Capítulo 14

O sol estava se pondo quando os alunos se reuniram na grande arena para a cerimônia de honrarias. As bandeiras do torneio ainda balançavam ao vento, e o brasão da academia brilhava em dourado e púrpura no topo da arquibancada. Os estudantes sussurravam entre si, lançando olhares de curiosidade e respeito na direção da equipe Aurora.

Quando o nome da equipe foi chamado, Sansara, Hakui e Kaledus caminharam juntos até o centro da arena, os olhos fixos no mestre Ralvor, que os esperava com um sorriso discreto, mas genuíno. Nas mãos dele, havia dois brasões dourados.

— Equipe Aurora, vocês demonstraram coragem, inteligência e habilidade excepcionais durante o torneio — Ralvor declarou, sua voz ecoando pelas paredes de pedra. — Por terem sobrevivido a todas as batalhas e não perderem nenhum membro, é com orgulho que lhes concedo o brasão de Invictos.

O brasão brilhava sob a luz do sol poente, e Sansara sentiu um calor de orgulho e satisfação preencher seu peito. Hakui pegou o brasão, mantendo a expressão séria, mas não conseguindo esconder o leve sorriso que surgia no canto de seus lábios. Kaledus, por outro lado, deu um aceno exagerado, provocando algumas risadas entre os espectadores.

— E por terem domado a quimera, uma criatura que muitos guerreiros experientes jamais enfrentariam, vocês recebem o brasão de Domadores de Bestas — Ralvor continuou, entregando o segundo brasão a Sansara, que o segurou com cuidado, sentindo o peso do metal frio em suas mãos.

A multidão irrompeu em aplausos e gritos, e por um breve momento, Sansara esqueceu as dúvidas e medos que a atormentavam. Ali, cercada por seus amigos e colegas, ela sentiu que finalmente tinha um lugar, um propósito.

— Agora que temos esses brasões — Kaledus cochichou — será que vão nos deixar em paz?

— Duvido muito — disse Haiku brincando com algo pela primeira vez. 

— Venham, crianças. Vamos comemorar. — disse Ralvor.

*

Na taverna, o ambiente era caloroso e convidativo. As mesas de madeira estavam cobertas por canecas de cerveja, e uma lareira estalava no canto, lançando sombras dançantes nas paredes de pedra. Ralvor não perdeu tempo em pedir cervejas para os três, e dessa vez, a bebida era ainda mais escura e amarga do que a anterior.

— A melhor cerveja que eles têm — Ralvor disse, com um brilho divertido nos olhos. — E hoje, vocês merecem.

Hakui deu um gole e fez uma careta. — Isso é horrível.

Kaledus, por outro lado, estava adorando. — Ah, é disso que eu tô falando! — exclamou, dando um grande gole e soltando um suspiro satisfeito.

Sansara riu, sentindo-se relaxada pela primeira vez em dias. — Vocês não fazem ideia de como estou feliz agora.

— Não me emociona, garota, você ainda precisa treinar amanhã — brincou Kaledus, piscando para ela.

Ralvor observava os três, e pela primeira vez, deixou que um sorriso orgulhoso e genuíno se espalhasse pelo rosto. — Vocês fizeram um bom trabalho, equipe Aurora. Mas lembrem-se de que este é apenas o começo.

Eles brindaram e, enquanto o sabor amargo da cerveja se espalhava pela língua de Sansara, ela sentiu que, por mais incerto que fosse o caminho à frente, estava pronta para enfrentá-lo com seus companheiros ao seu lado.

*

A lua cheia iluminava o céu quando os três iam em direção ao grande Lago Elemental, a cabeça leve e os passos desajeitados, ainda sob o efeito da cerveja escura que haviam bebido. Rindo e tropeçando, Sansara, Hakui e Kaledus caminharam até o lago que ficava nos arredores da academia, um lugar sagrado onde muitos faziam suas oferendas aos elementais.

— Vamos fazer isso direito — disse Kaledus, com um sorriso preguiçoso, pegando as pequenas lanternas de azeite que sempre carregava consigo. — O que seria uma celebração sem um pedido aos elementais?

Eles se sentaram na beira do lago, o brilho da água refletindo a luz das estrelas. Um a um, acenderam as lanternas e as soltaram na superfície calma do lago, observando enquanto elas flutuavam suavemente.

Kaledus foi o primeiro a falar. — Eu desejo... — Ele fez uma pausa, o olhar se perdendo na luz da lanterna. — Eu desejo poder explorar o mundo logo. — Ele riu de si mesmo, meio envergonhado. — Quero sair por aí, conhecer pessoas, lugares, viver de verdade.

Hakui deu um pequeno sorriso antes de fechar os olhos e soltar sua própria lanterna. — Eu desejo ser digno do nome do meu pai. — Sua voz soou mais séria, mais pesada do que o usual. — Quero ser forte o suficiente para proteger este reino, assim como ele foi.

Sansara observou a lanterna de Hakui flutuando, e por um momento, sentiu um aperto no coração. Ela pegou a última lanterna, segurando-a nas mãos por alguns instantes antes de soltá-la na água. — Eu... eu desejo descobrir a verdade sobre o meu passado — disse, a tristeza evidente em sua voz. — Quero saber quem eu realmente sou e por que fui criada para ser... uma arma.

O silêncio se instalou entre os três, interrompido apenas pelo som suave da água e o farfalhar das folhas ao vento. Foi Hakui quem quebrou o silêncio primeiro, um suspiro pesado escapando de seus lábios.

— Pelo menos você teve sorte — ele murmurou, olhando para o reflexo da lanterna. — Você teve uma família, Sansara. Eu e Kaledus não tivemos, não de verdade. — A mãe de Hakui havia morrido no parto e embora ele tivesse uma madrasta, ele não a considerava sua família. Percebeu Kaledus concordando em silêncio, seus olhos castanhos escuros perdidos no horizonte.

Sansara hesitou antes de falar, a voz embargada pela emoção. — Eu sei que fui sortuda. Eu amo meus pais, e sou grata por tudo o que fizeram por mim. Mas... como eu posso confiar neles agora? — Ela passou a mão pelo rosto, tentando segurar as lágrimas. — Eles me treinaram como uma arma. Como se eu fosse apenas um peão.

Hakui a observou por um momento, a expressão suavizando. — Eles fizeram o que achavam certo. Eles serviram ao reino como puderam. Mas, ao contrário do que poderiam ter feito, não a trataram como um pária, Sansara. Eles a trataram como uma filha, com amor e cuidado. Mesmo sabendo que você é uma descendente do reino de Fhalr, eles nunca deixaram de amá-la. Isso faz deles pessoas honradas.

Ela olhou para Hakui, surpresa por sua compreensão, e percebeu algo em seu olhar que nunca tinha notado antes. Uma gentileza que, por tanto tempo, ele tentou esconder. Ela assentiu, um pequeno sorriso se formando em seus lábios.

— Você tem razão — disse ela, finalmente se permitindo relaxar. — Eles me ensinaram tudo que sei sobre honra e coragem, mesmo sendo comerciantes.

— E sabe? San — Kaledus a chamara assim pela primeira vez e esperou que ela protestasse mas ela não disse nada, então ele continuou — dizem que o objetivo da família real de Fhalr é produzir o maior número de domadores que eles conseguirem, então as princesas, as concubinas e até mesmo criadas estão cheias de filhos, muito provavelmente você é uma dessas crianças e a vida de uma bastarda não é fácil e lá realmente eles são criados para serem meros soldados, não cavaleiros.

— Caramba! Quanto tempo faz que você sabe disso e não me contou? — Eu não tinha ideia! Eu… eu… posso ser filha do nosso maior inimigo? — Kaledus assente com a cabeça.

Lágrimas se formam nos olhos de Sansara ela está desolada. Kaledus sabia daquilo desde o dia que ela tinha manifestado seu poder. Não era uma informação que todos tinham, mas ele tivera uma educação diferenciada com seu tutor e também lia correspondência real sempre que podia. 

Vendo Sansara naquele estado, Haiku teve um instinto primitivo de abraçá-la e o fez, talvez ajudado pelo álcool, talvez já quisesse fazer isso há muito tempo. Ela retribuiu o abraço. Kaledus fechou os punhos com força. Agora que ela é especial, ele se interessa por ela.

Sem dizer mais nada Kaledus se afastou e foi embora para o dormitório. E, sob o olhar da lua, as três lanternas que flutuavam lago à dentro foram se tornando apenas pontinhos de luz na imensidão negra.

— Quem diria que Kaledus não aguentaria tantas cervejas... — comentou Sansara com uma risada, o tom embriagado pela leveza do momento.

Hakui, que também parecia mais relaxado do que o normal, sorriu de lado. — E eu achando que ele seria o último a cair.

Eles pararam em frente ao grande lago elemental, onde as árvores ao redor projetavam sombras alongadas. A brisa fresca da noite beijava suas faces enquanto eles caminhavam, deixando a bagunça da taverna para trás. Sansara sentiu o vento gelado em sua face e se aninhou mais no abraço de Hakui.

— É estranho, né? — disse Sansara, seus olhos fixos no reflexo da lua. — Parece que tudo está prestes a mudar de novo, e eu não sei se estou preparada.

— Parece que nós nunca estamos realmente preparados, Sansara. Só lidamos com o que aparece no nosso caminho.

Houve um silêncio entre eles. O vento sussurrou entre as folhas, e Sansara, com o coração um pouco mais acelerado do que antes, virou-se para encará-lo. O olhar de Hakui era suave, uma expressão rara para alguém tão focado e sempre tão distante. Pela primeira vez, ele parecia verdadeiramente presente.

— Eu sempre admirei sua força, sabia? — disse ele, a voz rouca embriagada, baixando o olhar momentaneamente antes de voltar a encará-la. — Mesmo quando tudo dá errado… você… encontra uma maneira de seguir em frente.

Sansara sorriu, um pouco tímida com a confissão. — Talvez seja porque tenho vocês ao meu lado.

Hakui deu um passo à frente, mais próximo agora. A luz da lua realçava os traços de seus rostos. O brilho azulado de seus olhos púrpura encontrou o mel esverdeado dos de Sansara. Havia algo no ar, uma tensão suave, algo que sempre esteve ali, mas que nenhum dos dois havia permitido florescer.

Sem mais palavras, Hakui inclinou-se devagar, hesitante por um breve instante, como se ainda estivesse lutando com algo dentro de si. Sansara, com o coração batendo forte, fechou os olhos e, então, seus lábios se encontraram.

O beijo foi suave no início, tímido e lento. A lua parecia brilhar ainda mais forte, como se o mundo ao redor deles desaparecesse por completo. O toque de Hakui em sua cintura a fez se sentir eletrizada e ela entrelaçou suas mãos de em seu pescoço firme e musculoso.

— Eu... — começou Sansara, mas Hakui a silenciou com um sorriso, encostando sua testa na dela.

— Não precisa dizer nada — murmurou ele. — Apenas... fique aqui. Só mais um pouco. — o cavaleiro afastou uma mecha de cabelo do rosto de Sansara com um toque firme, mas gentil, algo que ela nunca havia imaginado que ele pudesse ser. 

A respiração de Sansara era lenta e o ar estava mais denso ao redor deles respondendo ao calor de seus corpos. Hakui, que sempre fora tão controlado e focado, havia perdido o controle. Ele perdeu o controle por mim. Algo nos olhos dele estava diferente, algo que Sansara nunca havia visto antes, não era apenas afeição; era desejo.

Os dedos de Hakui deslizaram pela cintura de Sansara e ele a puxou mais para perto com firmeza. Ele tirou a camisa de linho que vestia e Sansara enlouqueceu ao sentir os músculos do seu peitoral de guerreiro. Iluminados apenas pela luz prateada da lua, os olhos quase roxos de Hakui ardiam com uma intensidade inebriante. Ele a olhava como se estivesse segurando um desejo há muito tempo contido, algo que ele havia escondido de si mesmo — e dela.

— San... — ele murmurou, a voz baixa e rouca, enquanto seus lábios roçavam levemente o pescoço dela, uma carícia suave, mas que incendiava cada nervo do corpo da jovem.

Ela sentiu o calor subir por sua pele, o desejo que ecoava no toque dele pulsando junto com o ritmo acelerado de seu próprio coração. As mãos de Sansara, antes hesitantes, agora seguravam Hakui com mais firmeza, suas unhas cravando em seus ombros, e um calor crescente ardia entre os dois. A respiração de Hakui ficou mais pesada e ele a puxou para o seu colo enquanto Sansara entrelaçou as pernas ao redor do corpo forte do cavaleiro sentindo-o enrijecer.

Seus lábios se encontravam com urgência, um desejo desenfreado que parecia ter sido reprimido por tempo demais. O beijo, diferente do primeiro, era intenso e fervoroso, e Hakui a segurou com mais força. Ele é meu como eu sempre sonhei. 

— Não sei por quanto tempo mais vou conseguir me segurar... — sussurrou Hakui, suas palavras entrecortadas enquanto sua boca roçava o ouvido de Sansara.

— Então não se segure. — Ela respondeu mordendo o lábio inferior dele, fazendo aqueles olhos arderem como chamas roxas. Ela sentiu as mãos de Hakui explorarem suas costas, soltando as fitas do seu vestido. A lua testemunhava aquele momento proibido, onde os sentimentos reprimidos finalmente vieram à tona.

Hakui a puxou ainda mais para perto, sentindo a pele nua e macia de Sansara com voracidade, a levantou sentindo seu colo e mamilos enrijecidos pelo frio com seus lábios úmidos. Apenas o fino tecido de seda das vestes íntimas da jovem cavaleira os separaram e mesmo assim, ele sentiu sua umidade através dele enquanto a segurava apenas com um braço e a mão livre removeu o restante de roupa que os separavam com destreza. 

O guerreiro acariciou lentamente sua entrada, sentindo-a tremer de prazer e gemer em resposta. Deitou-a sobre as roupas espalhadas pela grama da margem do lago, fundindo seus corpos lentamente e a tomando para si sob a proteção das folhas do grande carvalho. 

O som tenro dos gemidos o fez desejá-la com mais intensidade. Enroscou seus dedos profundamente nos cabelos prateados pela luz da lua e segurou com força, expondo o pescoço de Sansara e beijando-o com intensidade. Com a outra mão deslizou entre seus corpos acariciando-a enquanto a invadia ritmadamente até senti-la estremecer e contorcer-se em êxtase.

Provaram-se e deleitaram-se com todo o fervor que só aqueles que conheceram a perda e o risco iminente da morte podem sentir. E, por um instante, apenas por um momento… Ambos sentiram que Kaledus estava certo… A vida merecia ser vivida e cada momento apreciado, longe de garras e das guerras daqueles que tentavam controlar seus destinos.

E alí por mais um instante ficaram em silêncio, sob a luz da lua, abraçados. O mundo ainda estava cheio de batalhas e incertezas, mas naquele momento, nada mais importava além de estarem juntos, ainda que por alguns instantes roubados à realidade.