Com o alaúde de novo nas mãos, os outros aspectos da minha vida entraram facilmente nos eixos. Meu trabalho na Ficiaria foi mais fácil. As aulas correram sem esforço. Até Elohkar parecia fazer mais sentido.
Foi com o coração leve que fiz uma visita ao Leif, no conjunto de prédios da alquimia. Ele me abriu a porta quando bati e fez sinal para que eu entrasse.
— Funcionou — disse-me, empolgado.
Fechei delicadamente a porta e ele me levou a uma mesa onde estava disposta uma série de frascos, tubos e bicos de gás de hulha. Deu um sorriso orgulhoso e levantou um pote baixo e raso, do tipo que se usa para guardar pó facial.
— Pode me mostrar? — pedi.
Ele acendeu um pequeno bico de gás e a chama aqueceu o fundo de uma frigideira rasa de ferro. Passamos um instante calados, ouvindo-a chiar.
— Comprei botas novas — disse Leif, puxando conversa, e levantou um pé para que eu as visse.
— São bonitas — comentei automaticamente e então parei e olhei melhor. — Isso são tachões? — perguntei, incrédulo.
Ele deu um sorriso perverso. Eu ri.
A frigideira de ferro esquentou e Leif desatarraxou a tampa do pote, pressionando o dedo indicador na substância translúcida que ele continha. Em seguida, com um pequeno floreio, levantou a mão e encostou a ponta do dedo na superfície da frigideira aquecida.
Encolhi-me. Leif deu um sorriso convencido e manteve o dedo ali pelo tempo de uma respiração prolongada, antes de retirá-lo.
— Incrível — comentei. — Vocês fazem umas coisas malucas aqui. Um escudo contra o calor.
— Não — rebateu Leif, com ar sério. — Essa é a maneira absolutamente errada de pensar nisso. Não se trata de um escudo. Não é um isolante. É como uma camada extra de pele, que queima antes que a sua pele de verdade se aqueça.
— É como ter água nas mãos.
Ele tornou a balançar a cabeça.
— Não. A água conduz calor. Isso não conduz.
— Então é um isolante.
— Está bem — disse ele, exasperado. — Você tem que calar a boca e escutar. Isto é alquimia. Você não entende nada de alquimia.
Fiz um gesto para acalmá-lo.
— Eu sei. Eu sei.
— Então, diga. Diga: "Eu não entendo nada de alquimia."
Lancei-lhe um olhar furioso.
— Alquimia não é só química com umas coisinhas a mais — afirmou ele. — Isso quer dizer que, se você não me escutar, vai-se precipitar nas suas próprias conclusões e estará completamente errado. Mortalmente errado.
Respirei fundo e soltei o ar.
— Está bem. Então me diga.
— Você terá de espalhar a substância depressa. Só vai dispor de uns dez segundos para espalhá-la uniformemente pelas mãos e pela parte inferior dos braços — disse, fazendo um gesto até o meio do antebraço.
— Ela não vai se soltar com o atrito, mas você a perderá um pouco se esfregar demais as mãos. Não toque em seu rosto. Não esfregue os olhos. Não cutuque o nariz. Não roa as unhas. Ela é meio venenosa.
— Meio? — perguntei.
Leif me ignorou, mostrando o dedo que havia apertado na frigideira quente.
— Ela não é como as luvas das armaduras. Assim que é exposta ao calor, começa a queimar.
— Vai soltar algum cheiro? — indaguei. — Algo que revele a presença disso?
— Não. Tecnicamente, ela não queima de fato. Simplesmente se decompõe.
— Decompõe-se em quê?
— Em coisas — respondeu Leif, mal-humorado. — Decompõe-se em coisas complicadas que você não pode compreender, porque não entende nada de alquimia.
— Pode ser aspirada com segurança?
— Pode. Caso contrário, eu não a daria a você. Essa é uma fórmula antiga. Testada e comprovada. Agora, uma vez que ela não transmite calor, as suas mãos vão passar direto da sensação de frio para a de pressionar com força uma coisa que estará pelando, incandescente. — Lançou-me um olhar incisivo e acrescentou: — Recomendo que você pare de tocar em coisas quentes antes que ela se gaste toda.
— Como posso saber quando isso vai acontecer?
— Não pode — respondeu ele, simplesmente. — Por isso o aconselho a usar alguma outra coisa além das mãos descobertas.
— Que maravilha.
— Se for misturada com álcool, ela se tornará ácida. Mas só um pouquinho. Você terá tempo mais que suficiente para lavá-la. Se for misturada com um pouco d'água, como o seu suor, tudo bem. Mas, se ela se misturar com muita água, digamos, em uma proporção de 100 partes para uma, ficará inflamável.
— E se eu a misturar com urina, ela vira um doce delicioso, certo? — Dei uma risada e perguntei: — Você e o Alastor fizeram uma aposta sobre quanto disso eu engoliria? Nada se torna inflamável ao ser misturado com água.
Os olhos de Leif se estreitaram. Ele pegou um cadinho vazio.
— Maravilha — disse. — Então, encha isto.
Ainda rindo, fui até a vasilha de água num canto da sala. Era idêntica às que tínhamos na Ficiaria. A água pura também é importante para o trabalho de artificiaria, especialmente na mistura de tipos de argila e no resfriamento de metais que não se quer contaminar.
Derramei um pouco d'água no cadinho e o levei de volta para o Leif. Ele mergulhou nela a ponta do dedo, girou-a e derramou a água na frigideira quente de ferro.
Uma densa chama laranja elevou-se num rugido, queimando a três pés de altura, até bruxulear e se extinguir. Leif pousou o cadinho vazio com um leve clique e me olhou com ar grave.
— Diga.
Baixei os olhos para os pés.
— Eu não entendo nada de alquimia.
Leif balançou a cabeça, parecendo satisfeito.
— Certo — falou, virando-se outra vez para a bancada de trabalho. — Vamos repassar isso.