Marcos fechou os olhos por um instante, tentando organizar seus pensamentos. As informações que havia visto flutuando à sua frente mais cedo retornaram à sua mente. Assim que pensou nelas com intenção, as letras começaram a surgir novamente diante de seus olhos, uma a uma, até formar um painel completo.
[FICHA PESSOAL]
Nome: Marcos
Idade: 18 anos
Altura: 1,76 metros
Peso: 63 kg
Sexo: Masculino
[ATRIBUTOS]
Força: 6
Agilidade:6
Intelecto: 10
Vigor: 7
Resistência: 8
Destreza: 9
Mana: (2x Resistência + Intelecto)
[HABILIDADES – Guardião Sagrado]
• Passivas:– Poder Sagrado (1)– Regeneração Corporal (0)– Regeneração de Poder Sagrado (0)– Resistência Psicológica (0)
• Ativas:– Totem de Cura (1)– Aprimoramento Espiritual (0)– Runas Sagradas (0)– Absorção (0)
Pontos de Maestria Disponíveis: 1
Marcos encarou aquela ficha com atenção, absorvendo cada informação. Os números e palavras brilhavam suavemente no ar, como se cada dado revelasse uma parte oculta de si mesmo. Ele sentia que aquilo era mais do que um painel — era uma representação direta da sua essência dentro da simulação.
Com o cenho franzido e a ficha ainda projetada à sua frente, ele se virou para Verditos, que o observava com um leve sorriso curioso.
— Então… — começou Marcos, hesitante — ao ser abençoado, meus atributos não mudam? A diferença está apenas na obtenção da classe, é isso? Eu começo com uma habilidade passiva e uma ativa fixa, e posso escolher outra com esse ponto de maestria? Ou sou obrigado a gastar esse ponto em algo específico? E… como eu ganho mais pontos de habilidade?
A enxurrada de perguntas saiu mais rápido do que ele esperava, revelando o turbilhão de dúvidas que o tomava por dentro. Verditos soltou uma risadinha curta antes de responder, em seu tom calmo e didático:
— Sim, cada classe começa com duas habilidades iniciais: uma passiva e uma ativa. Além disso, você ganha um ponto extra para desbloquear outra habilidade da sua escolha. Mas cuidado — não se trata apenas de “comprar” habilidades como em um jogo qualquer. Existe uma diferença importante entre habilidades passivas e ativas.
Ele fez uma pausa e então apontou para o próprio peito, como se estivesse demonstrando algo invisível.
— As passivas são como extensões naturais de você mesmo. Elas funcionam automaticamente, sem precisar de muito esforço ou conhecimento. Já as ativas… essas exigem aprendizado, treino e técnica. Por exemplo: você já tem mana suficiente para realizar uma ação mágica, mas para usar seu totem de cura, por exemplo, você precisa saber como fazê-lo. Precisa entalhar, imbuir, ativar… tudo isso exige prática. Habilitar uma habilidade ativa te dá o conhecimento, não a execução imediata.
— Tente pensar na sua habilidade ativa — disse ele, cruzando os braços e observando com expectativa.
Marcos fechou os olhos e tentou se concentrar em sua habilidade ativa. No instante em que focou sua atenção, algo despertou dentro dele. Uma sensação estranha o tomou, como se memórias vagas começassem a emergir de um canto esquecido de sua mente.
Imagens confusas piscavam diante de seus olhos — formas de totens esculpidos à mão, runas sagradas gravadas com cuidado, a sensação da mana percorrendo seus dedos. Ele sabia o que fazer… mas não sabia como fazer. Era como lembrar de um idioma que aprendeu na infância, mas não usava há anos. Ele entendia o significado, sabia reconhecer as palavras, mas ao tentar pronunciar… a fluidez desaparecia.
Abriu os olhos e se virou para Verditos, visivelmente surpreso.
— Então… as passivas funcionam por si só. Mas as ativas… não me dão a capacidade de realizar algo diretamente. Elas me dão o conhecimento de como fazer, mas eu ainda preciso aprender, treinar e manipular a mana por conta própria… — murmurou, como se estivesse organizando tudo em voz alta.
Verditos assentiu com um sorriso satisfeito.
— Exatamente. Sua inteligência não está aí só para enfeite, hein? — brincou. — Eu sei que tudo isso parece um jogo, e em alguns aspectos é parecido… mas aqui, Marcos, estamos lidando com realidade. Magia exige conhecimento, controle, e acima de tudo, esforço. Por isso a deusa deixou um “impulso de aprendizado” para cada habilidade: um eco do que você precisa fazer. Mas o resto… é com você.
O guia alargou o sorriso e gesticulou com a cabeça, indicando que havia mais para ser visto.
— Agora… vamos para a última parte do salão. É hora de você conhecer o verdadeiro campo de treino.
Verditos guiou Marcos até a última seção do salão, onde o espaço se abria em uma área circular ainda maior, envolta por uma aura silenciosa de expectativa. Diante deles, dispostas em semicírculo, erguiam-se doze imensas estruturas de pedra, semelhantes a portais arcaicos esculpidos à mão. Cada um exalava uma presença sutil, como se aguardasse ser despertado.
À frente desses portais, havia um grande mural de pedra com uma enorme placa de madeira ao centro escurecida pelo tempo, repleto de papéis fixados com pregos antigos. Alguns estavam mais amarelados, outros pareciam recém colocados, como se as missões ali se atualizassem constantemente.
— Esta será sua área de treinamento a partir de agora — disse Verditos, com a voz firme e cerimonial, apontando com a palma aberta para os portões.
Ele se aproximou do mural e passou os dedos por entre os papéis, puxando um de leve antes de o soltar.
— Aqui estão os doze portais — continuou. — Sete deles são voltados para o treino dos atributos principais: Força, Agilidade, Intelecto, Vigor, Resistência, Destreza e Mana. Três são dedicados às classes produtivas: Laboratório, Forja e Oficina. E por fim, os dois restantes são voltados para o combate: um simulado, e outro real.
Marcos observava tudo com atenção, tentando assimilar aquela nova organização. Tudo parecia funcional, mas também mágico — como se cada estrutura carregasse consigo o peso de gerações de treinamento.
— Cada um desses papéis representa uma missão específica — explicou Verditos. — Ao ler e rasgar um, o portal correspondente será ativado e criará uma passagem para o desafio descrito. Simples, direto… mas não subestime.
O guia fez uma pausa e então olhou de relance para Marcos, com um semblante mais sério.
— Como você havia perguntado antes: a cada fase da simulação que você completar, ganhará um novo ponto de habilidade. E neste estágio inicial, cada sala tem três níveis. Para desbloquear o próximo, você deve concluir o anterior. Para avançar na simulação, será necessário completar pelo menos o nível 3 de combate simulado ou o nível 2 de combate real.
Marcos assentiu devagar. O sistema fazia sentido — mas parecia mais exigente do que imaginava.
— Um aviso importante — continuou Verditos, com um tom mais grave. — Eu posso te acompanhar em qualquer sala… exceto na de combate real. Lá, você estará por sua conta. Então só entre quando estiver realmente preparado.
A tensão daquelas palavras se instalou por um momento, mas logo Marcos deu um passo à frente, atraído pelo mural. Seus olhos passearam pelos papéis colados, até que um em particular chamou sua atenção. Ele o puxou cuidadosamente e leu o conteúdo escrito em letras rúnicas claras:
Salão de Agilidade
Você deve concluir o percurso de 500 metros sobre plataformas flutuantes em até 10 minutos.
A leitura o fez sorrir. Aquilo lhe lembrava os programas de televisão em que participantes atravessavam pistas aquáticas em busca de prêmios, tropeçando e caindo ao menor erro. Parecia divertido… e gerenciável.
— Então é só pegar e rasgar o papel? — perguntou, já com a mão se preparando para isso.
Verditos arqueou uma sobrancelha, como quem já esperava a pergunta.
— Tem certeza de que quer começar pela sala de Agilidade? Eu recomendaria Força ou Vigor. São mais simples. Mas… nenhuma sala representa risco real, então a escolha é sua.
Marcos hesitou por um segundo, mas acabou sorrindo.
— Se não tem risco… vamos nessa.
Rasgou o papel.
No mesmo instante, um dos doze portais começou a brilhar intensamente. A luz amarelada emanava como o reflexo de um espelho antigo, tremeluzindo e se solidificando dentro do arco. Era como se a própria realidade estivesse sendo moldada ali, chamando-o para dentro.
Sem saber exatamente o que esperar, Marcos caminhou até o portal e atravessou o limiar.
Do outro lado, o cenário havia mudado completamente.
Agora ele se encontrava em cima de uma gigantesca plataforma circular suspensa sobre um lago calmo, cuja superfície refletia o céu como um espelho profundo. À sua frente, um percurso se estendia por meio quilômetro, composto por dezenas de plataformas flutuantes — algumas se moviam lentamente da direita para a esquerda, outras subiam e desciam de forma sutil. Havia plataformas finas como tábuas, e outras largas, mas inclinadas.
Verditos surgiu atrás dele, materializado como um espectador silencioso.
— Esta é a sala de treinamento de Agilidade — disse com ares de mestre de prova. — Você deve atravessar até o outro lado no tempo estipulado. Se cair, será transportado de volta ao salão de treinamento… mas sem completar o desafio.
Marcos se aproximou da borda e olhou para baixo. As plataformas estavam a uns três metros da superfície da água. Não era uma queda mortal, mas… com certeza seria dolorosa.
— E se eu quiser desistir agora? Posso sair da sala?
Verditos suspirou com um certo pesar.
— Não. Uma vez que a missão é iniciada, você só pode sair ao completá-la ou será expulso ao terminar do tempo estimado, mas o tempo só é contabilizado ao tentar realizar a tarefa exigida na missão — disse, sério.
Marcos engoliu seco.
“Beleza… é só uma pista molhada de televisão gigante. Nada demais”, pensou, tentando se convencer.
Respirou fundo, se posicionou na borda, e ao ouvir o sinal de início de Verditos, deu o primeiro passo.
A primeira plataforma era firme, mas incrivelmente estreita. Ele se desequilibrou no instante que pousou os pés, mas conseguiu se estabilizar com esforço. Acima de sua cabeça, no céu, uma espécie de cronômetro brilhava, marcando os segundos que corriam.
Avançou para a próxima plataforma, que subia e descia lentamente. No momento em que aterrissou, um leve movimento o desequilibrou. Tentou se ajustar, mas acabou tropeçando, caindo para frente e batendo com força na borda da estrutura.
O impacto arrancou-lhe o fôlego.
Uma dor aguda atravessou seu abdômen como uma lâmina, e antes que pudesse se recuperar, o corpo de Marcos escorregou e mergulhou de cabeça na água gélida abaixo.
Não havia almofadas mágicas ali. A queda foi real. A dor também.
Foi como despertar de um pesadelo.
Marcos abriu os olhos ofegante, com o corpo coberto de suor frio. Por um instante, pensou estar de volta à sua cama… mas ao olhar ao redor, percebeu as paredes de pedra, os portais distantes e a iluminação mágica do salão. Aquilo não era um sonho. Aquela dor — aquela queda — foram reais.
Instintivamente, ergueu a camisa e olhou para o próprio abdômen. Uma mancha roxa se estendia pela pele, pulsando com dor. Ele tocou com cuidado e gemeu baixo. O golpe não fora apenas visual — deixara marcas reais.
Foi então que notou Verditos, parado a alguns metros dali, observando-o em silêncio. A expressão do guardião era neutra, como se aguardasse algo.
Indignado, Marcos se levantou, ainda sentindo a rigidez do impacto, e foi até ele com passos trêmulos.
— Você não disse que essas salas não ofereciam risco real? — questionou, erguendo a camisa e apontando para a marca roxa. — Como você me explica isso? Eu estou todo machucado!
Verditos, diferente de seu semblante travesso e descontraído habitual, o encarou com seriedade. Pela segunda vez desde que chegaram àquele lugar, sua feição era de completa sobriedade.
— Acho que você não entendeu o que eu quis dizer com “sem risco real” — respondeu, com a voz firme. — Você não está num parque de diversões. Está aqui para treinar o corpo… e ultrapassar seus próprios limites. Quando eu digo que não há risco real, me refiro à sua vida. Machucados, dor, exaustão — tudo isso é parte do processo. Isso aqui é real, Marcos.
As palavras cortaram como navalha. Só então Marcos começou a se dar conta de que estava tratando tudo de forma leviana. A ambientação mágica, a ficha de status, os desafios… tudo se parecia demais com os jogos que costumava acompanhar. Mas agora estava claro: aquilo não era um RPG para se divertir. Era um treinamento. Um caminho perigoso.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, digerindo cada palavra, até que balançou a cabeça, respirou fundo e, com um ar mais sério, disse:
— Então… acho melhor eu usar aquele ponto de maestria restante na minha passiva de regeneração. Se é para continuar… é melhor me preparar direito.
Verditos, agora com um leve sorriso voltando ao rosto, assentiu com satisfação.
— Excelente escolha. Vai te ajudar bastante com os treinos e, principalmente, com a recuperação física a longo prazo.
Marcos fechou os olhos e mentalizou sua ficha novamente. O painel apareceu à sua frente como da última vez, e ele moveu o foco para a habilidade “Regeneração Corporal”, ativando-a com seu ponto restante.
[Regeneração Corporal]Aumenta drasticamente a recuperação física natural. Pode regenerar ferimentos graves e até membros perdidos.
Assim que confirmou a ativação, uma onda quente percorreu seu corpo. Era como mergulhar em uma banheira morna após um dia exaustivo. Seus músculos relaxaram, a dor diminuiu, e o roxo no abdômen começou a desaparecer diante dos seus olhos, como se o tempo estivesse sendo acelerado ali mesmo.
Em poucos segundos, estava completamente curado.
— Incrível… — murmurou, impressionado com a eficácia daquela habilidade.
Mas a sensação de alívio durou pouco.
Logo em seguida, um cansaço repentino o atingiu como uma marretada. Seus membros ficaram pesados, os pensamentos embaralhados. Era como se tivesse passado horas em um treino intenso e depois virado a noite estudando.
Cambaleou levemente e olhou para Verditos, confuso.
— O que foi isso? Por que eu estou me sentindo tão exausto? A habilidade não era para me curar?
Verditos sorriu com paciência, como um mestre que espera por essa pergunta.
— E curou. Mas a regeneração precisa de energia… e você ainda não aprendeu a controlar sua mana. Por isso, a habilidade puxou tudo de forma bruta, drenando sua energia vital e mental. Como eu já disse, Marcos, mana é uma força real. E ela exige esforço real.
Marcos assentiu, compreendendo enfim o peso daquele novo mundo. Era tudo mais intenso, mais exigente… mais sério.
Mesmo com a cabeça pesada, decidiu que o melhor a fazer naquele momento era descansar. Caminhou de volta até sua cama, cada passo revelando a exaustão profunda que o tomava. Ao deitar-se, sentiu o corpo finalmente relaxar.
Antes de fechar os olhos, murmurou baixinho para si mesmo:
— Preciso levar isso mais a sério…
E então dormiu — não como quem foge da dor, mas como quem aceita o preço do crescimento.