele havia entrado no apartamento. O teto havia desabado, expondo o interior ao céu cinzento e cheio de fumaça. E lá, em meio aos escombros, parcialmente coberta por pedras e poeira, estava sua mãe. Imóvel. Seus olhos abertos, mas sem vida, fixos em um ponto distante. Ao lado dela, esmagado e manchado de sangue, estava o bolo de aniversário que ela havia prometido.

O mundo de Toshiro se desfez. A conexão com a Pedra Celest, já tênue, rompeu-se completamente. Na base, os monitores de sincronização zeraram, emitindo um alarme agudo e contínuo. Mei e Akary observaram horrorizadas enquanto os sinais vitais de Toshiro se tornavam erráticos, perigosos.

Naquele instante, uma onda de energia pura e selvagem explodiu do corpo de Toshiro. A energia era tão intensa que causou um pulso eletromagnético que apagou todas as luzes e sistemas eletrônicos em um raio de vários quarteirões. O carro de Nayomi parou abruptamente no meio da rua, completamente morto.

Onde Toshiro estava, agora se erguia algo diferente. Uma besta. Uma criatura de pura fúria e dor, envolta em uma aura vermelha escura. Três caudas longas e afiadas

chicoteavam o ar atrás dela. Dentes e garras assustadoramente longos brilhavam na penumbra. Chifres retorcidos brotavam de sua cabeça, e seu corpo musculoso era coberto por um pelo vermelho-escuro, manchado com o que parecia ser sangue fresco. Seus olhos eram fendas incandescentes de pura raiva.

Era Toshiro, mas ao mesmo tempo, não era. Era o poder bruto da Pedra Celest descontrolado, alimentado pela dor inimaginável da perda.

A Fera Vermelha ergueu a cabeça e soltou um rugido que abalou a cidade, um som que falava de dor, perda e uma sede de vingança insaciável. Todos que ouviram – humanos, soldados da ELO, até mesmo a criatura Skar gigante – sentiram um medo primordial percorrer suas espinhas.

Seus olhos incandescentes fixaram-se no gigante Skar, que havia acabado de se levantar completamente. Com uma velocidade estonteante, a Fera Vermelha disparou sobre quatro patas, cruzando a distância entre eles em segundos. Saltou sobre o peito do gigante, suas garras rasgando a carne escura e resistente até alcançar o núcleo metálico pulsante. Sem hesitar, ela apertou, e o núcleo implodiu com um som metálico agudo, dissipando-se em poeira energética.

Mas a fúria da Fera não estava saciada. Ela cravou os dentes no pescoço do gigante Skar, arrancando sua cabeça com um único movimento brutal. Ainda não satisfeita, fincou as garras na abertura do pescoço e rasgou o corpo do gigante de cima a baixo, dividindo-o em dois pedaços que caíram inertes no chão.

Parada sobre os restos de seu inimigo, a Fera Vermelha ergueu a cabeça novamente e rugiu para o céu escurecido, um som triunfante e ao mesmo tempo desolador, que fez o próprio chão tremer.