CLXXX. CONFIANÇA

Mesmo tendo razoável certeza de que Devi não estava por trás da malfeitoria, eu teria que ser um tolo para ignorar o fato de que ela estava com meu sangue. Assim, quando ficou claro que produzir um gramo exigiria tempo e energia enormes, eu me dei conta de que era chegada a hora de lhe fazer uma visita e me certificar de que não era ela a responsável.

Fazia um dia horroroso: frio, com um vento úmido que atravessava minha roupa. Eu não tinha luvas nem chapéu e precisei me contentar em levantar o capuz e enrolar as mãos no tecido da capa, apertando-a mais nos ombros.

Quando cruzei a Ponte de Pedra, ocorreu-me uma nova ideia: talvez alguém houvesse roubado meu sangue da Devi. Isso fazia mais sentido que qualquer outra coisa. Eu precisava ter certeza de que o frasco com meu sangue estava seguro. Se Devi ainda o tivesse e se não houvessem mexido nele, eu saberia que ela não estava envolvida.

Fui até a borda ocidental de Torrente, onde parei numa taberna para comprar uma meia cerveja e me esquentar junto ao fogo. Depois, percorri a viela já conhecida e subi a escada estreita atrás do açougue. Apesar do frio e da chuva recente, o cheiro de gordura rançosa ainda pairava no ar.

Respirei fundo e bati à porta.

Ela se abriu um minuto depois e o rosto de Devi espiou pela fresta estreita.

— Ora, olá — disse ela. — Veio a negócios ou por prazer?

— A negócios, principalmente — admiti.

— Que pena — lamentou ela, abrindo mais a porta.

Ao entrar no quarto, tropecei na soleira e cambaleei para cima dela, atrapalhado, apoiando brevemente uma das mãos no seu ombro para me equilibrar.

— Desculpe-me — falei, envergonhado.

— Você está com uma aparência medonha — disse Devi, enquanto trancava a porta. — Espero que não tenha vindo pedir mais dinheiro. Não faço empréstimos a quem parece estar saindo de uma bebedeira de três dias.

Acomodei-me numa cadeira, cansado.

— Eu trouxe o seu livro para devolver — informei, tirando-o de baixo da capa e pondo-o na escrivaninha.

Ela meneou a cabeça, com um pequeno sorriso.

— O que achou do velho Malcaf?

— Árido. Prolixo. Maçante.

— E também não havia nenhuma ilustração — disse ela, em tom seco. — Mas isso não vem ao caso.

— As teorias dele sobre a percepção como uma força ativa são interessantes — admiti. — Mas ele escreve como se tivesse medo de que alguém possa realmente entendê-lo.

Devi assentiu com a cabeça, franzindo a boca.

— Foi o que eu também achei — disse. Estendeu a mão sobre a escrivaninha e puxou o livro mais para perto. — O que achou do capítulo sobre a propriocepção?

— Ele pareceu desenvolver sua tese partindo de um poço profundo de ignorância. Conheci pessoas na Iátrica com membros amputados. Acho que Malcaf nunca as conheceu.

Observei Devi, em busca de algum sinal de culpa, alguma indicação de que ela teria praticado malfeitoria contra mim. Mas não havia nada. Ela parecia perfeitamente normal, animada e com a língua afiada como sempre. No entanto, eu havia sido criado entre atores. Sabia quantas maneiras existem para esconder os verdadeiros sentimentos.

Devi franziu exageradamente o cenho.

— Você está muito sério. No que está pensando?

— Eu tinha umas perguntas — respondi, evasivo. Não estava ansioso por levar aquilo adiante. — Não eram sobre o Malcaf.

— Estou muito cansada de ser apreciada por meu intelecto — disse Devi. Reclinou-se na cadeira e esticou os braços para cima. — Quando conseguirei achar um bom rapaz que me queira só pelo meu corpo? — indagou, com uma espreguiçadela voluptuosa, mas parou a meio caminho e me olhou com ar intrigado. — Estou esperando uma tirada espirituosa. Você costuma ser mais ágil que isso. 

Dei-lhe um sorriso débil.

— Estou com a cabeça cheia. Acho que hoje não posso entrar numa competição intelectual com você.

— Nunca suspeitei que você pudesse competir intelectualmente comigo, mas gosto de uma brincadeirinha de vez em quando — disse. Inclinou-se para a frente e cruzou as mãos na escrivaninha: — Que tipo de perguntas?

— Você estudou muita siglística na Academia?

— Perguntas pessoais — disse Devi, erguendo uma sobrancelha. — Não. Eu não ligava para isso. Muita perda de tempo para o meu gosto.

— Você não parece ser o tipo de mulher que se incomodaria com uma vadiaçãozinha — falei, conseguindo esboçar um débil sorriso.

— Assim já está melhor — comentou ela, com ar de aprovação. — Eu sabia que você levava jeito.

— Imagino que você não tenha nenhum livro sobre siglística avançada, não é? Aquele tipo de coisa a que não deixam que um A'scor tenha acesso?

Devi meneou a cabeça.

— Não. Mas tenho uns bons textos de alquimia. Coisas que você nunca acharia no seu precioso Arquivo.

Houve um tom carregado de ressentimento quando ela proferiu esta última palavra.

Foi então que tudo fez sentido na minha cabeça. Devi nunca seria descuidada a ponto de deixar alguém furtar meu sangue. Não o venderia para obter um lucro rápido. Não precisava do dinheiro. Não guardava nenhum rancor de mim.

Mas ela venderia os próprios dentes para entrar no Arquivo.

— É engraçado você mencionar a alquimia — falei, com toda a calma possível. — Já ouviu falar de uma coisa chamada poda de ameixa?

— Ouvi falar — respondeu ela, descontraída. — Uma coisinha desgraçada. Acho que tenho a fórmula. — Virou-se um pouco na cadeira, de frente para a estante. — Está interessado em vê-la?

O rosto dela não a traiu, mas, com bastante prática, qualquer um pode controlar a expressão facial. Sua linguagem corporal também não a delatou. Houve apenas uma levíssima tensão em seus ombros, apenas um indício de hesitação.

Foram seus olhos. Quando mencionei a poda de ameixa, vi um lampejo neles. Não apenas de reconhecimento.

Culpa. É claro.

Ela vendera a fórmula ao Drazno.

E por que não o faria? Drazno era um escriba do alto escalão. Poderia introduzi-la furtivamente no Arquivo. Diabos, com os recursos de que dispunha, ele talvez nem precisasse fazer isso.

Todos sabiam que, de vez em quando, o Loran facultava a não alunos do Arcano o acesso ao Arquivo, especialmente quando seus padrinhos se dispunham a preparar o terreno com uma doação generosa.

Certa vez, o Drazno tinha comprado toda uma hospedaria só para fazer picuinha comigo. Quanto não se disporia a pagar para pôr as mãos no meu sangue?

Não. Alas e Leif tinham estado certos a esse respeito. Drazno não era do tipo que sujava as mãos se pudesse evitá-lo. Para ele, seria muito mais simples contratar a Devi para fazer seu trabalho sujo. Ela já fora expulsa. Não tinha nada a perder e tinha todos os segredos do Arquivo a ganhar.

— Não, obrigado — respondi. — Não trabalho muito com alquimia. — Respirei fundo e resolvi ir direto ao ponto: — Mas realmente preciso ver o meu sangue.

A expressão animada da Devi cristalizou-se em seu rosto. A boca continuou sorrindo, mas seus olhos congelaram.

— Perdão, o que disse?

Não foi realmente uma pergunta.

— Preciso ver o sangue que deixei aqui com você. Preciso saber se ele está seguro.

— Receio que isso não seja possível — disse Devi, cujo sorriso desapareceu por completo, deixando a boca numa linha fina e plana. — Não é assim que faço negócios. Além disso, você acha que eu cometeria a estupidez de deixar aquele tipo de coisa aqui?

Senti um frio na barriga, ainda sem querer acreditar.

— Podemos ir ao lugar onde você o guarda — retruquei, calmamente. — Alguém anda praticando malfeitorias contra mim. Preciso ter certeza de que meu sangue não foi mexido. É só isso.

— Como se eu fosse lhe mostrar onde guardo esse tipo de coisa — disse Devi, com um sarcasmo contundente. — Você levou uma pancada na cabeça ou coisa assim?

— Receio que eu precise insistir.

— Pois vá receando — rebateu ela, com um olhar furioso. — Vá em frente e insista. Não fará a menor diferença.

Era ela.

Não havia nenhuma outra razão para esconder o sangue de mim.

— Se você se recusar a me mostrar o frasco — prossegui, tentando manter a voz equilibrada e serena —, terei de presumir que vendeu o meu sangue ou que fez um boneco para me representar, por alguma razão.

Devi reclinou-se na cadeira e cruzou os braços, com proposital indiferença.

— Pode presumir a idiotice que quiser. Você verá o seu sangue quando quitar a dívida comigo, nem um minuto antes.

Tirei uma boneca de cera de baixo da capa e apoiei a mão na escrivaninha, para que Devi pudesse vê-la.

— Essa aí seria eu? Com esses quadris? — disse ela, mas as palavras eram apenas a casca de uma pilhéria, um ato reflexo. O tom foi monocórdio e enraivecido. Seu olhar se manteve duro.

Com a outra mão, peguei um fio curto de cabelo louro-avermelhado e o prendi na cabeça da boneca. A mão de Devi correu para seu cabelo, inconscientemente, e ela exibiu uma expressão chocada.

— Alguém vem me atacando — repeti. — Preciso ter certeza de que o meu sangue está...

Dessa vez, quando mencionei o sangue, vi os olhos dela correrem de relance para uma das gavetas da escrivaninha. Houve um leve tremor em seus dedos.

Encarei-a.

— Não faça isso — adverti, em tom sinistro.

A mão de Devi correu para a gaveta e a abriu com um puxão.

Nem por um segundo duvidei de que a gaveta contivesse o boneco que ela fizera para me representar. Eu não podia deixar que o pegasse. Concentrei-me e murmurei uma conexão.

A mão de Devi estancou num tranco, a meio caminho da gaveta aberta.

Não fiz nada para machucá-la. Nem fogo nem dor, nada parecido com o que ela vinha fazendo comigo nos últimos dias. Foi apenas uma conexão para mantê-la imóvel. Ao parar na taberna para me aquecer, eu havia tirado uma pitada de cinza da lareira. Não era uma grande fonte e o lugar ficava mais longe do que eu gostaria, porém era melhor que nada.

Mesmo assim, eu provavelmente só conseguiria mantê-la desse jeito por alguns minutos, antes de tirar tanto calor do fogo que o apagaria. Mas esse tempo deveria ser suficiente para eu lhe arrancar a verdade e recuperar o boneco feito por ela.

Os olhos de Devi assumiram uma expressão desvairada, enquanto ela lutava para se mexer.

— Como se atreve? — gritou ela. — Como é que se atreve?

— Como se atreve você — rebati, com raiva. — Mal posso acreditar que confiei em você! Eu a defendi perante os meus amigos...

Minha voz morreu quando aconteceu o impensável. Apesar da minha conexão, Devi começou a se mexer, sua mão se aproximando pouco a pouco da gaveta aberta.

Concentrei-me mais e sua mão parou. Em seguida, lentamente, começou de novo a avançar, desaparecendo na gaveta. Mal pude acreditar.

— Você acha que pode vir aqui me ameaçar? — sibilou ela, o rosto crispado numa máscara de ódio. — Acha que não sei cuidar de mim? Eu cheguei a A'scor antes de eles me expulsarem, seu calculadorzinho idiota. Fiz por merecer. A minha Vileza é como o oceano na tormenta.

Sua mão havia entrado quase completamente na gaveta.

Senti um suor pegajoso brotar na minha testa e dividi minha mente mais três vezes. Tornei a murmurar e cada parte dela fez uma conexão separada, concentrando-se em manter Devi imóvel. Tirei calor do meu corpo e senti o frio subir por meus braços, enquanto procurava derrotá-la. Eram cinco conexões, ao todo. Meu limite máximo.

Devi ficou imóvel como uma pedra e deu um risinho gutural, que se alargou num sorriso.

— Ah, você é muito bom. Chego quase a acreditar nas histórias a seu respeito. Mas o que o leva a supor que pode fazer o que nem o Lal Mirch conseguiu? Por que acha que me expulsaram? Eles tiveram medo de uma mulher que, no segundo ano, já era capaz de se equiparar a um Mestre.

A transpiração fez seu cabelo claro grudar-se à testa. Devi cerrou os dentes, com uma determinação selvagem no rostinho de elfo. Sua mão voltou a se mexer.

E então, com uma explosão repentina de movimento, ela arrancou a mão da gaveta, como se a soltasse da lama espessa. Bateu com uma coisa redonda e metálica no tampo da mesa, fazendo a chama da lamparina saltar e crepitar. Não era um boneco. Não era um frasco com meu sangue.

— Seu canalha — disse-me, quase cantarolando as palavras. — Acha que não estou preparada para este tipo de coisa? Acha que é o primeiro a tentar se aproveitar de mim?

Torceu o topo da esfera cinzenta de metal, que fez um nítido clique, e afastou vagarosamente a mão. Apesar dos meus melhores esforços, não consegui mantê-la parada.

Foi então que reconheci o dispositivo que ela havia tirado da gaveta. Eu o estudara com Monet no período anterior. Kelvin referia-se a esses objetos como "aceleradores exotérmicos autônomos", mas todas as outras pessoas os chamavam de aquecedores de bolso ou braseiros de pobre.

Eles continham querosene, nafta ou açúcar. Uma vez ativados, queimavam o combustível no seu interior, produzindo tanto calor quanto uma forja por aproximadamente cinco minutos. Depois, tinham que ser desmontados, limpos e enchidos novamente. Eram sujos e perigosos e tendiam a se quebrar com facilidade, por causa do aquecimento e resfriamento rápidos. Mas, por um curto espaço de tempo, davam ao simpatista o equivalente à energia de uma fogueira.

Mergulhei no Coração de Pedra e cindi mais um pedaço da minha mente, murmurando a conexão. Em seguida, tentei fazer a sétima e não consegui. Estava cansado e todo dolorido. O frio consumia meus braços e eu havia passado por coisas de mais nos dias anteriores. Mas cerrei os dentes e me obriguei a murmurar as palavras baixinho.

Devi nem pareceu notar a sexta conexão. Mexendo-se com a lentidão de um ponteiro de relógio, puxou um fio solto de sua manga. O braseiro de pobre soltou um rangido metálico e o calor começou a brotar dele em ondas bruxuleantes.

— Não tenho uma ligação decente com você neste momento — disse Devi, enquanto a mão que segurava o fio movia-se devagar para o aquecedor. — Mas, se você não desfizer a sua conexão, vou usar isto para incendiar cada retalho de tecido no seu corpo e estarei sorrindo enquanto você gritar.

São estranhos os pensamentos que passam chispando pela cabeça em situações como essa. A primeira coisa que pensei não foi em ser pavorosamente queimado. Foi que a capa que Faela me dera se estragaria e só me restariam duas camisas.

Meus olhos correram para o tampo da escrivaninha de Devi, onde o verniz já começava a se empolar num círculo em volta do braseiro de pobre. Senti o calor irradiar em direção ao meu rosto.

Sei quando sou derrotado. Rompi as conexões, sentindo a cabeça rodar enquanto seus pedaços se rejuntavam.

Devi girou os ombros.

— Largue a boneca — ordenou.

Abri a mão e a boneca de cera desabou na escrivaninha feito um bêbado. Fiquei sentado com as mãos no colo, mantendo-me perfeitamente imóvel, sem querer assustar nem ameaçar Devi de nenhum modo.

Ela se levantou e se curvou sobre a escrivaninha. Estendeu a mão e a passou no meu cabelo, depois fechou o punho e arrancou alguns fios. Dei um grito a contragosto.

Tornando a se sentar, ela pegou a boneca e substituiu seu cabelo por vários fios do meu. Resmungou uma conexão.

— Devi, você não está entendendo. Eu só precisava...

Ao fazer a conexão com ela, eu me havia concentrado em seus braços e pernas. É a maneira mais eficiente de conter alguém. Eu dispunha de pouco calor para trabalhar e não podia desperdiçar energia em mais nada.

Mas Devi tinha calor de sobra nesse momento e sua conexão era como estar preso num torno de ferro. Eu não conseguia mexer braços nem pernas, queixo nem língua. Mal podia respirar e, mesmo assim, só com inspirações curtas e superficiais, que não exigissem nenhum movimento do peito. Foi pavoroso, como ter a mão de alguém apertando meu coração.

— Eu confiei em você — disse Devi, com a voz grave e rouca, como uma serra afiada de cirurgião cortando cartilagens e ossos na lenta amputação de uma perna. — Confiei em você — repetiu, com um olhar de pura fúria e repugnância. — Houve, sim, alguém que veio aqui, tentando comprar o seu sangue. Cinquenta e cinco crimos. Eu o mandei embora. Neguei até mesmo conhecer você, porque nós tínhamos uma relação de negócios. Eu cumpro os compromissos que assumo.

Quem?, tive vontade de gritar. Mas só consegui produzir um som inarticulado, gqnmmqmmm.

Devi olhou para a boneca de cera em sua mão e para o braseiro de pobre que ia queimando um anel escuro no tampo da escrivaninha.

— Agora, a nossa relação de negócios acabou — disse, em tom firme. — Estou considerando a sua dívida vencida. Você tem até o fim do período para me trazer o meu dinheiro. Nove crimos. Se houver um atraso de meio suspiro, venderei seu sangue para recuperar meu investimento e lavarei as mãos com relação a você.

Olhou-me com frieza e acrescentou:

— Isto é mais do que você merece. Ainda tenho o seu sangue. Se você procurar os professores da Academia ou um guarda de Torrente, as coisas acabarão mal para o seu lado.

Já então a fumaça subia em espirais da escrivaninha e Devi moveu a mão para segurar a boneca acima do metal rangente do braseiro de pobre. Murmurou alguma coisa e senti um formigamento de calor inundar todo o meu corpo. A sensação foi exatamente igual à das febres repentinas que me haviam atormentado durante dias.

— Quando eu desfizer esta conexão, você dirá "compreendo, Devi". Depois, vai se retirar. Ao término do período, mandará alguém com o dinheiro que você me deve. Não virá pessoalmente. Nunca mais quero vê-lo.

Olhou-me com tanto desprezo que chego a me encolher ao lembrar. Depois, deu-me uma cusparada e pequenos respingos de saliva atingiram o braseiro de pobre e produziram um chiado, transformando-se em vapor.

— Se eu tornar a vislumbrá-lo, mesmo pelo canto do olho, isso acabará mal para você.

Levantou a boneca de cera acima da cabeça e a desceu com força sobre a escrivaninha, com a mão espalmada em cima. Se eu pudesse me esquivar ou gritar de pânico, o teria feito.

A boneca espatifou-se, braços e pernas despedaçados, a cabeça rolando pela escrivaninha e caindo no chão. Senti um impacto violento e repentino, como se houvesse despencado de vários metros de altura e me estatelado num piso de pedra. Foi assustador, mas nem de longe tão terrível quanto poderia ter sido. Em meio ao pavor, uma pequena parte de mim deslumbrou-se com a precisão e o controle de Devi.

A conexão que me prendia desfez-se e pude respirar fundo.

— Eu compreendo, Devi. Mas posso...

SAIA! — gritou ela.

Saí.

Gostaria de dizer que foi uma retirada digna, contudo não seria verdade.