Após o torneio, uma excitação tomou conta da academia. Era o primeiro momento desde a entrada deles que poderiam receber correspondência de casa. Para muitos, era um sinal de que ainda tinham laços com o mundo exterior, um lembrete de que ainda havia algo além das muralhas e das batalhas.
Sansara estava ansiosa, as mãos suadas enquanto aguardava sua vez. Será que eles continuariam com aquele circo de mentiras de família perfeita? pensou, o estômago revirando de nervosismo.
Hakui foi um dos primeiros a receber a correspondência: um conjunto de armas novas, brilhantes, acompanhadas de um bilhete de sua madrasta e de seu irmão mais velho, que agora era o Lord dos Rios. Hakui examinou as armas com um olhar sério, sem dizer uma palavra, mas Sansara percebeu o brilho de reconhecimento em seus olhos.
Kaledus foi o próximo. Seu tutor enviara um punhado de livros sobre estratégias de batalha, volumes antigos e bem cuidados. Ele pegou os livros com um sorriso suave, balançando a cabeça como se dissesse: Isso é tão típico dele.
Então, finalmente, chegou a vez de Sansara. Uma carruagem foi trazida com um baú de madeira ornamentado, pesado e cheio de detalhes dourados. Ela gelou ao abrir e ver o que estava dentro: vestidos finos, sapatos delicados, joias reluzentes, tudo que alguém usaria na corte.
Ela sentiu o sangue drenar do rosto. O que isso significa? Por que eles querem que eu vá ao castelo? Sua mente girava com perguntas e suposições, e então seus olhos pousaram na carta cuidadosamente dobrada no topo das roupas.
Com mãos trêmulas, ela desdobrou o papel e leu as palavras de seu pai.
"Filha, a essa altura você já deve saber que a força que corre em suas veias vem de além das montanhas. Peço desculpas por não ter falado com você antes sobre certos assuntos, mas estou seguindo ordens do grande rei, que os elementais guardem sua bondosa alma. Espero que eu tenha te criado bem o suficiente para que você honre sua responsabilidade e assuma seu lugar de direito quando chegar a hora."
As palavras pesaram em seu coração como uma corrente de ferro. A verdade que ela temia, que havia sussurrado em seu coração desde que a quimera parou diante dela, estava ali, clara como o dia.
Eles querem que eu vá para a corte. Querem que eu assuma meu lugar no jogo que nunca pedi para jogar. Sansara fechou a carta, os dedos apertando o papel com tanta força que ele quase se rasgou.
*
A notícia da convocação da equipe Aurora pelo palácio espalhou-se rapidamente pela academia, deixando os alunos curiosos e inquietos. Ser chamado pelo rei era uma honra, mas também um peso que nenhum deles queria carregar. No alojamento, Sansara, Hakui e Kaledus se reuniram com o professor Ralvor, as expressões carregadas de preocupação.
— Eles querem que eu fique na corte — Sansara disse, puxando da sua bolsa um dos vestidos finos que seus pais adotivos tinham enviado para ela. O tecido escorregou por suas mãos como seda, brilhando à luz do sol que entrava pela janela. — Por que mais teriam me enviado isso?
Kaledus cruzou os braços, claramente desconfortável. — E o que nós somos nessa história? Meros coadjuvantes?
Hakui, que permanecia em silêncio, finalmente falou, sua voz tingida de incerteza. — Talvez... talvez seja o plano do grande rei. Se ele nos convocou, deve ser por um bom motivo. Meu pai morreu defendendo esse rei, então não pode ser algo ruim, certo?
Sansara olhou para os dois e respirou fundo. — Há algo que preciso contar a vocês. Podem confiar no professor Ralvor.
Kaledus e Hakui trocaram olhares rápidos, suas expressões carregadas de incredulidade e algo mais que nenhum dos dois estava disposto a admitir. A tensão no ar era palpável.
— Confiar no Ralvor? — Kaledus balançou a cabeça, uma risada seca escapando de seus lábios. — Aquele cara me jogou contra orcos no primeiro dia. Não é bem o tipo de pessoa em quem confio.
Hakui, sempre o mais sério, cruzou os braços, mas manteve o olhar fixo em Sansara, como se ela fosse a única coisa no ambiente que realmente importasse. — Ele tem suas razões. Se não contou ao príncipe sobre o que você é, Sansara, talvez ele esteja do nosso lado — disse, a voz firme, mas com um tom suave quando se dirigia a ela, algo que Kaledus não pôde ignorar.
— Sim, eu sei — Sansara continuou, com o tom calmo. — Mas ele não me entregou. Ele sabe o que sou e quer que eu decida meu próprio destino.
Nesse momento, o pequeno skinus, seu novo companheiro, subiu por seu ombro, começando a fazer acrobacias, balançando de um lado para o outro. As asinhas batiam suavemente, e Sansara sorriu, fazendo um pequeno gesto. O skinus girou no ar, pousando de volta em seu ombro, claramente satisfeito consigo mesmo.
Hakui observou o pequeno animal com um olhar intenso, seus olhos púrpura brilhando de interesse. — Incrível... ele é mesmo uma criatura elemental. Você está evoluindo rápido.
Kaledus sentiu um calor desagradável subir pela sua garganta. A maneira como Hakui falava com Sansara, a forma como seus olhos pareciam admirar cada pequeno detalhe, o irritava profundamente. Ele coçou a cabeça, tentando disfarçar o incômodo. — A questão é — disse com um tom mais ríspido do que pretendia — o que vamos fazer agora? Vamos ao palácio, ouvir o que eles querem?
Hakui permaneceu em silêncio por um momento, mas não tirou os olhos de Sansara. Quando ele finalmente falou, sua voz era controlada, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. — Precisamos saber o que o grande rei quer com Sansara. Fugir não vai resolver nada. Precisamos, pelo menos, ouvir o que será proposto.
— O rei está tão morto quanto nossos pais, Hakui — disse Kaledus, com uma voz grave e séria que raramente usava. — Hoje sua vontade não passa de um capricho. Quem reina é o filho dele. Não se esqueça disso.
A tensão entre os dois crescia com cada palavra. Hakui apertou a mandíbula, mas não respondeu imediatamente. Kaledus sabia que havia tocado em algo pessoal, a menção dos pais era uma ferida aberta para ambos, e agora o olhar de Hakui o desafiava silenciosamente. Kaledus resistiu à vontade de provocar ainda mais, mas o ciúme queimava em seu peito. Era como se cada palavra de Hakui fosse um lembrete de que Sansara estava mais próxima dele do que jamais esteve de Kaledus.
Antes que qualquer outro comentário pudesse ser feito, o professor Ralvor, que estava escutando do canto do alojamento, finalmente se aproximou.
— Eu vou com vocês, crianças. Vamos ficar bem. Odeio me meter nessas politicagens, mas eles quiseram que eu treinasse vocês, então agora vão ter que me engolir. — Ele olhou para os três, com uma expressão dura. — Vamos.