CLXXXVII. RECADO

Na noite seguinte, arrumei cuidadosamente minha sacola de viagem, com medo de esquecer algum equipamento fundamental. Estava verificando tudo pela terceira vez quando ouvi uma batida na porta.

Abri-a e vi um garotinho de uns 10 anos parado no corredor, ofegante. Seus olhos correram para o meu cabelo e sua expressão se aliviou.

— Você é o Vanhitas?

— Vanitas — respondi. — E sim, sou eu.

— Tenho um recado pra você — disse. Enfiou a mão no bolso e tirou um pedaço de papel amassado.

Estendi a mão e o garoto deu um passo atrás, balançando a cabeça.

— A moça disse que você me daria um iyane por lhe trazer a mensagem.

— Duvido — retruquei, estendendo a mão. — Deixe-me ver o bilhete. Eu lhe darei meio lumen se for mesmo para mim.

Ele amarrou a cara e me entregou o papel, a contragosto.

O bilhete nem estava lacrado, apenas dobrado duas vezes. Também estava vagamente úmido. Olhando para o garoto empapado de suor, pude adivinhar por quê.

Dizia:

"Vanitas,

A sua presença é gentilmente solicitada para jantar esta noite. Estou com saudade de você. Tenho uma notícia empolgante. Por favor, encontre-me na Barril e Javali ao quinto sino.

Sua,

Alys.

PS. Prometi meio lumen ao menino. "

Quinto sino? — perguntei. — Pelas mãos negras de Deus! Quanto tempo você levou para chegar aqui? Já passa do sexto sino. 

— Não é culpa minha — disse ele, amarrando uma cara furiosa. - Tô procurando em todo canto faz horas. Na Galo, ela disse. Leva pro Vanhitas na Galo, do outro lado do rio. Mas isso aqui não tem nada a ver com um galinheiro. E não tem galinha nenhuma na placa lá fora. Como é que alguém vai achar esse lugar?

— Perguntando! — gritei. — Pela maldição preta, garoto, como você pode ser tão tapado?

Lutei contra uma vontade muito real de estrangulá-lo e respirei fundo.

Olhei pela janela para a luz esmaecente. Em menos de meia hora meus amigos estariam reunidos em volta da fogueira escavada no chão do bosque. Eu não tinha tempo para ir a Torrente.

— Certo — falei, com toda a calma que consegui reunir. Arranjei um toco de lápis e rabisquei um bilhete no verso do pedaço de papel:

"Alys,

Lamento muitíssimo. Seu mensageiro só me encontrou depois do sexto sino. É de uma burrice indizível. Também senti saudades suas e me coloco inteiramente à sua disposição amanhã, em qualquer hora do dia ou da noite. Mande o garoto de volta com sua resposta, para me dizer quando e onde.

Afetuosamente,

Vanitas.

PS. Se o garoto tentar lhe tirar algum dinheiro, dê-lhe um grande tabefe na orelha. Ele vai receber o dinheiro quando voltar à Grilo com o seu bilhete, desde que não se confunda e coma o papel no caminho."

Dobrei novamente o bilhete e pus uma gota de cera macia de vela na borda.

Apalpei a bolsa. No mês anterior, eu havia torrado aos poucos os dois crimos extras que pegara emprestados com a Devi. Tinha esbanjado o dinheiro em luxos como curativos, café e o material para o plano dessa noite.

Como resultado, tudo que tinha de meu eram quatro lumens e um gusa solitário. Coloquei a sacola no ombro e fiz sinal para que o garoto descesse comigo.

Acenei para Grilo, parado atrás do balcão do bar, e me virei para o menino.

— Muito bem. Você meteu os pés pelas mãos na vinda para cá, mas vou lhe dar uma chance de consertar as coisas. — Peguei três lumens e os segurei para que ele os visse. — Volte à Barril e Javali, encontre a mulher que o mandou aqui e lhe entregue isto — disse, mostrando o bilhete. — Ela vai mandar uma resposta. Traga-a para cá e entregue-a àquele homem — instruí, apontando para o Grilo. — E ele lhe dará o dinheiro.

— Não sou idiota — disse o garoto. — Quero o meio lumen primeiro.

— Eu também não sou idiota — retruquei. — Você vai receber três lumens inteiros quando voltar aqui trazendo o bilhete dela.

Ele me lançou um olhar furioso, depois acenou com a cabeça, de cara emburrada. Entreguei-lhe o bilhete e ele saiu correndo porta afora.

— O garoto parecia meio atrapalhado quando chegou — comentou Grilo.

Balancei a cabeça.

— Ele é ignorante como uma ovelha. Eu não o usaria, de jeito nenhum, mas ele sabe como ela é — acrescentei com um suspiro e pus os três lumens no balcão. — Você me faria um favor se lesse o bilhete, para ter certeza de que o garoto não está mentindo.

Grilo lançou-me um olhar meio constrangido.

— E se o bilhete for de natureza... hum... pessoal?

— Nesse caso, eu dançarei uma cantiga alegre. Mas, cá entre nós, isso é pouco provável.