Naquela tarde, quando o céu se tingia de um laranja suave e começava a se transformar em um azul mais profundo, Sayuri estava encostada na grade da sacada da escola, observando os garotos do clube de futebol. As garotas, atrás das grades de proteção, vibravam a cada lance, admirando os jogadores com entusiasmo. Sayuri, no entanto, suspirava de vez em quando, incapaz de se concentrar no que acontecia à sua frente. Sua mente estava presa na conversa que teve com Kaito e na forma como ele se afastou depois.
— Por que isso parece tão difícil? — ela se perguntava silenciosamente.
— Eu só tentei ser verdadeira com ele e manter nossa amizade... será que é tão complicado assim? —
Ela olhava para os jogadores no campo, mas seus pensamentos estavam longe, presos na confusão de sentimentos que aquela confissão inesperada havia desencadeado. O som das risadas e gritos das garotas parecia distante, como um eco de um mundo do qual ela não fazia mais parte.
Enquanto Sayuri se perdia em seus pensamentos, sentiu uma leve brisa tocar seu rosto, trazendo consigo a melancolia daquele fim de tarde. Ela continuava repetindo as palavras de Kaito em sua mente, tentando entender o que havia saído errado.
— Eu só queria que as coisas voltassem a ser como antes… — pensava ela, apertando as grades da sacada com força, como se pudesse, de alguma forma, segurar o tempo e impedir que a distância entre eles crescesse.
De repente, ela ouviu passos suaves se aproximando. Antes que pudesse se virar, uma voz familiar a chamou:
— Sayuri? Está tudo bem?
Ela reconheceu a voz imediatamente. Era sua senpai, a colega que havia percebido seu comportamento estranho nos últimos dias. Sayuri tentou disfarçar a tristeza, mas a senpai a conhecia bem demais para se deixar enganar.
— Você tem estado tão distante ultimamente... Está preocupada com algo?
Sayuri hesitou por um momento, mas sentiu que talvez conversar com alguém pudesse aliviar o peso em seu peito. Ela suspirou novamente antes de responder.
— Não sei, senpai... Eu só... — Ela procurava as palavras certas, mas nada parecia suficiente para explicar a confusão que sentia. — É sobre Kaito. Ele se confessou para mim, e eu... eu só quero que tudo volte a ser como era antes.
Sua senpai a olhou com empatia, percebendo a batalha interna que Sayuri enfrentava.
— Eu entendo. É difícil quando alguém que você gosta como amigo quer mais do que isso. Mas você foi sincera com ele, e isso é importante. Talvez ele só precise de tempo para processar as coisas. Às vezes, amizades mudam, mas isso não significa que vocês vão se perder um do outro.
As palavras da senpai eram reconfortantes, mas Sayuri ainda sentia a dor da distância que estava se formando entre ela e Kaito. Ela sabia que precisaria de mais do que tempo para enfrentar essa nova fase.
— Obrigada, senpai — disse Sayuri, esboçando um pequeno sorriso. — Eu espero que ele consiga entender... e que eu também possa entender o que estou sentindo.
Sua senpai sorriu de volta e deu um leve tapinha no ombro de Sayuri.
— Você vai entender, com o tempo. E ele também. Até lá, cuide de você mesma, tá bom?
Sayuri sentiu seu coração apertar ao ver Kaito de mãos dadas com outra garota. O sorriso dela, brilhante e cheio de afeto, só intensificava o nó em seu peito. A proximidade entre os dois fez algo dentro de Sayuri se quebrar. Ela não conseguia mais segurar o que estava sentindo e, quase instintivamente, segurou o braço de Kaito.
— Kaito, podemos conversar? — Sua voz estava trêmula, mas determinada.
Kaito parou, surpreso com o toque repentino de Sayuri, e se virou para ela. Seus olhos se encontraram, e por um breve momento, Sayuri sentiu que finalmente teria a chance de dizer tudo o que estava guardando.
— Conversar sobre o quê, Akagawa-san? — Ele respondeu, com uma formalidade que cortou o coração dela como uma lâmina. A distância entre eles era evidente até nas palavras que ele usava.
Sayuri esboçou um sorriso nervoso, esperando que aquele fosse o momento de desfazer o mal-entendido entre eles. Ela respirou fundo, reunindo coragem para falar, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, a garota ao lado de Kaito se agarrou a ele, rindo levemente.
— Vamos, Kaito-kun! Está ficando tarde — disse a garota, com uma voz suave, que imediatamente desviou a atenção dele de Sayuri.
O olhar de Kaito mudou, suavizando-se ao olhar para a garota ao seu lado. Ele parecia dividido por um instante, mas logo assentiu para ela, como se tivesse esquecido completamente da conversa que Sayuri tentava iniciar.
Sayuri, ainda segurando o braço dele, sentiu um choque percorrer seu corpo. Aquele momento se desfez tão rapidamente quanto havia começado. A dor e a confusão transbordaram em seus olhos, mas ela não conseguia encontrar palavras para continuar. O silêncio se prolongou por alguns segundos, até que, lentamente, ela soltou o braço de Kaito.
— Me desculpe… — murmurou, dando um passo para trás, sentindo a garganta apertada.
Kaito hesitou, olhando para ela por um segundo antes de desviar o olhar, como se quisesse evitar confrontar o que estava acontecendo entre eles.
— A gente se fala depois, Akagawa-san — disse ele com um leve aceno, enquanto a garota do segundo ano o puxava para seguir adiante.
Sayuri ficou completamente paralisada ao ouvir aquelas palavras. A revelação de que a garota ao lado de Kaito era, na verdade, sua irmã, deixou-a em choque. Ela piscou algumas vezes, tentando processar o que acabara de acontecer. O comportamento possessivo da garota, o modo como ela havia puxado Kaito para longe... Nada disso fazia sentido até aquele momento.
— Onee-chan...? — repetiu Sayuri, ainda tentando entender tudo.
Kaito, percebendo a confusão de Sayuri, suspirou profundamente e se afastou um pouco da irmã, que olhava para ele com uma expressão de frustração. Ele parecia cansado daquela situação, como se já tivesse tido essa conversa inúmeras vezes antes.
— Me desculpe, Sayuri. Eu devia ter te contado antes... Essa é minha irmã, e, bem, ela é um pouco... brocon. — ele falou com um tom resignado, tentando aliviar o clima.
A irmã de Kaito, por outro lado, cruzou os braços e lançou um olhar irritado para Sayuri.
— Eu não sou "um pouco" brocon! — ela protestou, virando-se para Kaito com uma expressão de indignação. — Eu só não quero que você fique se envolvendo com outras garotas, Kaito-kun. Você é meu irmão, e eu cuido de você!
Sayuri ainda estava atônita, sem saber como reagir àquela situação completamente inesperada. Toda a tensão que ela sentia sobre o afastamento de Kaito foi repentinamente sobreposta por essa nova informação. Ela nunca imaginaria que a garota ao lado dele era sua irmã, e ainda menos que havia esse tipo de dinâmica entre eles.
Kaito, percebendo o desconforto de Sayuri, tentou afastar um pouco sua irmã com um gesto gentil.
— Vamos, onee-chan. Não precisamos fazer uma cena aqui. Eu já disse que não sou "só seu", e você precisa entender isso.
A irmã bufou, mas finalmente deu um passo para trás, ainda lançando olhares desconfiados para Sayuri. Kaito se virou para ela novamente, com uma expressão mais suave.
— Me desculpe por tudo isso, Sayuri. Eu realmente não queria que você se envolvesse nisso. Eu... só queria que nossa amizade pudesse voltar ao normal, mas as coisas estão um pouco complicadas no momento.
Sayuri, ainda processando o que havia acabado de ouvir, apenas assentiu levemente. Ela queria responder, mas as palavras pareciam presas em sua garganta. Tudo aquilo era demais para absorver de uma vez só.
— Está tudo bem, Kaito... — murmurou finalmente, ainda incerta sobre o que pensar de toda aquela situação.
— Mas uma coisa era certa: aquele abraço repentino e as palavras de Kaito haviam mexido com ela de uma forma que não esperava. Talvez o problema entre eles fosse mais complicado do que imaginava, e agora, além de tentar entender seus próprios sentimentos, Sayuri precisaria lidar com essa nova faceta de Kaito e sua relação com a irmã. Ela só esperava que isso não complicasse ainda mais as coisas entre eles.
— Sayuri, o que era que você tinha para me falar?
— Eu queria me desculpar com você. Fui rude em não me expressar corretamente e te fazer sofrer. Eu realmente… nunca pensei nesse tal amor, e acredito que ainda não estou pronta para isso. Me desculpe, Kaito.
Ao ouvir aquelas palavras tão de repente, Kaito corou levemente. Suas bochechas esquentaram, e ele tentou evitar contato visual com ela.
— B-Baka, não diga isso tão de repente. Isso é constrangedor.
Sayuri, vendo a reação de Kaito, sorriu levemente.
— Você é realmente fofo quando está envergonhado.
Após se explicar e se reconciliar com Kaito, Sayuri voltou para casa sorrindo. Sua atenção estava na conversa que teve com ele mais cedo. Sentada à mesa e suspirando, ela não percebeu que seu irmão se aproximou com uma xícara de chá.
— Por que está tão feliz assim? O que aconteceu?
Ao ouvir aquelas palavras, Sayuri se assustou ao perceber que seu irmão estava tão próximo dela, ao ponto de fazê-la corar e se encolher um pouco.
— Onii-sama, há quanto tempo está aqui?
— Há um tempo.
Sentindo a vergonha tomando conta de si, ela afundou a cabeça na mesa e tentou não encarar o irmão.
— Sayuri, você realmente é péssima em falar das coisas que te deixam muito feliz e envergonhada.
— Onii-sama, você me conhece tão bem. Às vezes, me pergunto por que não consigo esconder nada de você.
Naoya, sentindo seu coração se aquecer com aquelas palavras, apenas repousou a mão sobre a cabeça de Sayuri e afagou seu cabelo. Ela se encolheu, surpresa pela repentina atitude de Naoya.
Sayuri, ainda encolhida pelo toque inesperado de Naoya, sentiu a familiaridade e o conforto que só ele poderia lhe dar. O calor da mão dele em sua cabeça a fez relaxar aos poucos, embora seu coração estivesse acelerado pela mistura de sentimentos.
— Você não precisa esconder nada de mim, Sayuri — Naoya disse, em um tom suave e caloroso. — Somos irmãos. Eu sempre vou saber quando algo está te incomodando ou te deixando feliz.
Ela suspirou profundamente, aceitando que era inútil tentar disfarçar qualquer coisa na frente dele. Erguendo a cabeça levemente, mas sem encará-lo diretamente, ela sussurrou:
— Eu só... tive uma conversa complicada hoje. Mas acho que, no final, está tudo bem. Kaito e eu nos entendemos. — As palavras saíram mais leves do que ela esperava, como se dizer aquilo em voz alta para Naoya tivesse tirado um peso de seus ombros.
Naoya permaneceu em silêncio por um momento, mas continuou a afagar seu cabelo com delicadeza. Ele sabia que, para Sayuri, só o fato de falar sobre isso já era um grande avanço.
— Que bom que conseguiu resolver as coisas — ele disse, com um sorriso reconfortante. — Você sempre acha que vai ser mais difícil do que realmente é.
Sayuri, agora mais calma, sorriu levemente para ele. A presença tranquila de Naoya era o que ela precisava para se sentir mais segura, e aquele pequeno gesto de carinho sempre conseguia acalmá-la.
— Obrigada, onii-sama... — murmurou, genuinamente grata.
Naoya apenas assentiu, mantendo sua expressão suave e compreensiva.
— Sempre estarei aqui, Sayuri. Quando precisar de alguém para ouvir, você sabe que pode contar comigo.
Ela sentiu seu coração se aquecer com aquelas palavras e, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que tudo ficaria bem. Mesmo com as complicações em sua amizade com Kaito e os sentimentos confusos que surgiam, saber que tinha o apoio incondicional de Naoya fazia tudo parecer um pouco mais fácil.