CLXXXI. PRESSÃO

Alastor e Leif estavam à minha espera no canto dos fundos da Grilo. Levei para eles dois canecos de cerveja e uma bandeja cheia de pão fresco, manteiga, queijo, frutas e tigelas de sopa quente e grossa, com carne e nabo.

Alastor esfregou um olho com a palma da mão. Parecia meio indisposto, por baixo da tez cealdama morena, mas, afora isso, não se mostrava muito pior pelas três noites de sono encurtado.

— Qual é a comemoração? — perguntou.

— Só estou querendo ajudar vocês dois a conservarem a energia.

— Estou muito à frente disso — declarou Leif. — Tirei um cochilo revigorante na aula de sublimação — explicou. Seus olhos estavam meio escuros nas bordas, mas ele também não parecia muito desgastado.

Alastor começou a encher seu prato e disse:

— Você mencionou que tinha notícias. Que tipo de notícias?

— É meio dúbio. Qual vocês querem primeiro, a boa ou a má?

— Primeiro a má notícia — respondeu Leif.

— O Kelvin se recusa a me dar os planos de que preciso para fazer meu gramo. É a siglística envolvida. Runas correspondentes a sangue e ossos e coisas desse gênero. Ele acha que são muito perigosas para serem ensinadas a um A'scor.

Leif mostrou-se curioso:

— Ele disse por quê?

— Não — admiti. — Mas posso adivinhar. Eu poderia usá-las para criar toda sorte de coisas desagradáveis. Como um disquinho de metal com um buraco. Aí, se a pessoa pusesse lá dentro uma gota do sangue de alguém, poderia usá-lo para queimar o sujeito vivo.

— Puxa, isso é terrível — comentou Leif, pousando a colher. — Algum dia você tem pensamentos agradáveis?

— Qualquer um no Arcano poderia fazer a mesma coisa com simpatia elementar — assinalou Alastor.

— Há uma grande diferença — falei. — Depois que eu fizesse esse dispositivo, qualquer pessoa poderia usá-lo. Repetidas vezes.

— Isso é loucura — observou Leif. — Por que alguém faria uma coisa dessas?

— Por dinheiro — respondeu Alastor, com ar desanimado. — As pessoas vivem fazendo idiotices por dinheiro. — Lançou-me um olhar significativo e concluiu: — Como pedir dinheiro emprestado a agiotas sedentos de sangue.

— O que me leva à segunda notícia — emendei, constrangido. — Confrontei a Devi.

— Sozinho? — admirou-se Leif. — Você é retardado?

— Sim — respondi —, mas não pelas razões que você supõe. As coisas se tornaram desagradáveis, no entanto agora eu sei que ela não foi responsável pelos ataques.

Alastor franziu o cenho.

— Se não foi ela, quem foi?

— Só existe uma coisa que faz sentido — respondi. — É o Drazno.

Alas meneou a cabeça.

— Já examinamos isso. O Drazno nunca se arriscaria. Ele...

Ergui a mão para detê-lo.

— Ele nunca se arriscaria a praticar malfeitorias contra mim — concordei. — Mas acho que ele não sabe a quem está agredindo.

Alastor fechou a boca e assumiu um ar pensativo.

— Pensem nisto — continuei: — se o Drazno desconfiasse que fui eu, moveria uma acusação contra mim diante dos professores. Já o fez antes — lembrei e esfreguei meu braço ferido. — Eles descobririam meus ferimentos e eu seria apanhado.

Alas baixou os olhos para o tampo da mesa.

Kraen — praguejou. — Isso faz sentido. Ele poderia desconfiar que você contrataria um ladrão, mas não que você mesmo praticaria uma invasão de domicílio. Ele nunca faria uma coisa dessas.

Assenti com a cabeça.

— É provável que ele esteja tentando descobrir a pessoa que invadiu seus aposentos. Ou simplesmente conseguir uma vingancinha fácil. Isso explica por que os ataques andam se intensificando. Talvez ele ache que o ladrão fugiu para Torrente ou Notrean.

— Temos de levar isso aos professores — sugeriu Leif. — Eles podem revistar os aposentos do Drazno à noite. Ele será expulso por isso, além de açoitado. — Espalhou-se por seu rosto um sorriso largo e venenoso: — Puxa, eu pagaria 10 crimos para poder segurar o chicote.

Ri do seu tom sanguinário. Era preciso muita coisa para provocar a aversão do Leif, mas, quando se chegava lá, era um caminho sem volta.

— Nós não podemos, Leif.

Ele me lançou um olhar de pura incredulidade.

— Você não está falando sério. Ele não pode se safar com isso!

— Eu seria expulso por ter invadido os aposentos dele, para começo de conversa. Conduta Imprópria.

— Eles não expulsariam você por isso — afirmou Leif, porém sua voz estava longe de mostrar segurança.

— Não estou disposto a correr o risco. O Hilme me odeia. O Brandon vai atrás do Hilme. E ainda estou no livro negro do Loran.

Fiz uma pausa e concluí:

— Só aí, são três votos contra mim.

— Acho que você não dá crédito suficiente ao Loran — disse Alastor. — Mas tem razão. Eles o expulsariam. Nem que fosse só para ajeitar as coisas com o barão Grozzi.

Leif olhou para Alastor.

— Você acha mesmo?

Alas fez que sim.

— É possível que nem sequer expulsassem o Drazno — disse, em tom melancólico. — Ele é o favorito do Hilme e os professores sabem dos problemas que seu pai poderia criar para a Academia. — Bufou. — Pense no problema que o Drazno pode criar quando tomar posse da herança. — Baixou os olhos e balançou a cabeça. — Nessa eu estou com o Vanitas, Leif.

Leif deu um enorme e cansado suspiro.

— Que maravilha — disse. Depois, fitou-me com os olhos espremidos. — Eu lhe avisei. Disse para você deixar o Drazno em paz desde o começo. Entrar numa briga com ele é como pisar numa armadilha para ursos.

— Armadilha para ursos? — repeti, pensativo.

Ele balançou a cabeça com firmeza.

— O pé entra com facilidade, mas você nunca mais o tira.

— Uma armadilha para ursos — tornei a dizer. — É exatamente disso que eu preciso.

Alastor deu uma risadinha sombria.

— Estou falando sério. Onde posso arranjar uma armadilha para ursos? — perguntei.

Alastor e Leif me olharam com estranheza e resolvi não abusar da sorte.

— É só uma piada — menti, sem querer complicar ainda mais as coisas. Eu poderia achar a armadilha sozinho.

— Precisamos ter certeza de que é o Drazno — disse Alastor.

Assenti com a cabeça.

— Se ele estiver trancado em seus aposentos nas próximas vezes que eu for atacado, isso deverá ser prova suficiente.

A conversa se extinguiu e, por alguns minutos, comemos em silêncio, cada um às voltas com seus próprios pensamentos.

— Muito bem — fez Leif, como se houvesse chegado a uma conclusão. — Não houve nenhuma mudança real. Você continua a precisar de um gramo, certo?

Olhou para Alas, que confirmou com a cabeça, e novamente para mim.

— Agora, ande logo com a boa notícia, antes que eu me mate — disse.

Sorri.

— A Faela concordou em me ajudar a vasculhar o Arquivo à procura do esquema. — Fiz um gesto abarcando os dois e acrescentei: — Se vocês quiserem se juntar a nós, isso significará longas horas estafantes em estreito contato com a mulher mais bonita deste lado do rio Ometh.

— Pode ser que eu consiga arranjar umas horas vagas — disse Alas, com ar indiferente.

Leif sorriu.

Assim teve início a nossa busca no Arquivo.

Surpreendentemente, a princípio foi divertido, quase como um jogo. Nós quatro nos dispersávamos por seções diferentes, depois voltávamos e examinávamos os livros em grupo. Passamos horas conversando e brincando, gostando do desafio e da companhia uns dos outros.

Mas, à medida que as horas se transformaram em dias de busca infrutífera, a empolgação foi embora, deixando apenas uma rígida determinação. Alastor e Leif continuaram a velar por mim enquanto eu dormia, protegendo-me com sua Vileza. Noite após noite eles perdiam o sono, o que os deixou taciturnos e irritadiços. Reduzi meu sono a cinco horas por noite, para lhes facilitar um pouco as coisas.

Em circunstâncias comuns, cinco horas de sono seriam mais do que suficientes para mim, porém eu ainda estava me recuperando dos ferimentos. Além disso, precisava sustentar constantemente a Vileza que me mantinha a salvo. Era mentalmente exaustivo.

No terceiro dia de nossa busca, cochilei enquanto estudava metalurgia. Foi só um cochilo de meio minuto, até minha cabeça pender e eu acordar, assustado. Mas o medo gélido me seguiu pelo resto do dia. Se o Drazno me houvesse atacado naquele momento, eu poderia ter morrido.

Assim, embora não pudesse arcar com o preço, comecei a me valer de meus recursos cada vez mais escassos para comprar café. Muitas hospedarias e restaurantes próximos da Academia atendiam às preferências dos nobres, de modo que era fácil encontrá-lo, mas café nunca é barato. A balruta seria menos dispendiosa, porém tinha efeitos colaterais mais severos e eu não queria arriscar.

Entre os períodos de pesquisa, tratamos de confirmar minhas suspeitas de que o Drazno era responsável pelos ataques. Nisso, pelo menos, tivemos sorte. Alas o viu voltar para o quarto depois da aula de retórica e, no mesmo horário, fui forçado a rechaçar um congelamento por conexão. Faela o viu terminar um almoço tardio e retornar a seus aposentos e, 15 minutos depois, senti um formigamento suarento de calor nas costas e nos braços.

Mais tarde, nessa noite, eu o vi voltar para seu quarto, na Pônei Dourado, após seu turno no Arquivo. Não muito depois, senti nos dois ombros uma vaga pressão que me informou que ele estava tentando me esfaquear. Depois dos ombros, seguiram-se várias outras estocadas numa área mais pessoal.

Alastor e Leif concordaram em que não podia ser coincidência: era o Drazno.

E o melhor de tudo foi que isso nos fez saber que, fosse lá o que ele estivesse usando contra mim, era algo que guardava em seus aposentos.