Por fim, capenguei com cuidado sobre os telhados e entrei em meu quarto pela janela. Foi um avanço lento, mas eu não tinha muitas alternativas. Não podia passar por todo o mundo na taberna, desgrenhado, mancando e com a aparência de quem tinha acabado de cair de um telhado.
Depois de recobrar o fôlego e passar algum tempo me xingando por diversos tipos de idiotice atordoante, avaliei meus ferimentos. A boa notícia era que eu não havia quebrado nenhuma perna, mas tinha esplêndidos machucados logo abaixo dos dois joelhos. A telha que me acertara a cabeça de raspão tinha deixado um calombo, mas não me cortara. E, embora meu cotovelo latejasse com uma dor surda, a mão já não estava dormente.
Houve uma batida na porta. Fiquei momentaneamente petrificado, depois tirei o galhinho de bétula do bolso, murmurei uma conexão rápida e o sacudi de um lado para outro.
Ouvi um barulho assustado no corredor, seguido pela risada grave do Alastor.
— Não tem graça — ouvi Leif dizer. — Deixe a gente entrar.
Abri a porta para eles. Leif sentou-se na beirada da cama e Alastor pegou a cadeira junto da escrivaninha. Fechei a porta e me sentei na outra metade da cama. Mesmo depois de todos estarmos acomodados, o quarto minúsculo ficou apinhado.
Olhamo-nos sobriamente por um momento e então Leif disse:
— Parece que hoje o Drazno surpreendeu um ladrão nos aposentos dele. O sujeito preferiu pular de uma janela a ser apanhado.
Dei um risinho sem humor.
— Dificilmente. Eu já tinha quase saído quando o vento jogou a janela em cima de mim. — Gesticulei, sem jeito. — Ela me derrubou do telhado.
Alastor soltou um suspiro de alívio.
— Pensei que eu tivesse estragado a conexão.
Balancei a cabeça.
— Fui amplamente alertado. Só não fui cuidadoso como deveria.
— Por que ele voltou tão cedo? — perguntou Leif, olhando para Alastor. — Você ouviu alguma coisa quando ele entrou?
— Provavelmente deve ter-lhe ocorrido que a minha letra não era especialmente feminina — respondeu Alastor.
— Ele tinha um sistema de proteção nas janelas — expliquei. — É provável que estivesse ligado a um anel ou a alguma coisa que ele carrega consigo. Deve ter-lhe dado o aviso assim que abri a janela.
— Você achou? — perguntou Alastor.
Neguei com a cabeça.
Leif inclinou o pescoço para ver melhor o meu braço.
— Você está bem?
Acompanhei seus olhos, mas não vi nada. Então, puxei a camisa e notei que estava presa na parte posterior do braço. Com todas as minhas outras dores, eu não o havia notado.
Com gestos muito cautelosos, tirei a camisa pela cabeça. O tecido do cotovelo estava rasgado e salpicado de sangue. Praguejei, amargurado. Eu só tinha quatro camisas e, agora, essa estava estragada.
Tentei dar uma olhada no ferimento, mas logo percebi que era impossível olhar para as costas do meu próprio cotovelo, por mais que eu quisesse. Acabei por levantá-lo, para que Leif o examinasse.
— Não é grande coisa — disse ele, mostrando com os dedos um intervalo de pouco mais de 5 centímetros. — Há apenas um corte, que quase não está sangrando. O resto está só lanhado. Você parece tê-lo arranhado com força contra alguma coisa.
— Uma telha de barro do telhado caiu em cima de mim.
— Foi sorte — resmungou Alastor. — Quem mais conseguiria cair de um telhado e acabar sem nada além de uns arranhões?
— Estou com machucados do tamanho de maçãs nos joelhos — respondi. — Será sorte se conseguir andar amanhã.
No fundo, porém, eu sabia que ele estava certo. A telha que aterrissara no meu cotovelo poderia facilmente ter quebrado meu braço. Às vezes, as bordas lascadas dos tijolos de barro eram afiadas como facas, de modo que, se houvesse me atingido de outra maneira, ela poderia ter me cortado até o osso. Detesto telhas de barro.
— Bem, podia ter sido pior — disse Leif, animado, pondo-se de pé. — Vamos à Iátrica remendar você.
— Kraen, não! — exclamou Alastor. — Ele não pode ir à Iátrica. Devem estar fazendo perguntas, para saber se apareceu alguém machucado.
Leif tornou a se sentar.
— É claro — concordou, soando vagamente indignado consigo mesmo. — Eu sabia disso. — Olhou-me de cima a baixo: — Pelo menos, você não está machucado em nenhum lugar que as pessoas possam ver.
Olhei para Alastor.
— Você tem problemas com o sangue, não é?
Ele fez uma expressão levemente ofendida.
- Eu não diria... — Seus olhos correram para meu cotovelo e seu rosto empalideceu um pouco, apesar da tez cealdama morena. A boca crispou-se numa linha fina. — Sim.
— Tudo bem — falei. Comecei a rasgar tiras de pano da minha camisa estragada. — Parabéns, Leif. Você foi promovido a socorrista de campanha.
Abri uma gaveta e tirei uma agulha curva e categute, iodo e um potinho de gordura de ganso.
Leif olhou para a agulha, depois para mim, de olhos arregalados.
Lancei-lhe meu melhor sorriso.
— É fácil. Eu vou lhe dizendo o que fazer.
Fiquei sentado no chão, com o braço dobrado sobre a cabeça, enquanto Leif lavava, costurava e punha um curativo no meu cotovelo. Ele me surpreendeu, não sendo nem de longe tão melindroso quanto eu havia esperado. Suas mãos foram mais cuidadosas e confiantes que as de muitos alunos da Iátrica que viviam fazendo esse tipo de coisa.
— Quer dizer que nós três estávamos aqui, jogando bafo-de-cão a noite inteira, certo? — perguntou Alas, evitando enfaticamente olhar na minha direção.
— Parece bom — respondeu Leif. — Podemos dizer que eu ganhei?
— Não — intervim. — Devem ter visto o Alas na Pônei. Se mentirmos, eles vão me pegar, com certeza.
— Então, o que vamos dizer? — perguntou Leif.
— A verdade — respondi. Apontei para Alas: — Você estava na Pônei durante a agitação, depois veio aqui para me contar. — Fiz sinal para a mesinha, onde se espalhava em desalinho uma porção de engrenagens, molas e parafusos. — Mostrei-lhes o relógio carrilhão que encontrei e vocês me orientaram sobre como consertá-lo.
Leif pareceu decepcionado.
— Não é muito empolgante.
— As mentiras simples são as melhores — rebati, levantando-me. — Obrigado de novo aos dois. Isso poderia ter dado terrivelmente errado sem vocês olhando por mim.
Leif pôs-se de pé e abriu a porta. Alas também se levantou, mas não se virou para ir embora.
— Ouvi um boato estranho uma noite dessas — disse ele.
— Alguma coisa interessante? — perguntei.
Ele fez que sim.
— Muito. Lembro-me de ter ouvido dizer que você dera por encerrado o seu antagonismo a um certo membro poderoso da nobreza. Fiquei surpreso por você finalmente ter decidido não mexer mais com cachorros adormecidos.
— Ora, vamos, Alas — disse Leif. — O Drazno não está adormecido. É um cão raivoso que merece ser morto.
— Ele mais se assemelha a um urso furioso — retrucou Alastor. — Um urso que você parece decidido a cutucar com vara curta.
— Como é que você pode dizer isso? — rebateu Leif, acalorado. — Em dois anos como escriba, algum dia ele o chamou de outra coisa senão de gusa imundo? E que tal aquela vez em que ele quase me cegou, misturando meus sais? O Vanitas vai batalhar para tirar do organismo aquela poda de ameixa durante...
Alas levantou a mão e meneou a cabeça, reconhecendo o que Leif queria dizer.
— Sei que isso é verdade e foi essa a razão de eu ter me deixado levar para essa idiotice. Só quero esclarecer uma coisa. — Olhou para mim. — Você se dá conta de ter ido muito além dos limites no que diz respeito a essa tal de Alys, não é?