O vento assobiava leve sobre as águas imóveis do lago, como se o tempo hesitasse em seguir. Aurelius, sereno, saboreava seu chá sentado diante de uma mesa de madeira esculpida com entalhes antigos, símbolos que pareciam pertencer a uma era anterior à própria realidade. O aroma de pétalas secas e especiarias aquecia o ar ao redor. Seu olhar, ausente, repousava sobre o reflexo do céu no lago, como se ali buscasse alguma resposta que nem os deuses ousariam conceder.
Midoki, por outro lado, permanecia estático. Seus olhos ardiam, não de raiva, mas de uma energia crua e primordial, como se sua alma estivesse prestes a despedaçar as margens da realidade. Ele virou-se lentamente para Aurelius. Os olhos brilhavam com um fulgor azulado que oscilava entre o caos e a divindade.
Uma aura de asa negra de dragão rasgou as costas de Midoki, estalando com som de carne e osso sendo rearranjados à força. O braço esquerdo, escondido da visão de Aurelius, agora estava envolto por uma aura pulsante que formava garras espectrais, vibrando entre os limites do plano físico e espiritual.
Aurelius permaneceu em silêncio, levando o chá até os lábios. Sorveu mais um gole, inabalável.
Subitamente, Midoki avançou. Em um único movimento, rasgou o espaço à frente, desabando o planalto numa cratera que engoliu o lago e afundou o jardim florido. A violência do impacto criou ondas que engoliram as margens, afogando as flores que ali brotavam há séculos.
Mas no centro da cratera, como uma pintura que se recusava a ser apagada, Aurelius permanecia sentado. A mesa e o chá, intactos.
Midoki, arfando, o encarava. Os olhos ainda em chamas, mas com algo mais, hesitação.
Aurelius terminou seu chá e, finalmente, falou:
- Aurelius: "Bem, se você não pode controlar isso... você não tem chance alguma de vencer Lúcifer."
Num instante, Aurelius desapareceu da visão de Midoki. Quando reapareceu, estava atrás dele. Antes que Midoki pudesse reagir, um golpe preciso atingi-lhe o pescoço. O impacto ressoou como um trovão abafado. A conexão com Zyndera foi rompida. O brilho nos olhos de Midoki cessou.
Ele caiu de joelhos, a respiração pesada, os músculos em espasmos. A dor queimava cada parte de seu corpo. Mas mesmo assim, entre os dentes cerrados, murmurou:
- Midoki: "O seu nível de poder é apenas Lendário... como você é tão poderoso assim, Aurelius?"
Aurelius olhou para o céu, como se a resposta estivesse gravada entre as nuvens.
- Aurelius: "Ao destruir o Fragmento do Caos de Berith, você absorveu aquela energia. Agora, é o suficiente para retornar ao seu teste."
A tensão do momento foi quebrada pelo som de passos leves. Uma figura esguia adentrou o local com ares de quem já estava há muito à espreita.
- Andras: "Já faz um tempo que não me permite entrar aqui..." - Disse Andras, sua voz carregada de uma confiança lasciva.
Aurelius suspirou profundamente, sem virar o rosto:
- Aurelius: "Você é uma peste. Sempre que vem aqui, acaba com minhas flores... as perfeitas para fabricar um bom chá."
- Andras: "Eu vou levar a Berith de volta..." - Ela replicou, gesticulando como se já carregasse a vitória. - "Ela fez um baita estrago por aqui e..."
Seu olhar encontrou Midoki. O tempo parou. Os olhos dela brilharam, as bochechas coraram como se um sol vermelho tivesse nascido dentro de seu peito.
- Andras (pensando): "Aquele garoto... é tão gatinho..." - Pensou, completamente perdida. - "Eu quero pra mim!"
Tentando disfarçar seu entusiasmo, aproximou-se e arriscou uma pergunta:
- Andras: "E-e-ei... você por acaso odeia demônios?"
Midoki a encarou com um misto de confusão e lucidez recém-recuperada. Sua voz saiu baixa, mas firme:
- Midoki: "Eu não chego a detestar todos... pelo menos, tem um em que eu odiaria perder a confiança."
O coração de Andras bateu forte. Sentiu-se como uma adolescente diante de um amor platônico e amaldiçoado.
Aurelius, agora de lado, rolou os olhos e ergueu uma xícara extra, preparando mais chá.
- Aurelius: "Bem, vamos logo com isso, Enshin-kun. Beba esse chá e estará apto para terminar o teste."
Midoki aceitou a xícara, ainda ofegante. Após o primeiro gole, sua expressão se contorceu.
- Midoki: "O que tinha nessa droga de chá...?"
Aurelius sorriu sutilmente.
- Aurelius: "Bem, eram alguns extratos do meu corpo."
- Midoki: "Seu maldi-" - Tentou protestar Midoki, mas cambaleou.
Andras aproveitou o momento de fragilidade e arriscou:
- Andras: "Você poderia... sair em um encontro comigo, quando terminar por aqui?"
Mas ele já havia desmaiado antes mesmo de ouvir.
Quando os olhos de Midoki se abriram novamente, o mundo já havia mudado. Estava de volta, sete mil anos no passado. As cicatrizes do tempo gritavam ao seu redor. O cenário era devastado, como se o próprio inferno houvesse respirado sobre aquela terra.
Ele estava perdido. Outra vez.