CAPÍTULO 3 – Olhares na Multidão

A música suave preencheu o salão luxuoso enquanto os primeiros modelos surgiam na passarela. Os flashes se acendiam a cada passo, registrando cada detalhe das peças exclusivas da Lumina. A decoração minimalista com toques florais dialogava com a elegância dos tecidos, criando uma atmosfera etérea que fazia todos se esquecerem por um instante do mundo ao redor.

Mas, para Laura Martins, nada daquilo era por acaso. Cada flor, cada luz, cada dobra das roupas havia passado por seus olhos atentos. Estava sentada na segunda fileira — sempre discreta, atrás de Giulia, que ocupava o lugar de destaque como imagem pública da empresa. Observava o desfile com o tablet em mãos, conferindo os ajustes finais dos últimos croquis digitalizados, as peças que ainda seriam reveladas naquela noite. Peças que ela mesma desenhara com dedicação absoluta.

Apesar do luxo ao redor, o brilho nos olhos dela vinha de outro lugar.

A noite era beneficente. Toda a arrecadação, inclusive dos lotes especiais leiloados após o desfile, seria destinada ao orfanato que ela ajudava a manter com tanto carinho. Um lugar simples, mas cheio de risos, desenhos nas paredes, livros infantis e pequenos sonhos que ela fazia questão de nutrir.

Era por aquelas crianças que ela trabalhava até de madrugada. Era por elas que lutava para que a Lumina não fosse apenas uma marca de luxo, mas uma ponte entre o glamour e a esperança.

— Está perfeito, como sempre — sussurrou Giulia ao se sentar ao seu lado, sorrindo e ajeitando o vestido verde-esmeralda que usava. — Eu não canso de dizer: você tem mãos de fada.

Laura sorriu de lado, sem tirar os olhos do tablet.

— Ainda acho que a terceira peça da sequência "aurora" precisa de um ajuste na gola. Está mais justa do que deveria. Quero fluidez.

— Ninguém vai notar.

— Eu noto. E isso basta.

Giulia soltou uma risadinha discreta.

— Às vezes me pergunto se você é humana. Ou uma artista renascentista reencarnada com uma obsessão perigosa por perfeição.

Laura desviou os olhos do tablet apenas para lançar um olhar irônico à amiga.

— E você? Continua adorando ser o rosto disso tudo?

— Amo cada segundo. Especialmente porque posso me vestir com Lumina sem pagar por isso. — Ela piscou. — Mas sério... devia estar lá em cima, recebendo os aplausos.

— E estragar tudo com um escândalo de identidade revelada? Não, obrigada.

Giulia suspirou. Sabia que a amiga nunca cederia. E, na verdade, admirava isso mais do que qualquer coisa. Laura era puro foco. Um vulcão silencioso de talento e intensidade. Alguém que não precisava se mostrar para dominar um ambiente. Bastava existir.

Enquanto as modelos caminhavam graciosamente pela passarela, Laura observava cada movimento. Sentia, quase como uma extensão de si, o balanço de cada tecido, a caída exata da renda, o brilho sutil nos pontos de luz bordados à mão. Ela mesma escolhera cada detalhe. Criara cada peça pensando em histórias. Sentimentos. Cicatrizes.

Em meio à plateia, os olhares se voltavam para o desfile — quase todos. Exceto um.

Na última fileira lateral, estrategicamente posicionado atrás de uma coluna de mármore e usando um terno azul marinho sob medida, estava ele. O homem que Laura salvara sem saber seu nome. Aquele que agora sabia tudo sobre ela.

Ou achava que sabia.

Ele a observava com atenção contida. Os olhos fixos no modo como ela gesticulava levemente com o tablet, como inclinava a cabeça ao notar um detalhe, como os cabelos soltos tocavam seus ombros sempre que ela se movimentava. Havia ali uma beleza crua, sofisticada e inacessível. E, para alguém como ele, isso era um desafio.

Mas ele não estava ali apenas por curiosidade. Queria ver com os próprios olhos o que tornava Laura Martins diferente de qualquer mulher que já conhecera. E não demorou para entender.

Ela não apenas criava roupas. Ela criava impacto.

O silêncio respeitoso da plateia foi rompido por aplausos quando a última modelo surgiu na passarela, vestindo um vestido longo, perolado, com transparências sutis e uma flor bordada sobre o coração. A assinatura oculta de Laura. Uma homenagem às crianças do orfanato. Um símbolo de proteção.

A modelo parou na ponta da passarela, olhou diretamente para o centro da plateia e sorriu. Lágrimas se formaram nos olhos de Laura, embora ela as escondesse atrás da tela do tablet.

Aplausos, assobios discretos, elogios abafados. O desfile havia sido um sucesso.

Giulia levantou, recebendo os cumprimentos, acenando para as câmeras. Laura ficou sentada, recolhendo o tablet e tentando manter a discrição. Mas quando ergueu os olhos por um breve segundo, sentiu algo estranho.

Como se estivesse sendo observada.

Olhou ao redor, mas não viu nada além de convidados sorrindo, brindando, elogiando. A sensação, no entanto, permaneceu.

---

Horas depois, já nos bastidores, ela organizava as peças que seriam leiloadas. Estava com a equipe, descalça, de coque bagunçado e ainda com o vestido bege elegante que usara no evento. Mesmo assim, parecia tão poderosa quanto antes. Talvez mais.

Foi quando um dos assistentes veio até ela com uma expressão confusa.

— Senhora... há um convidado esperando por Giulia, mas ela já foi embora. Ele insistiu em deixar isso com você. Disse que seria importante.

Ela pegou o envelope preto e olhou o nome em alto-relevo: Valmont Group.

Seu estômago revirou.

Abriu com cuidado. Lá dentro, havia um cartão de agradecimento. Simples. Papel de linho italiano. Assinado com uma única letra: "D".

E um bilhete manuscrito abaixo:

"O destino é insistente. Não quis saber seu nome, mas agora conheço sua essência. Obrigado por mais do que uma vida salva. Pelo talento, pela coragem. Pela força invisível que carrega sem mostrar."

"Ainda vamos nos ver de novo."

Sem assinatura. Sem identidade.

Mas aqueles olhos azuis retornaram à sua memória como uma onda inesperada.

Laura fechou o envelope e guardou no bolso do casaco. O coração acelerado. Não sabia o que aquilo significava — se era uma ameaça, um jogo, ou apenas mais um enigma. Mas uma coisa era certa:

Ele a havia encontrado.

E não tinha a menor intenção de deixá-la esquecer.

---

Enquanto isso, do lado de fora, dentro de um carro de luxo estacionado a uma quadra do evento, ele girava um anel entre os dedos e observava a entrada principal pelo espelho retrovisor. Bernard, ao lado, mexia no tablet.

— Como foi?

— Incrível. Ela é ainda mais interessante ao vivo. E... mais forte do que imaginei.

— Vai se aproximar agora?

— Não. Ainda não. — Ele sorriu. — Mas quero que ela saiba que estou por perto.

— Isso é seguro?

— Nada nessa vida é. Mas isso... — ele disse, olhando a entrada onde ela aparecera por um segundo — ...vale o risco.

---

No apartamento de Laura, mais tarde naquela noite, ela estava sentada no sofá com uma xícara de chá nas mãos. O bilhete sobre a mesa, ao lado do tablet ainda aberto nos croquis. O silêncio era confortável, mas não apagava o turbilhão dentro dela.

Ela havia sentido algo estranho durante o desfile.

Agora sabia por quê.

Ele estava ali.

Mas não sabia quem ele era. Não ainda. E isso a deixava inquieta.

Mas, por mais que tentasse se convencer de que tudo aquilo era uma loucura passageira, uma parte dela sabia que não era o fim daquela história.

Era só o começo.