Enquanto Naoya almoçava tranquilamente, Sayuri colocou os hashis de lado e o observava comer. Depois de um tempo, ela respirou fundo e manteve o olhar baixo.
— Onii-sama, você realmente só me vê como sua irmã?
Quando aquela pergunta ecoou pelos ouvidos de Naoya, ele se engasgou com a comida, olhando descrente para sua irmã, que mantinha uma expressão séria.
— Sayuri, que pergunta é essa? É claro que eu…
Enquanto falava, Naoya teve sua resposta interrompida por uma ligação. Sayuri levantou-se da mesa e saiu correndo para seu quarto, incapaz de ouvir a resposta completa.
Naoya ficou paralisado por alguns instantes após a saída abrupta de Sayuri. A comida em sua boca havia perdido o sabor, e seu estômago estava revirado. Ele se levantou lentamente, sentindo o peso das palavras de sua irmã ecoando em sua mente. A ligação que havia interrompido a conversa parecia agora um ruído distante e insignificante. Ele olhou para o corredor que levava ao quarto de Sayuri, mas hesitou em segui-la. O que ele poderia dizer? O que ela esperava ouvir? Naoya sempre viu Sayuri como sua irmã mais nova, alguém que ele precisava proteger e cuidar. Mas agora, a percepção de que talvez ela visse essa relação de uma maneira diferente o deixou inquieto.
Alguns dias antes…
Sentado em um banco, Naoya mantinha a cabeça baixa, preocupado com Mayumi, que havia dias não aparecia e nem lia suas mensagens ou atendia as ligações. Quando levantou a cabeça, ele notou duas mãos se aproximando de seus olhos, e tudo ficou escuro. Sentiu uma sensação quente e macia encostada nas costas, acompanhada de uma voz suave próxima ao ouvido.
— Adivinha quem é?
— Naomi? — perguntou ele, curioso.
De repente, a garota se afastou e colocou-se de frente para ele, com as bochechas avermelhadas e fazendo um biquinho.
— Boo Boo. Você errou, mestre. Sinto-me decepcionada por você não ter acertado que era eu, mas… quem é essa tal Naomi?
— Perdão, Inoue-san. A Naomi é…
Enquanto conversava com Aoki, seu telefone vibrou. Naomi estava ligando para ele. Um pouco assustado pelo timing certeiro, ele atendeu a ligação.
— Nao-kun, tenho uma ótima notícia para você. Estarei me mudando para a mesma escola que você. Quero ficar mais próxima de você.
Aquelas palavras ecoaram nos ouvidos de Naoya, fazendo seu coração disparar repentinamente. Um breve silêncio se instalou enquanto ele tentava processar o que havia ouvido. Do outro lado da linha, risadas suaves quebraram o silêncio.
— Fufufu, fiz seu coração disparar, não fiz? Alcancei meu objetivo. Tchau, Nao-kun. Estou ansiosa para estar com você novamente.
Aoki, que estava ao lado dele, observava atentamente, curiosa para entender a razão da expressão de espanto de Naoya. Ele parecia perdido em seus pensamentos, claramente abalado pelas palavras de Naomi. A sensação de confusão o envolvia, e ele não conseguia disfarçar o impacto que aquela conversa teve sobre ele.
— Mestre, está tudo bem? — Aoki perguntou, preocupada.
Naoya voltou à realidade ao ouvir a voz de Aoki. Ele piscou algumas vezes, tentando se recompor. A expressão preocupada no rosto dela o fez perceber que ele não estava lidando bem com a situação.
— Ah... sim, Aoki. Está tudo bem. — Ele tentou sorrir, mas sua voz não tinha a firmeza habitual.
Aoki, porém, não parecia convencida. Ela conhecia Naoya o suficiente para saber que algo o estava incomodando. As palavras "Mestre, está tudo bem?" ecoavam na cabeça dele, e ele sabia que precisava dizer algo para tranquilizá-la, mas não conseguia encontrar as palavras certas.
— Sabe... às vezes, as coisas podem ser confusas e difíceis de entender. — Ele começou, tentando explicar sem revelar demais. — Mas estou lidando com isso.
Aoki assentiu lentamente, ainda sem tirar os olhos de Naoya. Ela não queria pressioná-lo, mas a preocupação era evidente em seu olhar.
— Se precisar de alguém para conversar, eu estou aqui, Mestre. — Aoki disse com suavidade, tentando oferecer apoio.
Naoya sentiu um peso em seu peito. Ele sabia que Aoki estava tentando ajudar, mas naquele momento, ele se sentia preso entre o que estava sentindo e o que deveria fazer. As palavras de Naomi ainda ecoavam em sua mente, confusas e intensas.
— Obrigado, Aoki. Eu... só preciso de um pouco de tempo para organizar meus pensamentos. — Ele respondeu, tentando ser honesto, mas ao mesmo tempo, mantendo uma distância emocional.
Aoki sorriu levemente, embora a preocupação ainda estivesse ali. Ela sabia que Naoya era forte, mas também sabia que ele estava enfrentando algo que poderia mudar tudo.
— Entendo. Vou te dar o espaço que você precisa, mas saiba que estarei por perto, caso precise de mim. — Ela disse antes de se afastar, respeitando o pedido de Naoya.
Assim que Aoki saiu, Naoya respirou fundo, tentando recuperar o controle de suas emoções. Ele se sentou, sentindo o peso do que estava por vir. A conversa com Naomi o havia deixado abalado, e agora, ele tinha que lidar com seus sentimentos confusos em relação a ela, a Mayumi, e à situação com Sayuri.
Tudo estava se acumulando, e ele sabia que precisaria tomar decisões difíceis em breve. Mas por enquanto, ele precisava de um momento para si mesmo, para entender o que realmente estava sentindo e o que queria fazer a seguir.
Sayuri estava mergulhada em seus pensamentos, e seu horário de descanso era o único momento em que podia se permitir essa introspecção. Com a cabeça apoiada na mesa, ela sentia um turbilhão de emoções confusas que não conseguia entender completamente. Era como se seu coração estivesse apertado, uma sensação que a deixava inquieta.
— O que são esses sentimentos que não consigo nomear? — sussurrou para si mesma, quase como se temesse a resposta. — A última vez que senti algo assim foi quando soube que Onii-sama iria se casar com outra pessoa.
A lembrança trouxe um aperto no peito, uma dor antiga que ela achava que já havia superado. Mas agora, esses mesmos sentimentos voltavam a invadi-la, trazendo mais perguntas do que respostas. Sentimentos que ela não queria admitir nem para si mesma.
Sayuri suspirou, tentando afastar os pensamentos que a assombravam, mas eles se recusavam a desaparecer. Ela sabia que precisava se concentrar em seu trabalho, mas era difícil ignorar a tempestade emocional que rugia dentro dela.
— Por que isso está acontecendo de novo? — ela se perguntou, a voz mal audível, quase abafada pelos próprios pensamentos. — Onii-sama já seguiu em frente. Ele está feliz, e é isso o que importa. Então, por que ainda sinto essa dor?
Enquanto os minutos passavam, Sayuri tentou se convencer de que era apenas uma questão de tempo até que esses sentimentos se dissipassem novamente. Afinal, ela havia aprendido a enterrá-los antes. Mas, por mais que tentasse, não conseguia afastar a sensação de que algo estava profundamente errado. Uma parte dela sabia que esses sentimentos não eram apenas sobre o passado, mas sobre algo mais, algo que ela ainda não conseguia entender.
Ela finalmente levantou a cabeça da mesa e olhou para o relógio. Seu horário de descanso estava quase acabando, mas ela ainda não se sentia pronta para voltar ao trabalho. Sentia-se esgotada, como se o simples ato de refletir sobre seus sentimentos tivesse drenado suas energias.
— Eu preciso encontrar uma maneira de lidar com isso, — disse a si mesma, com determinação renovada. — Não posso continuar fugindo.
Mas, no fundo, Sayuri sabia que enfrentar seus sentimentos seria uma tarefa difícil. Havia algo que ela temia descobrir, algo que poderia mudar tudo. Mesmo assim, ela se levantou, ajeitou a cadeira e decidiu que não podia continuar adiando o inevitável. Ela precisava entender o que estava se passando em seu coração, antes que esses sentimentos a consumissem por completo.
Com passos decididos, Sayuri voltou para o trabalho, mas uma parte de sua mente continuava a vagar por entre as sombras de suas emoções, buscando respostas para as perguntas que tanto a atormentavam.
A colega de Sayuri, percebendo que ela estava estranha desde que chegou, se aproximou dela.
— Akagawa-san, está acontecendo alguma coisa com você? — perguntou ela, preocupada.
— Ah, senpai, está tudo bem… não se preocupe.
— Você não parece estar bem. Me diga se algo está te incomodando.
Após ouvir isso, Sayuri forçou um sorriso e continuou seu trabalho. Ao fim do expediente, enquanto trocava de roupa, sua colega de trabalho se aproximou dela novamente.
— Akagawa-san, o que realmente está acontecendo?
Ao perceber que ela estava indo direto ao assunto, Sayuri tentou ignorar a pergunta e fingir que não havia ouvido nada.
— Você está sofrendo por algum rapaz?
Sayuri hesitou por um momento, seus dedos pararam de mexer na roupa que estava trocando, e ela sentiu um leve rubor subir em suas bochechas. As palavras de sua senpai cortaram o silêncio de forma direta e sem rodeios, atingindo-a exatamente onde seus pensamentos estavam concentrados.
— Não é nada disso, senpai, — respondeu ela, tentando soar convincente, mas a falta de firmeza em sua voz a traiu. — Eu só estou um pouco cansada, é tudo.
Sua senpai, no entanto, não parecia convencida. Ela cruzou os braços e inclinou a cabeça ligeiramente, com uma expressão que mostrava claramente que não acreditava na desculpa.
— Akagawa-san, eu sei que não é só cansaço. Você está diferente desde que chegou hoje. Parece distraída, preocupada... e agora me diz que não é por causa de um rapaz? — A senpai suavizou o tom, mas manteve a insistência. — Não precisa se sentir obrigada a me contar, mas às vezes, desabafar ajuda.
Sayuri sentiu o nó em sua garganta apertar. Ela sabia que sua senpai só queria ajudá-la, mas falar sobre seus sentimentos era algo que ela não sabia como fazer. Especialmente porque nem ela mesma entendia totalmente o que estava sentindo.
— Eu... eu não sei, senpai. — As palavras saíram com dificuldade, quase um sussurro. — Talvez você esteja certa, talvez eu esteja sofrendo por alguém. Mas é tudo tão confuso, e eu não sei como explicar.
A senpai a observou por um momento antes de dar um pequeno sorriso compreensivo.
— Eu entendo. Às vezes, os sentimentos são complicados, e nem sempre fazem sentido logo de cara. Mas saiba que você não está sozinha, Akagawa-san. Se precisar de alguém para conversar, estarei por aqui.
Sayuri acenou com a cabeça, sentindo uma leve sensação de alívio por ter admitido, ao menos em parte, o que estava acontecendo. Ela ainda não estava pronta para mergulhar nas profundezas de suas emoções, mas talvez, aos poucos, pudesse começar a lidar com elas. Com uma leve despedida, as duas se separaram, e Sayuri saiu do vestiário com a mente ainda ocupada, mas agora com uma pequena fagulha de esperança de que, talvez, as coisas pudessem melhorar.