Charlotte retirou o pano que cobria o item, revelando um núcleo. Mas este não era comum. Era uma esfera completamente negra, como se fosse um fragmento do próprio vazio, absorvendo qualquer vestígio de luz ao seu redor. Se alguém observasse com atenção extrema, poderia notar pequenos brilhos dourados pulsando dentro da escuridão infinita, como estrelas em um céu sem fim. Mesmo dentro do abismo mais profundo, ainda existia algo sagrado — um vestígio de luz perdida na profanação.
Sekiro olhou o núcleo, sentindo uma estranha atração e um temor instintivo. Antes que pudesse mergulhar ainda mais em seus pensamentos, Charlotte quebrou o silêncio.
"Quando fundei este império e ergui esta fortaleza, havia um guardião. Ele era um Lich. Mas sua mente ia além do pensamento destrutivo e caótico de um Lich comum. Ele não via a vida como algo insignificante. Para ele, onde há sombra, há luz. Ele transcendeu a própria natureza de sua existência, e assim, ganhou um nome: Astarion, o Lich do Crepúsculo. Esse foi seu último desejo… entregar seu legado a alguém cuja vida fosse uma dualidade."
Sekiro permaneceu em silêncio por um momento, ponderando aquelas palavras. Então, finalmente perguntou:
"O que aconteceu com ele para restar apenas seu núcleo?"
Charlotte desviou os olhos, algo raro para alguém tão imponente. A mulher que nunca demonstrava fraqueza a ninguém, além de seu irmão e suas guerreiras de confiança, pela primeira vez deixava transparecer um resquício de pesar.
"Como todo Lich… chegou um momento em que a loucura o alcançou. Seu desejo de morte e destruição tornou-se incontrolável. Ele temia esse dia… e, quando aconteceu, me fez prometer que o deteria antes que pudesse destruir aquilo que ele mais amava: a vida que preenche essas terras."
Charlotte respirou fundo, recuperando sua compostura. Seu olhar tornou-se sério novamente quando ergueu o núcleo na direção de Sekiro.
"Devore… ou seja devorado."
Sem hesitação, Sekiro tomou o núcleo e o pressionou contra seu peito. No instante em que o fez, um frio intenso se espalhou por todo o seu corpo, como se o abismo estivesse engolindo sua alma. Sua visão escureceu, e então…
Sekiro abriu os olhos, encontrando-se em um vazio infinito, onde a única coisa que existia era ele e duas sombras à sua frente. Uma empunhava uma katana — sua antiga arma, o símbolo do guerreiro que já foi. A outra segurava uma foice, com um sorriso afiado como uma lâmina — a personificação da morte que ele havia abraçado.
As duas sombras se encaravam, oscilando entre a escuridão e a luz. Então, sem aviso, atacaram-se violentamente.
O ar tremeu com o impacto. O som do aço cortando o vazio ecoava como trovões. A energia da morte e a energia sagrada colidiram brutalmente, lançando ondas de poder avassaladoras. Raios dourados e trevas negras cortavam o espaço, rasgando a realidade dentro da mente de Sekiro.
Ele sentiu seu próprio corpo tremer. O sangue começou a escorrer de sua boca no mundo real. Charlotte apenas observava, sabendo que essa era uma batalha que ninguém além dele poderia lutar.
Dentro de sua mente, Sekiro viu a sombra com a katana avançar com velocidade absurda, sua lâmina brilhando com poder divino. A sombra da foice respondeu com um corte ascendente, e o impacto da colisão abriu fendas no chão invisível sob eles. A cada troca de golpes, Sekiro sentia sua alma ser dilacerada.
Eles eram ele. A guerra dentro de sua mente era a guerra dentro de seu próprio ser.
Cada golpe da katana representava o desejo de proteger a luz sagrada que se recusava a ser apagada. Cada golpe da foice era o chamado da morte, o poder da destruição que queria consumir tudo.
O caos aumentava. Nenhum dos lados recuava. Era uma luta sem fim.
Sekiro finalmente compreendeu. Se deixasse essa batalha continuar, nunca encontraria equilíbrio. Nunca seria inteiro novamente.
E então, ele avançou.
Sekiro entrou entre os dois, segurando seus pulsos no momento em que desferiam golpes fatais um contra o outro. As sombras congelaram. Pela primeira vez, ambas olharam para ele.
E sorriram.
O núcleo dentro de seu corpo começou a brilhar. A luz e as trevas não estavam mais em conflito. Elas se fundiam, girando em um espiral caótico e harmonioso. A energia da morte e da luz tornou-se uma só, aceitando Sekiro como seu verdadeiro portador.
Quando abriu os olhos no mundo real, seu corpo havia mudado. Seus cabelos agora carregavam fios dourados e roxos entrelaçados, irradiando sua dualidade. Seus olhos, antes profundos e sombrios, agora brilhavam com um misto de roxo e dourado, refletindo a fusão perfeita entre sombra e luz.
Ele respirou fundo. Pela primeira vez em muito tempo, sentia-se completo.
— Eu não sou mais um Cavaleiro da Morte. — sua voz ecoou, firme e resoluta. — Agora sou um ser único… Um Lich Guerreiro.
Charlotte observou-o, sua expressão permanecendo séria por um instante, antes de um pequeno sorriso surgir em seus lábios.
— Bem-vindo de volta, Sekiro.