CAPÍTULO 14 – O Jogo da Verdade

O dia amanhecera com manchetes em letras douradas.

“Leonardo Moretti, o novo rosto do império financeiro mundial”, dizia a capa da revista Investidor Global. A imagem dele era sóbria, elegante, com o terno bem cortado e o olhar penetrante de quem sempre está no controle — ou pelo menos parece estar.

Laura viu a revista por acaso, em um café próximo ao orfanato. Havia ido visitar as crianças e comprar novos materiais para as aulas de arte, quando se deparou com a foto dele na vitrine de uma banca. A capa falava sobre seu sucesso, sua ascensão meteórica como CEO da Valmont Group, rival direta da empresa do pai, Alessandro Moretti, que comandava a tradicional Moretti Investimentos.

Pai e filho dominavam dois impérios, com estilos diferentes, mas a mesma sede de conquista. E, por isso mesmo, cercados de seguranças, alvos constantes de rivais poderosos, inveja e ameaças silenciosas.

Laura leu cada linha. Com atenção. Com curiosidade. Com algo a mais no peito.

Ele sabia tanto sobre ela.

Sobre seu passado. Sobre suas cicatrizes. Sobre os motivos que a faziam hesitar sempre que o desejo a invadia.

Mas ela... mal conhecia o dele.

E por mais que soubesse que aquele homem escondia camadas sob camadas, não queria mais andar no escuro.

Naquela noite, depois de tomar banho e prender os cabelos num coque bagunçado, Laura vestiu uma calça de linho leve e uma blusa preta de mangas longas. Queria estar confortável, mas firme. Queria olhar nos olhos dele e ouvir verdades.

Respirou fundo e bateu na porta do apartamento ao lado.

Leonardo estava em sua sala, sentado no sofá com um copo de whisky nas mãos. A garrafa, já pela metade, repousava na mesinha de centro. O noticiário de finanças passava na TV, mas ele não prestava atenção. Pensava nela. Como sempre.

Pensava nos lábios que o tiravam do eixo, no jeito como ela desviava o olhar quando sentia desejo, e como o corpo dela respondia ao dele mesmo sem tocar.

E pensar era tudo que podia fazer, porque agir... parecia arriscar perdê-la.

Estava se preparando para se render àquela angústia mais uma vez, quando a campainha tocou.

Ele se levantou devagar, desconfiado. Quando olhou pelo olho mágico, seu coração acelerou.

Era ela.

Laura.

Abriu a porta, e por um segundo, apenas a encarou.

Ela também ficou em silêncio.

— Posso entrar? — ela perguntou, direta.

— Claro — respondeu, dando passagem.

Ela entrou, observando o ambiente com atenção. O apartamento era elegante, moderno, mas sóbrio. Como ele. Os tons eram escuros, os móveis de design limpo, com toques sutis de sofisticação. Um apartamento de um homem acostumado a ter tudo sob controle.

— Bebeu? — ela perguntou, ao notar o copo na mesa.

— Um pouco — ele disse, sem esconder. — É a única coisa que me distrai... quando não consigo parar de pensar em você.

Laura se virou de frente para ele, os olhos firmes.

— Então por que investigou minha vida? Por que foi atrás de tudo sobre mim? — A voz dela era calma, mas carregada de emoção. — Eu tenho o direito de saber. Você sabe tanto sobre mim, Leonardo... e eu, até hoje, não sabia sequer que seu nome está em revistas do mundo todo.

Leonardo respirou fundo. Encostou-se no sofá, apoiando os braços nas coxas. A cabeça baixa. O silêncio pesava.

— Eu investiguei você... porque não sabia lidar com o que senti quando te conheci.

Ela franziu a testa, surpresa.

— Como assim?

— Eu não sabia seu nome. Não sabia quem era. Só sabia que uma mulher tinha me salvo de morrer, e que ela era linda, calma... com olhos que eu não conseguia esquecer. Eu precisava saber quem era você. — Ele levantou os olhos. — E quando descobri... tudo fez sentido. A força. O mistério. A dor.

Laura se aproximou devagar, sentando-se na poltrona à frente dele.

— E o que você realmente quer comigo, Leonardo?

Dessa vez, ele não hesitou.

— Quero você.

O silêncio caiu entre eles. Um silêncio denso. Carregado.

— Quero te conhecer de verdade. Não só seus gestos... mas seus medos, seus limites, seus desejos. — Ele se levantou, foi até a janela, mas continuou falando. — E sei que errei investigando. Foi invasivo. Mas não foi por controle, nem por jogo. Foi por medo.

Ela o observava em silêncio.

— Eu cresci sendo preparado para um mundo cruel. Meu pai me ensinou desde cedo que confiança é fraqueza. Que qualquer vínculo é risco. Já vi mulheres se aproximarem de mim por interesse, por dinheiro, por status... — Ele virou-se, encarando-a. — Mas com você... é diferente.

Laura cruzou os braços.

— E você não pensou que talvez eu também tenha medo?

— Eu pensei. E penso até agora. Por isso estou tentando me conter. Mas é difícil, Laura. Muito. — Ele passou a mão no cabelo. — Você mexe comigo de um jeito que eu não esperava. E eu tento ser respeitoso, dar espaço. Mas toda vez que estou perto de você, meu corpo reage. E sei que você percebe.

Ela desviou o olhar, sentindo o rosto corar.

Sim, ela percebia.

Ela sentia.

Sentia o desejo nos olhos dele, no calor do toque. No jeito como ele endurecia o maxilar, como prendia a respiração. Como desviava os olhos e tentava disfarçar a excitação. E, no fundo, isso a excitava também.

Mas o medo ainda existia.

— Você me assusta, Leonardo — ela confessou, num sussurro. — Porque tudo em você é intenso. Sua presença... seu olhar... seu controle.

Ele se aproximou devagar, parando à sua frente.

— Eu não quero te assustar.

— Mas você quer me conquistar.

— Quero. E não vou negar isso. — Ele agachou-se, ficando na altura dela. — Mas não vou te pressionar. Eu vou esperar. Só... não me peça para fingir que não sinto.

Laura ficou em silêncio, encarando aqueles olhos claros, agora vulneráveis. Era a primeira vez que ele se despia diante dela. Sem defesa. Sem máscara.

— Eu só quero... que você me diga a verdade. Sempre.

— Eu prometo — disse ele, com firmeza.

Ela tocou o rosto dele com a ponta dos dedos. Foi um gesto pequeno, mas que o fez fechar os olhos por um segundo.

— Obrigada por me dizer. Por não fugir.

Ele segurou a mão dela e a beijou, devagar.

— Você ainda me quer aqui, Laura?

Ela respirou fundo. O coração disparado.

— Quero.

E ele a beijou.

Dessa vez, não foi delicado.

Foi faminto.

Foi o beijo de quem esperou por semanas, de quem se conteve, de quem sonhou com aquilo todas as noites. Laura respondeu com igual intensidade, puxando-o pela nuca, deixando que sua boca falasse o que ela ainda não conseguia dizer com palavras.

Ele a ergueu no colo, mas ao sentir a respiração dela acelerar de um jeito diferente — mais nervoso do que excitado — parou.

— Tudo bem? — perguntou, ainda ofegante.

Ela assentiu com a cabeça, os olhos marejados.

— Eu só... ainda me assusto quando sinto demais.

Leonardo encostou a testa na dela, ainda segurando-a no colo.

— Então vamos com calma. Por você. Por nós.

Laura sorriu, com os olhos brilhando.

E naquela noite, mesmo sem irem além do beijo, dormiram juntos no sofá, entrelaçados, com o coração mais próximo do que jamais estiveram.