O céu tingido de tons alaranjados anunciava mais um amanhecer na fazenda. Laura já estava de pé, com os cabelos presos em um coque improvisado e vestindo uma calça jeans velha e uma blusa surrada do pai. Aquela era sua rotina favorita: os pés descalços na varanda de madeira, o cheiro do café fresco, e o som dos animais despertando o dia.
— Hoje tem que colher as abóboras, hein, Laurinha — disse o pai, já de chapéu e bota, segurando o cesto de vime.
— Pode deixar comigo. Só não me faz brigar com a galinha de novo — ela brincou, rindo.
— Aquela galinha não gosta de ninguém que chega perto dos pintinhos — disse a mãe, saindo com um bule na mão. — Nem da gente.
Laura pegou sua xícara e olhou para os dois, com o coração cheio. Eles estavam ali, vivos, felizes, com saúde e tranquilidade. O riso vinha fácil. O amor se sentia no ar. E ela... ela estava em paz.
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Mais tarde, já no quintal, Laura caminhava entre as plantações com o celular em mãos, registrando cada canto da fazenda.
Fotografou o pé de goiaba onde costumava subir quando era criança. Depois o milharal, a horta com alfaces robustas e o velho espantalho que o pai se recusava a trocar — segundo ele, dava sorte.
— Esse espantalho parece saído de um filme de terror — comentou, rindo.
— Ele é feio, mas espanta até pensamento ruim — disse o pai, colocando um cesto de legumes nos braços dela.
Laura tirou uma selfie com o espantalho ao fundo e mandou para Leonardo com a legenda:
“A concorrência tá pesada por aqui. Ele é o único homem da fazenda.”
A resposta veio logo:
“Tô oficialmente com ciúmes. Mas ele que não ouse te olhar com segundas intenções.”
Ela gargalhou sozinha.
— Apaixonada, hein? — cutucou a mãe, que chegava com uma cesta de ovos.
— Talvez. — Laura sorriu. — Não dá pra negar que ele tem feito falta aqui.
— Então quando voltar pra cidade, volta decidida, filha. Às vezes a gente precisa se permitir viver.
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Os dias se sucederam com leveza. Ela ajudava o pai a consertar cercas, tirava leite das vacas com a mãe, e fazia carinho nos animais enquanto conversava sobre a vida. Tirava fotos de tudo: das mãos enrugadas da mãe costurando à sombra da mangueira no fim da tarde.
À noite, sentavam-se os três na varanda com cobertores sobre os ombros, observando o céu estrelado e dividindo histórias da infância dela, lembranças boas e engraçadas que faziam todos gargalhar.
— Lembra quando você tentou colocar fita adesiva nas galinhas pra ver se elas voavam? — o pai riu.
— Eu tinha certeza que elas só precisavam de uma ajudinha — Laura respondeu, gargalhando também.
Entre uma conversa e outra, o celular vibrava. E sempre era ele.
Leonardo:
"Acabei de fechar um contrato importante, mas tudo que eu queria era te contar pessoalmente."
Laura:
"Tô orgulhosa de você. Guarda uma comemoração pra mim quando eu voltar."
Leonardo:
"Guardo todas. Inclusive as que ainda nem aconteceram."
Essas mensagens, curtas e frequentes, iam preenchendo os espaços que a distância tentava abrir. E mesmo ali, rodeada de tudo que amava, Laura sentia que algo estava faltando.
Faltava ele.
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Numa manhã, ela acordou mais tarde que o habitual. Tinha dormido de rede na varanda, com o som da chuva batendo nas telhas como canção de ninar. Quando abriu os olhos, viu o céu ainda nublado, as árvores pingando e o cachorro enrolado aos pés dela.
Entrou na cozinha e encontrou a mãe preparando bolo.
— Dormiu bem?
— Dormi... e sonhei com ele.
— Com o Leonardo?
Laura assentiu.
— É estranho, mãe. Eu sempre amei estar aqui. Sempre foi suficiente. Mas agora... sinto que tem algo me puxando de volta.
A mãe sorriu com sabedoria.
— Isso se chama saudade, minha filha. E quando é de verdade, não importa o tempo nem a distância. O coração sabe onde quer estar.
Laura foi até a janela e ficou olhando para a plantação que se estendia até o horizonte. Sentia saudade daquele lugar desde o dia que partiu, anos atrás. Mas agora, sentia saudade de um homem que só entrou na sua vida semanas antes.
E isso dizia muito.
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No fim da tarde, ela montou um pequeno álbum digital com todas as fotos que tirou: a cozinha antiga, a mesa farta, os pés descalços na terra, o céu tingido de laranja. E mandou para Leonardo com a frase:
“Esse é meu mundo. Queria que você conhecesse pessoalmente.”
Ele respondeu com um áudio:
— “Laura... acho que nunca quis tanto conhecer um lugar quanto agora. É tudo tão você, tão bonito, tão verdadeiro. Obrigado por dividir isso comigo. Estou contando os dias pra te ver. Volta logo.”
Ela ouviu a mensagem três vezes, só para escutar a voz dele. E depois segurou o celular contra o peito, sorrindo como uma boba apaixonada.
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Naquela noite, enquanto os pais jogavam cartas na sala, Laura ficou sozinha na varanda, observando as estrelas mais uma vez. A mesma rede de sempre, o mesmo som dos grilos, o mesmo cheiro de mato molhado.
Mas havia algo novo dentro dela.
Um desejo que se transformava em certeza.
Ela já não pertencia apenas àquele lugar, embora o amasse com todo o coração. Parte dela queria voltar. Voltar para o homem que tinha invadido sua rotina com gentileza, desejo e cuidado.
Voltar para Leonardo Moretti.
E dessa vez... sem se esconder. Sem medo. Sem defesas.
Porque, por mais que amasse o silêncio da terra, o som da voz dele era o que queria ouvir quando acordasse todos os dias dali pra frente.