🕯️ Capítulo 3 — Terras Silentes
O silêncio era absoluto.
Quando Gustavo cruzou os Portões de Ferroluz, sentiu o mundo murchar ao redor. Nenhum som ecoava ali dentro — nem seus passos, nem o farfalhar da capa, nem a respiração pesada da Hidra em seu ombro. Era como caminhar dentro de um sonho sufocado.
A vegetação ali era baixa e pútrida, cinza como cadáveres velhos. Sombras rastejavam sozinhas, mesmo sem fonte de luz. Algumas espreitavam entre pedras rachadas, esperando. Observando.
A Hidra esticou uma das cabeças, farejando o ar seco.
— Não gosto disso... Essa terra tem cheiro de gente que desistiu de viver.
As outras cabeças pareciam inquietas, tremendo levemente.
— Eles dizem que monstros crescem aqui quando o medo é deixado sem nome...
Gustavo continuou andando, olhos semicerrados.
— “Medo sem nome... Isso é só outra forma de dizer que os covardes apodrecem mais rápido.”
A Hidra bufou.
— Você também sente isso? Essa pressão no peito? Como se alguém estivesse deitado sobre sua alma?
Ele parou. Os olhos de Gustavo brilharam mais intensamente em roxo.
— “Sinto.”
Levantou o olhar, encarando o vazio à frente.
— “Mas isso não é medo.”
Sacou a Kusanagi. A lâmina cantou uma nota sem som, envolta pela aura roxa. O chão abaixo de Gustavo rachou com veias negras, e sua silhueta foi lentamente consumida por trevas ondulantes.
— “É saudade. E raiva.”
De repente, o chão estremeceu. Fendas surgiram como bocas se abrindo. De uma delas emergiu algo gigantesco — um Rastreador Silente, uma besta cega feita de músculos torcidos, com garras finas e dezenas de ouvidos espalhados pelo corpo.
Sem olhos. Sem voz. Mas ouvia tudo — mesmo no silêncio.
A criatura deu um passo, e o mundo ao redor ficou mais escuro.
Gustavo avançou primeiro.
Dança da Lâmina Vazia.
Saltou como uma sombra viva, deixando múltiplas cópias ilusórias de si mesmo. A criatura se moveu num espasmo, antecipando o golpe real.
Errado.
A Kusanagi cortou uma das patas, e a criatura caiu com um som que ninguém ouviu.
Gustavo parou sobre o dorso dela, já preparando o golpe final.
— “Você sente medo. Eu sinto saudade.”
— “Por isso vai morrer aqui.”
Sepulcro das Sombras.
Um domo de escuridão absoluta cobriu a área, ocultando tudo. Quando se dissipou, a criatura estava destruída, espalhada em pedaços que apodreciam em segundos.
Gustavo se ajoelhou brevemente. Não por cansaço, mas por foco. A Hidra falou com uma voz mais baixa:
— Você tá se segurando.
— “Sim.”
— Você poderia destruir tudo isso num único ataque. Mas não o faz.
Gustavo apertou o punho.
— “Porque no final dessa estrada... o que me espera é algo que nem mesmo eu sei se posso vencer.”
— “Se eu me desgastar agora... posso não vê-la de novo.”
A Hidra ficou em silêncio. As quatro cabeças o observaram em sincronia.
— Então vamos mais fundo, Gustavo.
— Até o próprio inferno se dobrar à sua vontade.
Ele se ergueu.
A aura roxa crescia.
E as sombras, cada vez mais vivas.