Capítulo 44.2 - Antigas Lágrimas de Revolta; Parte 3

A noite caía como um manto de veludo sobre o acampamento, e a chama das tochas oscilava ao sabor do vento noturno. O jantar transcorria com uma serenidade enganosa, o crepitar da madeira nas fogueiras preenchia o silêncio entre conversas dispersas. A atmosfera era morna, envolta por um senso de segurança que, desconhecido para todos, estava prestes a ruir.

Edwald afastou da barraca, erguendo-se com um suspiro leve. Ele lançou um olhar para Tadyus, que já se servia de mais vinho.

Edwald: "Vou procurar Edyna." - Disse ele, ajustando suas faixas. - "Ela deve estar junto ao rochedo."

Tadyus levantou a sobrancelha, um lampejo de preocupação passando por seus olhos.

Tadyus: "Não quer que eu vá junto?" - Perguntou.

Edwald sorriu, repousando uma mão firme no ombro do amigo.

Edwald: "Não precisa. Apenas vá dormir, Tadyus. Eu volto logo."

Havia uma sombra de hesitação no rosto de Tadyus, mas ele apenas assentiu, observando enquanto seu amigo se afastava pela trilha sinuosa, desaparecendo sob a luz prateada da lua.

A brisa noturna soprou contra o rosto de Edwald conforme ele caminhava em direção à clareira. Seu coração, antes tranquilo, agora pulsava com um estranho pressentimento. O rochedo iluminado pela lua se erguia majestosamente, um altar silencioso sob a abóbada celeste.

Mas então, conforme ele se aproximou, algo estava errado.

Um calafrio cortou sua espinha quando avistou o que parecia ser restos de tecido e ossos espalhados pelo chão. Seu peito se apertou, os olhos arregalando-se em choque. As vestes... eram de Edyna.

Edwald: "Não..." - A palavra escapou de seus lábios como um lamento quebrado.

Ele caiu de joelhos, os dedos tremendo ao tocar o tecido ensanguentado. Seu corpo começou a tremer, a mente se debatendo entre negação e desespero.

Edwald: "Isso não pode estar acontecendo... Edyna..."

Ele se culpou. Culpou-se por não ter ido atrás dela antes. Culpou-se por ter acreditado que nada aconteceria. Seu coração pulsava com uma dor lancinante, e sua respiração tornou-se errática. Naquela noite fatídica, Edwald deveria ter ido com ela. Mas estava cansado, então ficou. Agora, diante dos restos de sua esposa, seu coração foi esmagado pela culpa.

Então, subitamente, uma escuridão envolveu tudo.

*Flashback*

A fome era uma sombra constante entre os goblins. Fracos, caçados, desprezados por todas as raças, não eram nada além de vermes aos olhos do mundo. Edwald nasceu nesse ciclo de sofrimento. Desde cedo, aprendeu a sobreviver roubando restos de comida e fugindo da lâmina de humanos e orcs que viam sua raça como pragas.

Mas Edwald sempre foi diferente. Havia algo dentro dele, uma inquietação, um desejo de algo mais. Ele via sua tribo definhar em cavernas escuras, condenados a uma existência sem esperança. Não queria aceitar aquele destino.

Ainda jovem, ele foi vendido por um bando de goblins mais velhos a mercadores de escravos. Foi arrastado por quilômetros, forçado a lutar em arenas clandestinas para divertir nobres e soldados bêbados. Se não aprendesse a matar, morreria.

E então, ele matou.

Matou para viver, para se agarrar à última migalha de dignidade que ainda possuía. Mas cada golpe que desferia roubava algo dele. Seus olhos se tornavam mais frios, suas mãos mais rápidas, seu coração mais vazio. Até que um dia, após anos de batalhas e mortes sem sentido, ele finalmente escapou.

E foi assim que encontrou Edyna.

Ela era como ele, uma goblin, mas diferente de qualquer outra. Não estava quebrada. Seus olhos brilhavam com uma inteligência afiada, e sua voz era doce como o som de folhas ao vento. Ela era uma curandeira, conhecia segredos antigos da floresta e sabia como transformar raízes em remédios.

Edyna o salvou. Não apenas curou suas feridas, mas o fez lembrar que ainda era alguém.

Os dois fugiram juntos. Construíram um lar no bosque, perto das montanhas, longe dos reinos de humanos e orcs. E por um tempo, foram felizes. Felizes como goblins nunca deveriam ser.

Mas a felicidade nunca dura para aqueles amaldiçoados pelo mundo.

*Fim do Flashback*

A lua desapareceu. A luz foi engolida por uma sombra opressora, sufocante. Edwald piscou, confuso, tentando entender o que acontecia. Era como se o próprio mundo houvesse sido consumido pelo vazio.

E então, ele a viu.

Uma pequena criatura demoníaca emergiu da escuridão. Seus olhos eram grandes e brilhavam com um brilho quase infantil, dotados de uma doçura ilusória. Edwald a encarou, os olhos cheios de lágrimas, sua mente consumida pelo luto.

Edwald: "Você... você sabe onde ela está?" - Sua voz saiu trêmula, suplicante.

A criatura inclinou a cabeça, observando-o. Então, sua boca começou a se abrir. E continuou abrindo. Alargando-se além do que era natural, além do que era possível.

E, dentro daquela boca, Edwald viu algo.

Viu Edyna.

Seus olhos, sua pele, seu sorriso gentil. Ela estava ali, esperando por ele.

Edwald: "Edyna..." - Sua voz se quebrou.

Seu rosto se suavizou, e um sorriso ingênuo surgiu em seus lábios. Ele estendeu a mão, querendo tocá-la. Queria tanto abraçá-la, senti-la mais uma vez...

E então, a criatura o devorou.

Houve apenas um instante de compreensão antes de tudo terminar. Um momento em que seu corpo foi rasgado, triturado, consumido. A criatura mastigou lentamente, antes de cuspir seus restos, agora irreconhecíveis.

O que restou dele foi cuspido ao chão, mas Edwald já não estava mais ali.

Talvez, em algum lugar dentro da escuridão, ele tivesse encontrado o que sempre buscou: Edyna, o seu filho e a promessa de um amanhã que nunca viria.

Enquanto isso, no Submundo, Lilya e Unknown continuavam vagando. O ar era pesado, carregado de um silêncio sufocante, interrompido apenas pelo som de seus passos sobre o solo de rocha negra.

Lilya: "O Submundo não é apenas um local onde demônios residem." - Disse Lilya, observando as formações rochosas que os cercavam. - "Ele é um labirinto. Existem caminhos ocultos que levam a todos os Continentes de Gaia, dungeons escondidas em cada um deles."

Unknown não respondeu. Seu olhar permanecia fixo no horizonte sombrio, sem entender suas palavras, mas, de alguma forma, ele compreendia.

Eles avançaram em silêncio até que um estrondo ensurdecedor ecoou pelas cavernas, reverberando pelo chão.

Unknown parou abruptamente e apontou para a imensidão diante deles.

Lilya seguiu seu olhar, e seus olhos se arregalaram ao perceber a silhueta de um castelo colossal se erguendo na escuridão.

Lilya: "Lá...?" - Ela murmurou. - "É onde Lúcifer está?

Unknown não disse nada. Mas seu silêncio era uma resposta.

Lilya hesitou.

Lilya: "Nós não podemos entrar." - Sua voz saiu mais tensa do que queria demonstrar. - "Eu não tenho poder suficiente para derrotá-lo no momento."

Ela mal teve tempo de terminar a frase.

Unknown avançou.

Sua velocidade foi um borrão de sombras. O impacto de seu punho contra a muralha do Castelo do Rei Demônio foi devastador, reduzindo a rocha negra a fragmentos. A explosão de destroços varreu os corredores como uma tempestade.

Lilya sentiu um calafrio.

Lilya: "Mas que inferno você acabou de fazer?!"

Dentro do castelo, Lúcifer franziu a testa. Seu olhar se tornou frio.

O ritual de transferência dos decretos para Satan e Azazel, foi interrompido. Os selos das inscrições espirituais tremularam no ar antes de desaparecerem.

Ele cerrou os punhos.

- Lúcifer: "Droga. Uma invasão?" - Ele rosnou, os olhos brilhando com impaciência. - "Eu deveria ter feito Mammon usar a habilidade daquele Rei de Lior para prever isso..."

Sem perder tempo, ele estalou os dedos.

Como se estivesse esperando por esse chamado, Stolas apareceu instantaneamente.

Lúcifer: "Resolva isso." - O nephilim ordenou, sem desviar o olhar do ritual inacabado.

Stolas assentiu, mas hesitou por um breve momento antes de falar:

Stolas: "Senhor Lúcifer, e quanto a Mammon?"

Os olhos de Lúcifer se estreitaram.

Lúcifer: "Ele terminou o encubamento?"

Stolas: "Sim."

Lúcifer sorriu de forma sombria.

Lúcifer: "Rápido. Melhor do que o esperado... Mas ele não teve tempo de se adequar ao novo corpo, não é?"

Stolas balançou a cabeça.

- Stolas: "Não será um problema. Eu refinei as técnicas do processo utilizado. A adaptação dele será acelerada." - Ele fez uma pausa antes de completar. - "Se o experimento for bem-sucedido, poderei replicá-lo para os últimos três decretos que ainda estão incubando."

O som de outra parede desmoronando fez o castelo estremecer.

Lilya tentava conter Unknown do lado de fora, mas sua força destrutiva era descomunal.

Lúcifer bufou.

Lúcifer: "Sem mais atrasos."

Stolas se moveu rapidamente até seu laboratório em uma cápsula gigantesca presa à parede do salão. Sem hesitar, ele pressionou um botão no painel ao lado.

O som do gás sendo liberado ecoou pelo ambiente.

Mas, antes mesmo que a cápsula pudesse abrir completamente, um rugido sobrenatural preencheu o castelo.

E então, sem aviso, Stolas foi arremessado para o outro lado da sala. Seu corpo atravessou diversas colunas e se chocou contra a parede, destruindo outras cápsulas no processo. O impacto foi brutal, rachando o chão sob ele.

Sangue escorreu do canto de sua boca.

Ele tentou se levantar, mas seus braços tremiam.

No centro da sala, a figura emergiu da cápsula.

A aura que emanava dela era opressora. O ar tremeu. As chamas das tochas oscilaram.

Do lado de fora, Lilya estremeceu. Um medo instintivo se espalhou por seu corpo.

Dentro do castelo, Stolas, apesar da dor, sorriu.

Stolas: "Essa... essa é minha maior obra-prima até agora..." - Ele murmurou, encantado com sua criação, enquanto apontava para onde ele deveria ir.

Seus olhos brilharam ao observar a figura.

Stolas: "O nascimento de Chort - Mammon."

O novo ser deu um passo à frente e seguiu para onde Stolas apontou.

E então, no coração da destruição, Chort Mammon e Unknown se encararam.

O choque entre duas criaturas colossais estava prestes a acontecer.