Já era de manhã, e Hakkai novamente se dirigia ao colégio. No entanto, havia algo diferente naquele dia: um ar de despedida o envolvia enquanto caminhava em direção à entrada. Haru estava alguns passos à frente, mas não dizia nada; palavras não eram necessárias naquele momento.
Ao entrarem, o sinal tocou e ambos seguiram para suas respectivas salas. Hakkai fingia prestar atenção à aula, mas seus olhos se perdiam na janela, exibindo uma expressão serena. Parecia que os pesadelos finalmente tinham acabado.
— Hakkai? Está prestando atenção? — indagou o professor, interrompendo suas explicações.
— Hã? Ah, sim. Estou ouvindo. — respondeu Hakkai, virando o rosto para o professor.
— Espero que não deixe seus pensamentos atrapalharem seus estudos — disse o professor, voltando às explicações.
— Não será necessário, de qualquer forma — sussurrou Hakkai.
A primeira aula terminou e Hakkai se sentou no banco ao lado do refeitório, esperando que Haru viesse se sentar ao seu lado.
— Você está diferente — disse uma voz doce atrás dele.
— Ah, é você. Senta aí! — Hakkai se alegrou ao ouvi-la.
— Ontem foi cansativo, não é? — disse Haru, sentando-se ao lado de Hakkai.
— É... mas estou bem, apesar de tudo.
— Sinto que você tem algo a me dizer, Shin.
— Bom... Tenho que resolver algumas coisas e não sei quando vou voltar — disse Hakkai, apertando sua mão enfaixada.
— Eu confio em você!
— Espera, o quê? — Hakkai pareceu confuso.
— Digo, não precisa me contar o que está acontecendo. Eu confio em você e sei que vai superar isso! — Ela sorriu.
— Eu sinto que sou uma peça importante em uma engrenagem, sinto que sem essa peça a engrenagem não pode rodar...
— Às vezes, se algo está predestinado a acontecer, nada poderá impedi-lo. Vá em frente, Shin!
— Eu agradeço por isso, de verdade — respondeu Hakkai, sorrindo de volta.
— Bom, eu vou indo. A segunda aula vai começar! — disse Haru, levantando-se do banco.
Hakkai descobrira tudo sobre sua mãe: como ela sofreu por não conseguir ter um filho, a dor de viver com o peso de não poder ver seu filho crescer, e sobre o maldito pacto. Ele havia mudado. Agora, emanava uma aura calma e consistente; de fato, havia amadurecido.
Quando as aulas terminaram, Hakkai foi ao bar Eisen, que estava fechado especialmente para que Kurai pudesse se encontrar com ele. Chegando lá...
— Você chegou cedo, garoto. — disse Kurai, sentado no balcão fumando um cigarro.
— As aulas foram rápidas, vamos ao que interessa. — completou Hakkai, sentando-se no banco ao seu lado.
— Antes, preciso explicar o que iremos fazer, e como vamos fazer, ok?
Kurai explicou que iria realizar um tipo de feitiço, especialmente projetado para quebrar a conectividade do garoto com o pacto. Se não fosse feito, o Suserano do Caos ainda manteria contato indireto com Hakkai, conseguindo ver todas as suas memórias recentes. Eles começariam com um círculo de carvão, nele haviam vários símbolos desconhecidos e Hakkai ficaria no centro.
— "Frange lineam, qua nos connectos, o mea entitas, exple meos desiderios tuo potentia vastante." — Kurai rogava.
— Ei, espera aí! — Hakkai gritava, assustado.
Mesmo com seus gritos, Kurai continuava a repetir as mesmas palavras quando, de repente, uma luz intensa surgiu do círculo, acompanhada de uma pressão assustadora, enquanto vozes clamavam por ajuda dos símbolos. Uma marca em formato de mão surgia nas costas do garoto, que gritava de dor em meio a toda aquela loucura.
— Está feito. — disse Kurai, enquanto acendia outro cigarro.
— Nunca mais ouse fazer isso, entendeu? — disse Hakkai, respirando fundo enquanto colocava sua camisa.
— Sua marca foi removida, agora você está pronto para ir. — Kurai murmurava enquanto tentava pegar algo em sua bancada.
— Pronto para ir? Ir pra onde?
— Você é fruto de um pacto direto com o Suserano, o único humano que conseguiu suportar por dezessete anos o poder demoníaco em suas veias sem se descontrolar.
— Tá, mas e aí? — novamente, o garoto estava confuso.
— Você é o único entre todos que consegue transitar entre os planos, afinal, você é um demônio e um humano ao mesmo tempo, oras.
— Ok, mas por quê eu iria pra lá?!
— Acredite em mim, ele almeja esse poder mais que qualquer um, nenhum ser além de você consegue fazer isso, você é único.
— Logo, eu tenho que me aproximar ainda mais dele? Qual o sentido disso? — o garoto se indignava.
— Procure por Lúcios. Você precisa se fortificar e ele pode te ajudar.
— Isso é muito novo pra mim... E se eu falhar?!
— Sua mãe sempre acreditou em você, e ela não estava errada. Pegue isso, irá te ajudar. — o homem dizia, enquanto estendia a mão.
— Um anel? O que ele faz?
— Quando se aproximar de Lúcios, o anel irá brilhar. Irei te ensinar a fazer a viagem.
Kurai explicou que para transitar era necessário foco, calma e desejo. Mas ainda não era a hora; antes, Hakkai queria se despedir de seu amigo, que precisava saber se o garoto ficaria bem. Eram onze horas da noite, Hakkai estava em frente à escola esperando seu amigo, que chegou minutos após ele.
— E aí, por que me chamou uma hora dessas? — disse Kuro, enquanto caminhava ao lado de Hakkai.
— Eu só não queria te deixar preocupado... — respondeu Hakkai, com as mãos na nuca.
— Preocupado com o quê? Você fez algo?
— Não, não!... Mas estou prestes a ir para um lugar, não sei o que vou encontrar lá e estou com medo...
— Me explique melhor, cara! — Kuro disse, batendo nas costas do amigo.
— Não posso explicar mais do que isso, mas espero que, se eu não voltar, você cuide bem de tudo por aqui! — Hakkai sorriu, mas era um sorriso de despedida.
— Você só se mete em encrenca... Tenho até medo de descobrir o que está aprontando! Pode contar comigo, cara. — Kuro retribuiu o sorriso.
Ao conversar com o amigo, Hakkai foi para casa e chegou a hora. Em seu quarto, ele estava pronto para transitar. Ao fechar os olhos e se concentrar por minutos, parecia que nada acontecia. Mesmo desejando ir para outro lugar, nada parecia acontecer, até que ele abriu os olhos.
A visão diante de seus olhos era clara e auto-explicativa.
— Então esse é... — Hakkai estava paralisado com o que via à sua frente. Fortalezas e rios presos em um subterrâneo quente com uma aparência neo-vitoriana, pessoas com olhos brilhando na cor vermelha, movendo-se freneticamente como se vivessem ali. De fato, ele conseguiu: aquele era o mundo sobrenatural.
Hakkai sentiu um arrepio percorrer sua espinha enquanto observava a cena surreal diante dele. O choque e a maravilha se misturaram em seu coração enquanto ele tentava processar a magnitude do que acabara de descobrir.