O céu se tingia de tons dourados, alaranjados e rosados, como se o universo decidisse participar do espetáculo. No coração da cidade, ao ar livre, o evento beneficente organizado por Laura Martins estava prestes a começar. Tudo havia sido cuidadosamente pensado para acontecer sob a luz suave do entardecer. A passarela espelhada refletia os raios do sol, e as flores brancas dispostas em arcos delicados pareciam flutuar sobre o cenário.
Era mais que um desfile.
Era o reflexo da alma de Laura.
Cada detalhe tinha sua assinatura. As peças, costuradas e finalizadas com suas próprias mãos, carregavam histórias reais. As modelos escolhidas representavam diversidade, força e beleza natural. E, acima de tudo, cada centavo arrecadado com aquele evento seria destinado às crianças do orfanato que ela cuidava com tanto carinho.
Nos bastidores, Laura era o centro do movimento. Usava um macacão preto elegante, discreto e funcional. Os cabelos, presos em um coque alto e charmoso, realçavam o formato delicado do rosto. Com o tablet em mãos e um fone no ouvido, ela cruzava o espaço com foco absoluto. Conferia iluminação, detalhes das roupas, cumprimentava discretamente os convidados e checava a programação com precisão impecável.
Do outro lado do evento, sentado discretamente na terceira fileira, Leonardo Moretti observava cada movimento dela. Vestia um terno escuro, bem cortado, e evitava os holofotes e as câmeras. Mas sua atenção estava cravada nela. Em como ela caminhava com postura firme, em como falava com firmeza e gentileza ao mesmo tempo, em como organizava tudo sem jamais buscar os aplausos. Era ela quem fazia tudo funcionar.
Era ela quem encantava, mesmo sem tentar.
Giulia, sua melhor amiga e vice, já estava no palco principal, pronta para apresentar o evento. Sorria com naturalidade, carismática como sempre, acenando para convidados e trocando cumprimentos com nomes importantes da moda e da imprensa.
— Boa tarde a todos! — disse ela ao microfone, dando início ao desfile. — É uma honra estar com vocês nesta edição especial do Luz & Alma, um projeto da Lumina que une moda com propósito. Cada peça que verão aqui hoje foi criada com uma missão: transformar vidas. E tudo foi feito com o coração. Aproveitem.
A plateia aplaudiu com entusiasmo.
E então, a mágica começou.
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Laura observava cada entrada com olhos atentos. Cada modelo, cada passo, cada feixe de luz precisava estar exatamente no lugar. Ela não era apenas a mente por trás da criação, era também a arquiteta do espetáculo. Ao seu lado, costureiras, maquiadores e assistentes acompanhavam com tensão. Mas ela estava calma. Comandava como quem conhece cada batida da própria obra.
A passarela se iluminou em tons quentes. Os primeiros modelos desfilaram com roupas fluidas, cortes assimétricos e tecidos sustentáveis. Nada era óbvio. Cada peça contava uma história. Um vestido azul de seda bordado à mão representava esperança. Um conjunto marrom e dourado, com recortes ousados e elegantes, falava sobre resiliência. E o vestido final, um longo branco com aplicações metálicas nos ombros e cintura, arrancou suspiros da plateia.
Leonardo acompanhava tudo sem piscar.
Seu olhar, no entanto, quase nunca se desviava dela. De como ela mantinha o foco. De como sorria de leve quando tudo dava certo. De como, mesmo distante do palco, era a presença mais marcante daquele lugar.
Era impossível não se admirar.
Era impossível não desejar.
Na lateral da plateia, Laura parou por alguns segundos para observar o resultado. O céu agora era um espetáculo à parte: uma paleta de aquarela sobre os telhados, como se o universo inteiro conspirasse para que tudo fosse perfeito.
Ela cruzou o olhar com Leonardo.
E por alguns segundos, o tempo parou.
Ele estava ali, sentado, com a postura elegante, mas o olhar denso, profundo, cravado nela. Havia algo em seus olhos que a fazia perder o fôlego. Algo entre admiração, desejo e respeito. Laura desviou o olhar rapidamente, sentindo um calor subir pela espinha.
Suspirou e se virou de volta para os bastidores, sorrindo de leve.
— Estamos indo para o look final — avisou Giulia no ponto eletrônico. — Preparem a música, luz baixa. Vamos fechar com a alma.
A trilha sonora suave mudou para um instrumental envolvente. A última modelo entrou com passos firmes, usando a criação mais simbólica da noite: um vestido que representava a jornada da infância até a liberdade. Tecidos leves e pesados se misturavam. O brilho era discreto, elegante, e a silhueta era imponente.
Os aplausos foram unânimes.
Todos se levantaram. Jornalistas, celebridades, críticos de moda. E Laura... permaneceu nos bastidores, segurando o tablet contra o peito e sentindo os olhos marejarem. Não pelo reconhecimento — mas porque mais uma vez, ela havia transformado algo invisível em algo inesquecível.
Assim que o desfile terminou, Giulia subiu ao palco novamente.
— Em nome da Lumina, agradecemos a todos. Cada centavo arrecadado hoje vai direto para as crianças do Projeto Semente. O futuro é feito de arte, solidariedade e sonhos. Boa noite!
A multidão se dispersou aos poucos, mas Leonardo não saiu do lugar. Esperou a movimentação acalmar e saiu pela lateral, contornando o local até encontrar Laura sozinha no fundo da estrutura, olhando para o céu.
— Laura — disse ele, ao se aproximar devagar.
Ela se virou, surpresa, mas sem esconder o sorriso.
— Achei que já tivesse ido embora.
— Eu nunca iria embora sem te ver depois disso.
O silêncio que se seguiu não foi desconfortável. Foi intenso. Um vento suave soprou entre eles, bagunçando levemente os cabelos dela, que agora estavam soltos.
— Foi a coisa mais bonita que já vi — continuou ele. — Não estou falando só do desfile. Estou falando de você. No seu mundo. No seu auge.
Ela desviou os olhos, envergonhada.
— Eu só... amo o que faço.
— E isso te transforma.
Ele deu mais um passo, agora próximo o bastante para que ela sentisse seu perfume. Era amadeirado, marcante, mas suave. Como ele.
— Me sinto honrada que tenha vindo — disse ela, sincera.
— Eu me sinto sortudo por ter vindo. — Os olhos dele baixaram para os lábios dela, depois voltaram para os olhos. — E por estar aqui agora.
Laura sentiu o coração acelerar. O calor da pele. O arrepio da nuca.
— Leonardo...
— Não precisa dizer nada. — Ele tocou o rosto dela com delicadeza. — Só queria que você soubesse... eu admiro cada parte do que você construiu. E estou aqui. Quando quiser, como quiser.
O beijo veio com naturalidade, calmo e íntimo. Um toque de boca que mais falava do que tomava. Laura correspondeu devagar, permitindo-se sentir. Permitir-se querer.
E ali, sob o céu dourado que ainda resistia ao anoitecer, ela soube que algo dentro dela começava a mudar.
Não era só o sucesso que ela merecia.
Era o amor... que talvez estivesse pronta para viver.