A batida da música vibrava nos ossos, e as luzes dançavam sobre os rostos, misturando tons de vermelho, azul e violeta no salão da boate. A pele da jovem CEO cintilava sob o reflexo das luzes, mas ela nem parecia notar. Estava ali por insistência da melhor amiga e sócia, Giulia, que dançava animadamente ao seu lado, cercada por olhares curiosos e desejosos.
— Você precisa relaxar, nem que seja por uma noite — dizia Giulia, rindo, puxando-a para o centro da pista. — Você com esse vestido e esse olhar... Meu Deus, vai matar metade dos homens aqui!
Ela apenas sorriu, sem jeito. Usava um vestido preto de cetim que abraçava suas curvas com elegância, destacando seus ombros e o longo cabelo castanho-escuro que deslizava até a cintura. Seus olhos, de um tom cinza quase prateado, chamavam atenção demais para o seu gosto. Ela não gostava de se destacar assim, não mais.
Enquanto Giulia girava ao som da música, ela olhou ao redor. Os olhares que recebia não eram de admiração, eram invasivos, pesados, como se despissem sua alma. Um aperto familiar surgiu no estômago. Sabia reconhecer o desconforto de ser observada como um troféu.
Precisava de ar.
Caminhou para fora da boate, passando pelos seguranças e saindo pela lateral. A noite estava abafada, mas a brisa leve tocou sua pele como um alívio. Encostou-se no muro, tentando afastar as memórias de um passado que lutava para esquecer. Respirou fundo, fechando os olhos.
Foi então que sentiu um calafrio.
Um ruído sutil a fez abrir os olhos, virando o rosto devagar. Havia uma sombra caída alguns metros adiante, perto de uma lixeira. Seu coração acelerou. De início, pensou ser um bêbado qualquer. Mas ao se aproximar um pouco, o reflexo da luz do poste revelou algo diferente. A camisa branca manchada de vermelho. O paletó jogado de lado. Um homem.
Seu corpo congelou.
Ele parecia desacordado. Mas ao se mover, ela viu seus dedos pressionando com força o abdômen, tentando conter o sangramento. Estava ferido... esfaqueado.
— Meu Deus...
Ela hesitou. Um passo para frente, outro para trás. Podia ser perigoso. Podia ser uma armadilha. Mas quando seus olhos se encontraram — olhos azuis tão claros que pareciam refletir o próprio céu — ela soube que não conseguiria deixá-lo ali. Não era capaz de ignorar alguém pedindo ajuda com o olhar.
— Fique calmo, eu vou ajudar você, tá?
Ele não disse nada, mas sua expressão suavizou por um segundo. Era como se, ao vê-la, algo nele tivesse relaxado. Ela retirou a blusa que usava sobre o vestido e a pressionou contra o ferimento.
— Você foi esfaqueado? Quem fez isso?
— Não... importa... — ele murmurou, com dificuldade. Sua voz era grave, arranhada pela dor, mas havia nela uma firmeza incomum.
Olhou ao redor. Ninguém. A música abafada da boate era a única coisa viva naquela rua deserta. Sem celular. Giulia devia ainda estar dançando. E ele sangrava mais a cada segundo.
— Eu vou te levar ao hospital, meu carro está ali — disse, decidida.
— Não... — ele tentou protestar, mas não tinha forças.
Ela o ajudou a se levantar, sentindo o peso dele contra o próprio corpo. Apesar do estado, era um homem forte, mais alto que ela, com ombros largos e o corpo rígido mesmo na fraqueza. O perfume amadeirado e masculino ainda estava ali, como se ele tivesse saído de um evento de gala minutos antes.
Ao colocá-lo no banco de trás do carro, seu coração batia como um tambor. Estava nervosa, assustada. Mas mais do que isso, sentia algo estranho. Uma conexão que não compreendia. Um impulso que não podia explicar. Aqueles olhos azuis tinham dito algo sem palavras. Algo que ela não sabia decifrar... ainda.
Dirigiu rápido, ignorando os sinais vermelhos nas ruas vazias.
A cada segundo, olhava pelo retrovisor. Ele tentava manter os olhos abertos, mas a pálpebra pesava. A blusa que ela colocara sobre o ferimento agora estava completamente encharcada.
— Fica acordado, por favor — sussurrou. — Só mais um pouco.
O hospital apareceu como uma salvação à frente. Ela estacionou na entrada de emergência e correu para dentro, gritando por socorro. Enfermeiros vieram em segundos e tiraram o homem do carro com cuidado.
Ela ficou parada, ofegante, enquanto ele era levado para dentro.
Ainda não sabia seu nome. Não sabia quem ele era. Mas, por algum motivo que não compreendia, estava ali... com o coração apertado, como se aquele homem já tivesse um espaço dentro dela que nunca fora ocupado.
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— Você disse que o encontrou caído? — perguntou um dos policiais, minutos depois.
Ela assentiu. Estava com um cobertor nas costas, sentada em uma das cadeiras da recepção.
— Não parecia estar armado. Estava sozinho. Disse que não importava quem o esfaqueou.
O policial anotava, desconfiado. Ela notou, mas já estava acostumada a olhares desconfiados. Era uma mulher bonita demais, elegante demais, sozinha demais numa situação incomum. Ele provavelmente achava que ela estava mentindo.
— O senhor sabe quem é ele? — ela perguntou, nervosa.
O policial fez que não.
— Sem documentos. Mas pela roupa e aparência, não é qualquer um. Vamos descobrir.
Ela não respondeu. Não era da conta dela. Mas algo dentro dela queria saber.
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Horas depois, Giulia chegou aflita, depois de ver as mensagens perdidas da amiga. Queria entender tudo, mas ela apenas disse:
— Não sei quem ele é. Só sei que eu precisava ajudar.
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No dia seguinte, ela recebeu uma ligação do hospital. O paciente estava acordado. E... tinha pedido para vê-la.
Seu coração disparou. Por que ele pediria por ela? O que ele queria? Agradecer? Ou havia algo mais?
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Ao entrar no quarto, ele estava sentado na cama, pálido, mas com o olhar firme. Vestia uma camisola hospitalar e ainda estava ligado a soro. Quando a viu, um leve sorriso curvou seus lábios.
— Achei que talvez você não viesse.
Ela não respondeu de imediato. Parou na porta, observando. Seu rosto era forte, marcado, mas havia nele algo elegante. Olhos intensos, como gelo derretido.
— Você pediu para me ver — disse, com a voz neutra. — Estou aqui.
Ele a estudou por um segundo. Depois disse:
— Preciso agradecer. E... preciso te pedir uma coisa.
Ela franziu o cenho.
— Que tipo de coisa?
Ele respirou fundo.
— Não conte a ninguém que me trouxe aqui. E se alguém perguntar... diga que nunca me viu.
Seus olhos se encontraram novamente. E, naquele instante, ela soube que tinha acabado de cruzar uma linha invisível. Aquela noite não tinha sido por acaso.
— Quem é você? — ela perguntou, a voz mais baixa.
O sorriso dele foi quase imperceptível.
— Alguém que devia estar morto agora... se não fosse por você.