Os meninos continuavam a pensar em fugir, mas não haviam encontrado ainda uma ocasião propícia para a fuga. Oscar e Quico olhavam para todos os cantos da cidade, espiavam Julião para ver quando ele ia ficar de sentinela no alto da montanha, perguntavam aos outros anões de que lado ficava a entrada da cidade, mas nada adiantava. Estavam como que num labirinto; não sabiam por onde sair.
As visitas, que nesse dia desfilaram diante das crianças, faziam perguntas extravagantes. Uma perguntava se os índios ainda rodeavam a montanha, outra queria saber de que forma eles haviam chegado até ali e se livrado dos ferozes índios.
As crianças explicaram que não havia mais perigo; os matos e florestas haviam se transformado em magníficas cidades, nas quais havia casas muito grandes e muito altas, da altura daquela montanha, e jardins bonitos com flores perfumadas nos canteiros.
Um anão já velho e curvado suspirou:
— Flores? Flores? São coisas muito delicadas e de cores variadas, não são?
As crianças confirmaram; Quico pediu um lápis e papel para desenhar, mas lá não havia nada disso; então trouxeram um
pedação de carvão para que Quico desenhasse uma flor na parede, mas não foi possível; ele fez o que pôde, mas a flor ficou horrível e ninguém compreendeu. Só os mais velhos sacudiam a cabeça e diziam que as flores eram lindas, eles sabiam porque os antepassados haviam contado e isso corria de geração a geração, mas naquela cidade de ouro infelizmente não havia flores. Nenhuma flor. Que tristeza!
Cecília lembrou-se de perguntar se lá não havia passarinhos. Os mais moços olharam uns para os outros sem compreender, apenas os mais velhos disseram que não; sabiam o que eram pássaros; eram animaizinhos que voavam e cantavam; uns tinham cores belas e brilhantes, outros tinham cores menos belas; cantavam lindas melodias que nunca ninguém pôde imitar e atravessavam o espaço de um lado a outro enfeitando a natureza. Mas, ah!, lá não havia pássaros.
O anão de barbas brancas, todo curvado, suspirou outra vez e sacudiu a cabeça. Que pena! Naquela cidade de ouro, onde as crianças brincavam com pedras preciosas, não havia pássaros nem céu para alegrar a vida daquelas criaturas. Que tristeza!
Vera lembrou-se do sol. Perguntou:
— E o sol? Nunca chega até aqui?
Eles riram. Não. Não tinham a felicidade de ver o sol; sabiam o que era isso, mas lá onde viviam o sol não chegava nunca. Viviam na sombra, dentro da terra. O sol que ilumina, que brilha, que aquece, que enfeita, que alegra, que dá vida e calor, não existia na cidade de ouro. Que I pena! O velho de barbas brancas suspirou outra vez, cada vez mais curvado. Não tinham sol, por isso não tinham j flores lindas e perfumadas, nem pássaros para alegrar a cidade. Que tristeza!
Oscar, que gostava de ler, perguntou se eles não tinham livros. Livros? Não, infelizmente não. Seus antepassados haviam contado de geração em geração o que eram os livros, mas nenhum livro havia ficado para eles verem. Nenhum. Haviam desaparecido com o tempo. Sabiam que os livros instruem, educam, distraem, ensinam, mas, ah!, infelizmente não tinham livros. Que pena! O velho de barbas brancas sacudiu a cabeça tristemente e suspirou:
— Ah! Os livros! São o alimento do espírito assim como a comida é o alimento do corpo. Eu sei porque o pai do pai do meu avô contou o que são os livros, mas não temos aqui. Que tristeza!
Lúcia, que estudava piano, perguntou se não gostavam de música; entreolharam-se outra vez sem compreender. Música? O que era isso? Lúcia estendeu os braços e mexeu os dedos como se estivesse tocando piano; eles riram e não responderam. O anão de
barbas brancas lembrou-se c seus olhos brilharam de contentamento:
— Música? Eu sei o que é isso. Nossos antepassados contavam o que era a música. É uma melodia divina que ouvimos vinda de diversos instrumentos; nossos ouvidos gostariam de ouvir essas maravilhas de som... Mas, ah!, infelizmente não temos instrumentos para tocar, só temos sinos de ouro. Temos sinos em vários tons que vão anunciar amanhã o casamento dos príncipes. Não temos a divina música. Que tristeza!
A princesa mandou servir chá de erva da montanha aos visitantes; enquanto todos o tomavam em xícaras de ouro, o velho suspirou novamente, cada vez mais curvado, e disse:
— Nossa cidade é a mais pobre do mundo!
As crianças protestaram; Quico falou:
— Não diga isso! Uma cidade onde há tanto ouro e pedras preciosas não pode ser pobre. É riquíssima!
O velho anão sorriu tristemente:
— Meus filhos, a riqueza não consiste apenas no ouro e nas pedras preciosas que vocês estão vendo. Eu já vivi muito e sei o que digo; a riqueza não está nas casas de ouro com janelas de safiras, nem nos pratos de ouro, nem nas xícaras de ouro nas quais vocês tomam chá, nem nas vestes de brilhantes! A maior riqueza está aqui, aqui, aqui e aqui... — E mostrou os olhos, os ouvidos, o coração e a cabeça.
Depois continuou:
— Com eles poder ver os pássaros voando e as flores nos jardins, poder ouvir a divina música que enternece os corações, poder sentir o sol que aquece e cura, poder ler os livros que ensinam e consolam. A maior riqueza é a do espírito, meus filhos, nunca se esqueçam disso! Nós temos olhos, ouvidos, coração e cabeça, mas não temos o que apreciar, portanto todo este ouro, todos estes brilhantes de nada valem. E aquele que não pode ou não sabe apreciar a beleza de uma flor, admirar o voo de um pássaro, ler um livro, ouvir uma música, sentir o sol... pode possuir as maiores riquezas deste mundo... será sempre pobre, o mais pobre dentre os pobres da terra...