Capítulo 6

A lua estava alta no céu, derramando sua luz prateada sobre as pedras antigas da fortaleza. Kaledus caminhava silenciosamente pelos corredores escuros, os passos abafados por seu cuidado em não despertar a atenção dos guardas noturnos. Já fazia semanas que ele pensava em como poderia deixar a academia sem que ninguém percebesse. Talvez uma brecha na muralha oeste, pensou. Ou então a passagem subterrânea que ouvi falar...

Deslizando pelas sombras, ele chegou à margem do lago que abastecia a academia. A água calma refletia o brilho das estrelas, e a brisa fria da noite arrepiava sua pele. Foi então que ele percebeu que não estava sozinho. Mais adiante, de joelhos, à sombra de um carvalho na beira do lago, estava Sansara. Uma pequena vela flutuava sobre a superfície da água, iluminando o rosto dela com uma luz suave.

Ele se aproximou em silêncio, curioso. Ela murmurava palavras baixas, como uma prece, e lançou um punhado de pétalas de flores na água. Uma oferenda aos elementais, Kaledus percebeu.

— Sabe que fazer amarração do amor é errado, né? — disse ele, quebrando o silêncio e sorrindo com malícia. — Nunca podemos interferir na vontade de alguém.

Sansara ergueu o olhar para ele, sem surpresa, e deu de ombros. — Eu não estou fazendo amarração nenhuma, garoto. Eu quero é ser mais forte.

Kaledus suspirou, cansado, recostando-se em uma árvore próxima. — Poder e força... é tudo o que todos querem aqui. Mas para quê, afinal?

— Para proteger o reino — ela respondeu, com uma convicção que quase o fez rir.

— Não é para isso — ele retrucou. — É pela glória. E, no seu caso, talvez para ser notada por um certo alguém.

Sansara ficou em silêncio por um momento, os olhos estreitados, mas não recuou. Kaledus deu um passo à frente, parando ao lado dela e apoiando o braço no tronco da árvore, aproximando seu rosto do dela. — É difícil ele notar outra pessoa além dele mesmo, você devia saber a essa altura.

Por um instante, o rosto de Sansara ficou iluminado pela luz da vela, revelando cada detalhe de sua pele macia, e Kaledus se pegou observando-a com mais atenção do que pretendia. Ele estendeu a mão, puxando uma mecha de cabelo que caía sobre o rosto dela, sentindo a suavidade do toque.

— Você podia estudar outras opções — ele murmurou, a voz baixa, quase um sussurro.

Sem aviso, Sansara o acertou com um chute forte no meio das pernas. Kaledus cambaleou, dobrando-se de dor, o ar fugindo de seus pulmões.

— Nunca mais me toque — ela disse, a voz carregada de raiva, antes de virar as costas e se afastar, seus passos ecoando na quietude da noite.

Kaledus ficou ali, ofegante, observando-a se afastar com um sorriso torto nos lábios, apesar da dor. Talvez eu tenha merecido essa, pensou, antes de se recostar novamente na árvore, ainda lutando para recuperar o fôlego.

*

A noite estava silenciosa quando o emissário chegou à academia. Diferente das entradas imponentes típicas de sua posição, ele veio discretamente, conduzido por um guarda até a sala de reuniões de guerra, um espaço escuro e austero escondido nas profundezas da fortaleza. Lá, mapas detalhados do reino, maquetes de batalhas passadas e futuras, e armas antigas adornavam as paredes, um lembrete constante de que a guerra nunca estava longe.

O professor Ralvor aguardava, os braços cruzados e o olhar fixo nas chamas de uma vela. Quando o emissário entrou, ele ergueu os olhos, avaliando o homem por um momento antes de falar.

— Não esperava uma visita tão… formal do Reino de Arven — disse Ralvor, o tom da voz tão frio quanto a pedra ao seu redor.

O emissário retirou o capuz, revelando um rosto severo e marcado por cicatrizes de batalhas antigas. Ele fez uma breve reverência. — Sir Ralvor, agradeço por receber-me em tão curto prazo. Vim em nome do reino para verificar o progresso de… — ele hesitou por um segundo — a princesa.

Ralvor manteve a expressão inabalável. — Aqui, ela não é uma princesa. É apenas mais uma aluna.

— E no entanto, ela é mais do que isso — retrucou o emissário, dando um passo à frente. — Sua Alteza está ansiosa para saber como está se desenvolvendo. A jovem Sansara foi enviada aqui com um propósito claro: tornar-se a esposa do príncipe regente e garantir a aliança que nossos reinos tanto precisam.

Ralvor bufou, um som baixo e carregado de desdém. — Se o seu objetivo é transformá-la em um adorno para a corte, talvez estejam desperdiçando o tempo dela aqui. Esta academia não cria figuras decorativas. Criamos guerreiros.

O emissário ergueu o queixo, encarando Ralvor com uma intensidade que poucos ousariam. — O príncipe precisa de uma rainha que possa liderar ao lado dele. Uma que seja forte, sim, mas também que compreenda seu lugar e dever. Como ela está se saindo?

Ralvor ponderou por um momento, escolhendo cuidadosamente as palavras. — A princesa Sansara se mostrou excepcional. Ela é determinada, corajosa e está se destacando como uma das melhores alunas. Enfrentou perigos que fariam a maioria dos jovens fugir. Não apenas sobreviveu, mas liderou sua equipe com coragem. Ela não será uma mulher que aceitará passivamente um destino ditado por outros.

— E quanto aos… interesses amorosos? — O emissário perguntou, um olhar astuto brilhando em seus olhos. — Houve algum caso ou distração?

Ralvor inclinou-se um pouco mais à frente, como se refletisse antes de responder. — Tenho a sensação de que ela tem um certo interesse, sim. Mas, pelo que percebo, não é correspondida. O rapaz em questão parece indiferente aos sentimentos dela.

O emissário ergueu uma sobrancelha, claramente satisfeito. — Excelente. A falta de distrações emocionais vai mantê-la focada em seu propósito real. Quando o tempo chegar, ela deve ser leal apenas ao príncipe.

Houve uma pausa antes do emissário fazer a última pergunta, sua voz baixa e carregada de expectativa. — E o que me diz sobre seus poderes? A linhagem elemental da família dela é conhecida por manifestar habilidades extraordinárias. Ela despertou alguma coisa?

Ralvor fez uma pausa antes de responder, seus olhos escurecendo por um momento. — Não. Até agora, não houve nenhum sinal de que ela despertou seu poder elemental. Talvez ainda não tenha se dado conta do que é capaz, ou talvez ainda não esteja pronta para isso.

O emissário assentiu, um brilho calculista no olhar. — Bem, seria melhor que ela descobrisse isso sob a orientação certa, não acha? Quando estiver ao lado do príncipe, ele poderá ajudá-la a despertar seu verdadeiro potencial.

Ralvor manteve a expressão firme, sem revelar nada. — Se houver um poder adormecido nela, ele despertará quando for a hora certa. Mas não será para servir os propósitos de ninguém, a não ser os dela.

— Apenas certifique-se de que ela esteja pronta para o que está por vir. A família de Sansara descende diretamente dos elementais. Há um poder que corre em suas veias, mesmo que ela ainda não o tenha percebido. A expectativa é que, com o tempo e o treinamento correto, esse poder desperte. Talvez isso faça dela uma futura rainha ainda mais valiosa. 

Ralvor ficou em silêncio, considerando as palavras do emissário. Iriam usá-la de um jeito ou de outro. Com ou sem poder.

O velho cavaleiro ficou em silêncio enquanto o emissário saía, deixando apenas o crepitar das chamas para preencher o vazio. Sansara terá que descobrir o que realmente significa ser forte, não apenas por causa de um título ou de uma aliança, tem um jogo muito mais traiçoeiro acontecendo além dos campos de batalha, pensou. 

Enquanto a porta se fechava, Ralvor olhou para a chama da vela, pensando no caminho que a garota ainda teria que percorrer.