A manhã começou tensa para a equipe Aurora. Após a batalha contra os orcos e a manifestação inexplicável do poder de Sansara, os três concordaram em manter o acontecimento em segredo, pelo menos até entenderem o que aquilo significava. Mas o silêncio entre eles era pesado, quase palpável, enquanto se preparavam para o Torneio do Crepúsculo.
Sansara mal conseguia olhar nos olhos de Hakui e Kaledus. O peso da revelação de sua origem a esmagava, e tudo que ela pensava conhecer sobre si mesma parecia desmoronar. Toda minha vida foi uma mentira, ela pensava. Eu não sou apenas a filha de um comerciante. Fui treinada para ser uma arma, e eu nem sabia disso.
Enquanto os outros alunos riam e conversavam animadamente sobre o torneio, Sansara sentia-se sufocada. Seu cabelo loiro claríssimo estava preso em uma trança apertada, mas algumas mechas haviam escapado, balançando ao vento. Seus olhos de mel com toques de verde estavam distantes, perdidos em pensamentos. Kaledus, percebendo a tensão, se aproximou.
— Ei, vamos sobreviver a isso, assim como sobrevivemos aos orcos — ele tentou brincar, mas a preocupação era evidente em seu tom.
— Não é a luta que me preocupa — respondeu Sansara, seu olhar fixo no chão. — É o que vem depois. Por que me treinaram? Por que esconderam isso de mim?
Hakui, que estava afiando sua espada, ergueu os olhos. Seus cabelos negros de brilho azulado refletiram a luz da manhã, e seus olhos negros pareciam perfurar Sansara
— Talvez seja algo que você precise descobrir por conta própria. Mas, por enquanto, precisamos ficar juntos e manter o foco.
Ela assentiu, mas o nó em seu estômago não desapareceu. Será que posso confiar neles? Ou eles também têm segredos que estão escondendo de mim?
*
O torneio começou, e o campo de treinamento foi transformado em uma arena grandiosa. As arquibancadas estavam cheias de estudantes, instrutores e convidados de honra, todos ansiosos para assistir aos duelos. O príncipe regente estava presente, e sua presença elevava a importância do evento a outro patamar.
— Parece que temos companhia especial hoje — Kaledus comentou, indicando o príncipe.
— Ele veio procurar guerreiros — disse Hakui, com uma firmeza que não deixava dúvidas sobre sua determinação. — E é isso que eu vou mostrar a ele.
Quando o nome de Hakui foi chamado, ele caminhou até o centro da arena, mantendo a postura firme e a expressão inabalável. Sua oponente, Inara, já estava lá, pronta para lutar com o cantil de água preso ao cinto. Ela não parecia intimidada, mas seu olhar estava fixo em Hakui, tentando prever seus movimentos.
— Que a batalha comece! — anunciou o juiz, levantando a bandeira.
Inara abriu seu cantil de água e, num piscar de olhos, transformou a água em facas de gelo, arremessando-as com precisão na direção de Hakui. Ele não se moveu, apenas desviou o corpo de maneira sutil, fazendo com que as facas passassem por ele sem sequer tocá-lo.
— Vamos, Inara, mostre-me algo de verdade — ele provocou, o brilho roxo em seus olhos se intensificando.
Inara rosnou e lançou mais estacas de gelo, cada vez maiores e mais rápidas, mas o dom da visão superior de Hakui tornava cada movimento dela previsível. Ele se movia como se estivesse dançando, uma coreografia ensaiada, e nada que ela fizesse parecia atingi-lo.
— É tudo o que você tem? — Hakui perguntou, sua voz carregada de desdém.
Inara, desesperada, concentrou-se e criou uma lança de gelo. Com um grito, ela correu em sua direção, tentando usar toda a sua força e velocidade.
No último momento, Hakui agiu. Seus olhos brilharam, captando cada micro movimento de Inara, e ele desviou para o lado, golpeando o pulso dela e fazendo-a soltar a lança, que se estilhaçou ao tocar o chão. Com um giro rápido, ele derrubou Inara, imobilizando-a no chão da arena.
O silêncio tomou conta do campo por um momento, antes de explodir em aplausos e murmúrios de admiração. Hakui se levantou, estendendo a mão para Inara, que aceitou relutante.
— Boa luta — ela disse, com um misto de frustração e respeito.
— Não foi — respondeu Hakui, já se virando para deixar a arena. — Mas, talvez um dia você chegue lá e não seja tão previsível.
Sansara, das arquibancadas, observando Hakui falar tão próximo ao rosto de Inara ficou com ciúme, mas logo ela afastou aquele pensamento. Eu tenho problemas maiores.
Ao longe, o príncipe regente observava a cena com um sorriso, seus olhos brilhando de interesse. Para Sansara, o olhar do príncipe parecia um aviso. Ele sabe, ela pensou, o medo voltando com força total. Ele sabe o que eu sou.