Capítulo 6: Habilidade Ativa

Já fazia uma semana desde que Marcos iniciara sua nova rotina. Todos os dias começavam do mesmo jeito: despertava com o corpo cansado, tomava um banho para aliviar as dores, comia algo leve e, então, partia determinado para mais um ciclo de treinos.

Desde o primeiro contato com o salão de mana, ele vinha seguindo à risca os conselhos de Verditos. A cada manhã, iniciava seu dia no Salão de Vigor, um campo aberto com uma pista circular de terra batida, medindo um quilômetro de circunferência.

A missão era simples no papel, mas desafiadora na prática:

[Missão – Salão de Vigor]

Percorrer 10 km em até 1h10.

Ali, entre suor e poeira, Marcos já notava os frutos do esforço. Com o condicionamento físico em melhora constante, sua energia se mantinha mais estável nos treinos seguintes. Após completar o percurso, ele passava pela fonte mágica para recuperar o corpo, e então seguia direto para o Salão de Mana, onde treinava sua mente e controle de energia.

Ao final do dia, após mais uma visita à fonte, ele encerrava a jornada no Salão de Força — o mais exigente para o corpo, mas também o que mais mostrava seu progresso.

Apenas uma semana de treinamento intenso havia passado, mas os resultados já eram impressionantes. Quando começou, Marcos mal conseguia correr cinco quilômetros sem parar. Agora, conseguia alcançar com esforço de sete a oito antes que o tempo limite o alcançasse.

Na sala de força, o progresso também era visível. Antes, ele apenas observava o tronco de 35 kg como um desafio distante. Hoje, já havia conseguido levantá-lo — e mais que isso: arriscara tentar o de 50 kg pela primeira vez.

Mas foi no salão de mana onde sua evolução mais se destacava. Graças à sua facilidade precoce em sentir e canalizar a energia, ele agora era capaz de manter a mana concentrada nas palmas por até seis segundos — um feito notável, considerando que a missão pedia apenas dez segundos de estabilidade.

Naquela manhã, ele seguia sua rotina como de costume: banho, alimentação, preparação física e mental para mais um ciclo de treinamentos. No entanto, enquanto atravessava o caminho até o salão, Verditos o observava de longe, flutuando calmamente com os braços cruzados e um olhar atento. Foi então que ele se aproximou com uma sugestão inesperada.

— Então, Marcos… agora que já domina a mana com mais facilidade, o que acha de tentar começar a praticar sua habilidade ativa?

Marcos parou, surpreso. Não havia cogitado começar tão cedo. Desde a primeira vez em que Verditos explicara o funcionamento das habilidades ativas, ele sabia que seria um processo complexo. A primeira exigência era justamente o domínio da mana — algo que ele só agora estava começando a compreender.

Mas ao pensar no quanto já havia avançado… talvez fosse o momento certo.

Ele refletiu por alguns segundos, ponderando se deveria continuar sua rotina focada nas salas de missão ou se valia a pena interromper um pouco o progresso para entender, de fato, como funcionava sua habilidade especial.

— Acho que você tem razão — respondeu enfim, virando-se para o mentor. — O que eu devo fazer agora?

Verditos sorriu e começou a se aproximar com aquele tom didático de sempre.

— Como eu disse antes, as habilidades ativas não são como feitiços comuns em histórias de fantasia, que você simplesmente ativa ao dizer um nome ou gesto. Ao despertar uma habilidade, você recebe os conhecimentos para utilizá-la, mas precisa lembrar como aplicar esse conhecimento.

Marcos franziu o cenho, curioso.

— Lembrar?

— Sim. Pense na habilidade como se fosse uma memória esquecida. Ao focar nela, essas lembranças voltam, como se você estivesse assistindo a um tutorial — ou revivendo algo que já fez antes.

Marcos assentiu, mais preparado agora que compreendia melhor o fluxo da mana. Fechou os olhos e se concentrou em sua habilidade ativa: Totens de Cura.

Em poucos segundos, uma enxurrada de informações invadiu sua mente.

Imagens, formas, movimentos… Ele começou a visualizar ferramentas em sua mão, sentir o peso da madeira, recordar a textura ao esculpir, o som dos entalhes sendo feitos. Era como se tudo aquilo estivesse guardado dentro dele, apenas esperando para ser redescoberto.

Um formigamento percorreu seus braços e mãos — ele sentia, de verdade, como se aquilo fosse algo que já havia feito mil vezes, mesmo sem lembrar quando. Visualizou o momento exato em que infundia mana nos totens, transferindo lentamente a energia para dentro deles até preencher cada entalhe com luz sagrada.

Foi só depois de alguns instantes nesse transe que Marcos voltou a si, ofegante, como se tivesse acordado de um sonho vívido. Verditos o observava com atenção.

— E então? Conseguiu ver o processo completo? — perguntou com calma.

— Sim… foi incrível. Era como assistir a um vídeo de mim mesmo, praticando algo que eu já soubesse, mas tivesse esquecido. Agora sei o que fazer… só não tenho prática ainda para fazer bem-feito.

Verditos abriu um sorriso satisfeito.

— Exato. Essa é a sensação correta. E se você tivesse tentado antes de entender a mana, veria apenas pedaços soltos — ou talvez nem isso. Algumas habilidades exigem não só a energia, mas também conhecimentos específicos para que possam ser praticadas. No seu caso, é necessário entender um pouco de entalhe, escultura, condução de mana… tudo isso faz parte do processo.

Sem dizer mais nada, Verditos começou a flutuar lentamente em direção à ala leste da caverna.

— Venha. Vamos ao salão de oficina. É hora de começar a praticar.

Ao chegarem à seção de missões, Marcos se aproximou do pergaminho marcado como [Salão de Oficina]. No topo da folha, lia-se:

[Salão de Oficina]

Você só poderá entrar uma vez por dia e poderá permanecer no máximo por 6 horas.

Confuso, Marcos virou-se para Verditos.

— Essa missão não mostra o nível nem um objetivo claro como as outras. Por que isso?

Verditos pareceu satisfeito com a observação e respondeu com um leve sorriso:

— Boa pergunta. A diferença é que os salões de produção só possuem níveis e objetivos bem definidos para as classes do Guardião Produtivo, porque as habilidades deles são diretamente ligadas a esses ambientes. Para os demais guardiões, esses salões funcionam mais como oficinas livres, sem missões obrigatórias.

Ele continuou com calma:

— Ou seja, se você fosse de uma classe do tipo do guardião Produtor, haveria metas específicas para você cumprir aqui — como fabricar certa quantidade de itens, desenvolver novos projetos, entre outros. Mas no seu caso, você pode usar a oficina como quiser, apenas para treinar sua habilidade ativa.

Marcos assentiu. Fazia sentido. Aquela sala não era um desafio obrigatório, mas um recurso disponível para quem precisasse desenvolver habilidades específicas fora do combate direto.

Com a decisão tomada, pegou o pergaminho da missão e o rasgou ao meio. No mesmo instante, um dos portais brilhou com um tom metálico de cobre vivo, iluminando o chão com runas geométricas.

Ao atravessar o portal, Marcos se deparou com uma nova caverna. Não era enorme, mas tinha espaço de sobra para trabalhar com folga. O teto era arredondado e rochoso, e o ambiente tinha um ar mais seco e amadeirado, como se fosse um antigo depósito de ferramentas rituais.

No centro, havia uma mesa de pedra maciça, larga e pesada, praticamente impossível de mover. À esquerda, uma prateleira de madeira carregava diversos materiais naturais, desde pequenos troncos até ossos curvos, pedras esculpidas e fibras vegetais. À direita, outra prateleira estava repleta de ferramentas artesanais: formões de diversos formatos, facas de entalhe, raspadores e um maço de madeira polida.

Era como se aquele lugar tivesse sido montado exatamente para ele.

Marcos caminhou até a mesa e passou os olhos por cada canto da oficina. Tudo ali parecia cuidadosamente disposto, como se esperasse apenas por suas mãos. Os troncos empilhados na prateleira, os ossos curvos, as ferramentas alinhadas — era difícil não se sentir atraído por cada detalhe.

Ele se aproximou devagar da prateleira de materiais e, instintivamente, seus dedos tocaram a superfície áspera de um pedaço de madeira clara. Havia algo familiar naquele toque… algo que despertava as lembranças que havia acessado antes, durante o devaneio mágico.

Ainda assim, uma dúvida lhe martelava a mente. Até agora, tudo o que vira em suas memórias envolvia madeira. Mas será que aquilo era uma regra… ou apenas um reflexo de sua primeira experiência?

Virando-se para Verditos, ele decidiu perguntar:

— Então, Verditos… os totens que estou criando precisam ser sempre de madeira?

perguntou Marcos, franzindo a testa.

— Nas minhas lembranças, só vi madeira sendo usada, mas… e se eu quiser usar outro material no futuro?

Verditos pousou no ar à sua frente com um pequeno sorriso.

— Boa pergunta. A resposta é um pouco mais complexa do que parece — disse, antes de continuar com a explicação.

— Toda classe tem duas formas de afinidade com a infusão de mana. A primeira é a chamada afinidade primária, que todo mundo possui. Ela permite imbuir mana em qualquer objeto natural e simples — como um pedaço de madeira, uma pedra, uma folha isolada. Mas atenção: estamos falando de partes únicas e isoladas, não de árvores inteiras ou conjuntos vivos. Deu para entender?

Marcos assentiu, acompanhando com os olhos atentos.

— A segunda é a afinidade secundária — continuou Verditos — e essa varia de acordo com a classe… e até entre pessoas da mesma classe.

Ele então levantou três dedos, explicando com clareza:

— Existem três tipos principais:

1. Natural – Afinidade com elementos complexos da natureza, como fogo, água, terra, vento… Esses elementos não são “simples” como um galho, porque envolvem múltiplas camadas de energia.

2. Processado – Afinidade com materiais já transformados ou compostos, como armas, armaduras, ferramentas com partes combinadas ou tratadas. Um exemplo seria alguém que consegue imbuir mana com facilidade em uma armadura de couro costurada com vários tipos de tecido e metal.

3. Orgânico – Afinidade com elementos vivos ou derivados da vida. Ossos, escamas, cascos, sangue, até tecidos vegetais ou criaturas vivas. Classes como domadores de feras ou curandeiros geralmente se encaixam aqui.

Verditos então cruzou os braços, olhando para Marcos.

— No seu caso, pela sua classe voltada para a cura, sua afinidade secundária é com o orgânico. Por isso, é muito mais natural para você trabalhar com madeira ou ossos do que com ferro ou cristal.

Marcos ficou em silêncio por um instante, digerindo a informação. Ele esperava uma resposta simples, talvez um “sim” ou “não”. Mas agora entendia que a questão ia muito além disso.

— Então… mesmo que eu queira imbuir uma espada, por exemplo, eu conseguiria… só que com mais dificuldade?

Verditos sorriu e assentiu.

— Exatamente. Não é impossível, mas é como usar uma ferramenta errada para o trabalho: funciona, mas gasta mais energia e dá menos resultado. Já quando você trabalha com algo dentro da sua afinidade… a mana flui como se sempre tivesse pertencido àquilo.

Após a longa e inesperadamente detalhada explicação, Marcos enfim decidiu dar início à criação dos totens que usaria em sua habilidade ativa. Caminhou até a prateleira de materiais e selecionou vários troncos menores, com cerca de vinte centímetros de comprimento e aproximadamente dez centímetros de diâmetro.

Deixou os troncos cuidadosamente sobre a mesa de pedra e, em seguida, foi até o outro lado da sala pegar as ferramentas. Com base nas lembranças despertadas durante o treino anterior, ele sabia que formões e martelo seriam ideais para esculpir — mas também compreendia que nem sempre teria esses recursos disponíveis. Por isso, optou por ferramentas mais práticas e portáteis: um canivete de entalhe e uma faca de escultura.

As lâminas eram simples, mas afiadas. Uma mais fina, para retirar o excesso de material; a outra, para entalhes precisos e detalhados. Com as ferramentas em mãos, Marcos voltou à mesa e começou a trabalhar.

Apesar das mãos firmes, os primeiros resultados foram irregulares. As lembranças o guiavam, mas era como reaprender algo que um dia já soubera fazer bem. Após algumas tentativas e falhas, ele foi recuperando a “mão” — e os últimos totens pareciam mais promissores. As formas ganhavam simetria, e os entalhes, profundidade.

Decidido a dar o melhor de si, ele foi até a prateleira novamente e escolheu um novo tronco.

Esse seria o totem final.

O pedaço de madeira em suas mãos ainda era bruto, mas Marcos já havia marcado o centro e começado a afinar levemente uma das extremidades, preparando a base que seria cravada no chão.

Com movimentos lentos e cuidadosos das lâminas, ele começou a desenhar espirais e círculos rúnicos, concentrando-se na harmonia da forma — como se cada linha fosse um canal para a mana fluir.

No topo do totem, esculpiu traços que lembravam uma face simples e serena, com olhos alongados e um semblante neutro. Era a representação simbólica do espírito curador, um guardião ancestral. Logo abaixo, entalhou duas hastes curvas, que lembravam chifres ou asas — símbolos de proteção e equilíbrio.

Por fim, passou os dedos sobre os entalhes. A textura era áspera em alguns pontos, mas o totem parecia vivo, como se aguardasse apenas o momento de cumprir seu propósito.

Diante de si, pela primeira vez, estava um totem que ele considerava verdadeiramente satisfatório — digno de receber sua mana sagrada.

Marcos observou o totem por um instante, em silêncio.

Aquela madeira entalhada não era apenas um pedaço de tronco — era o reflexo do seu esforço, da sua memória despertando, da sua evolução.

Era a primeira vez que ele via algo criado com as próprias mãos ganhar significado real.

Não era perfeito. Mas era dele. E agora… ele estava pronto para dar vida àquilo.

Agora, ele estava pronto.

Pronto para tentar infundir sua mana no totem.

Pronto para, enfim, dominar sua habilidade ativa.